Música sem complicação

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Raquel de Medeiros

Paulo Tatit se dedica há 19 anos às crianças Foto: Andrea Iseki

“Que é que tem na sopa do neném? Será que tem espinafre? Será que tem tomate? Será que tem feijão? Será que tem agrião? É um, é dois, é três!” A estrofe ingênua e extremamente simplista foi uma das canções que tiraram dezenas de pessoas da cadeira – entre adultos e crianças – para cantar euforicamente durante show apresentado em pleno feriado de 12 de outubro, na Sala São Paulo, pelo conjunto Palavra Cantada, dupla musical formada por Paulo Tatit e Sandra Peres.

Os músicos, que trabalham juntos há 23 anos, começaram fazendo trilhas, mas aspiravam muito mais. “Queríamos uma coisa mais nossa. Fui para os Estados Unidos e voltei com um disco das divas cantando canções de ninar. O Paulo voltou de férias e decidimos investir neste gênero com músicas atuais”, relembra Sandra. Nada foi feito com a intenção de agradar à indústria fonográfica. Mas, coincidentemente, era o que o mercado pedia, já que os programas das apresentadoras infantis começavam a entrar em decadência no meio da década de 1990. Além disso, palco e figurinos coloridos – a começar pelos cabelos vermelhos de Sandra – sempre chamaram atenção de quem assistia ao espetáculo. 

No boca a boca e com a participação em quadros de programas infantis como o consagrado Castelo Rá-Tim-Bum, os assentos nas plateias passaram a ficar concorridos. Os shows, cada vez mais lotados, deixavam para fora muitos fãs que não conseguiam ingresso. E é assim até hoje. O sucesso deve-se também à fidelidade de pais e professores, que são atraídos pela forma de a dupla lidar com o público infantil. “Eles (adultos) sabem que, se for o Palavra Cantada, não vai ter bobagem lá no meio, vai ser adequado. O show é interessante de se ver porque os pais cantam junto, e eles cantam porque não é uma música chata”, diz Sandra, ressaltando que a preocupação está em ser coerente, produzir músicas com linguagem adequada, mote lúdico e poesia. “Essa é, para nós, a equação certa.” Paulo, por sua vez, atribui o sucesso a uma razão ainda mais simples: “O motivo está em fazer músicas que comuniquem ao coração da criança, que tragam lembranças.”
 
Percebendo a aceitação de educadores, a dupla teve a perspicaz ideia de produzir material para escolas, como o Brincadeiras Musicais e agora o Brincadeirinhas Musicais – vídeos nos quais as crianças aprendem noções de música em sala de aula. “Desenvolvemos performances em que a criança treina concentração, espírito de grupo e ainda aprende a tocar instrumentos de forma leve, a cantar, a ouvir e a estimular a memória.” Educativo, no entanto, não é palavra para definir o trabalho da dupla, segundo Sandra. “Não consideramos nossa letra educativa porque educativo tem sentido de ensinar e não temos essa responsabilidade, nem essa intenção ou competência. Não somos educadores, mas fazemos uma música que tem relação de responsabilidade, honestidade e respeito com o ser humano.” De qualquer forma, estão nas escolas. E os pequenos não reclamam.
 
“Eles têm muitos instrumentos diferentes e as músicas são divertidas, principalmente a Pé Com Pé e a Bolacha de Água e Sal”, opina Luís Fernando Geleilete, 5 anos, fã da dupla desde o primeiro ano de vida. E os números comprovam a predileção dos pequenos. No Dia da Criança, 1.825 pessoas lotaram a Sala São Paulo, na Capital. Foram realizadas duas sessões e, mesmo assim, muita gente ficou sem ingresso.   
 
MÚSICA DIGESTA
Apesar de serem fãs de grandes músicos e bandas como Bracker Brothers e Frank Zappa, além dos brasileiros Gilberto Gil, Lenine e Zélia Duncan, Paulo e Sandra sabem que para crianças a coisa tem de ser muito menos elaborada, sem grandes harmonias e com objetividade. “A criança não se liga em coisas de sonância, encadeamentos de jazz ou bossa nova. Ela está em um estágio que exige algo mais claro, mais puro”, explica Paulo, que é pai de dois filhos.
Sandra exemplifica com recursos gastronômicos. “Gosto de comparar música a comida. Não adianta servir para a criança uma lasanha elaboradíssima. Ela quer coisa mais simples. Você pode diversificar, incluir alimentos verdes, mas não adianta oferecer casquinha de siri. Ela quer comer o bifinho dela, a sopinha.”
 
 
Sandra é integrante do Palavra Cantada Foto: Andrea Iseki
CRIANÇA É CRIANÇA
Infância, antes, era sinônimo de amarelinha, corda, pega-pega, troca de experiências ao vivo e a cores. Hoje, com a quase onipresença da web, tudo isso foi substituído por jogos e experiências virtuais. Sandra, no entanto, não acha que as crianças mudaram tanto de lá para cá. Basta que os pais saibam conduzir a situação. “Se o adulto deixa a criança na internet 12 horas por dia, ela não vai conseguir jogar amarelinha. Mas não acho que mudou. Se você oferecer amarelinha, ela joga. Infância é infância. No entanto, é evidente que se ela só fica na internet ou no videogame, não terá interesse tão grande pela nossa música.”
 
Paulo acredita que fora das grandes metrópoles a infância ainda apresenta a mesma essência. “A gente passeou muito pelo Brasil e viu que algumas coisas que não existiam por aqui, como a brincadeira de rua, existem muito fora daqui. É só ir até Cotia, Campinas, por exemplo. E se você for para Laranjeiras ou Sergipe, é um pandemônio na rua. Termina a aula e a criançada vai para a rua brincar de pega-pega, amarelinha, de roda.” Em uma sociedade onde pai e mãe têm de trabalhar para pagar todas as despesas, sobram crianças com pouco convívio familiar. Culpa de quem? Sandra se abstém de opinar: “Não posso gener


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