Respeitável palhaço

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Miriam Gimenes

Claudinei Plaza
Domingos Montagner trabalha há duas décadas no circo

Imagine um homem humilde do campo, que chega à ‘cidade grande’ sem emprego e perambula pelas ruas, tal qual um mendigo. Após um copo e outro de cerveja, que usa como fuga para esquecer os problemas, ele se embriaga. A espuma da bebida cobre de branco a boca e parte do rosto. O alto teor alcoólico também diminui seus reflexos e o faz trançar as pernas, o que provoca quedas que machucam o nariz, sempre vermelho. As roupas, oriundas de doações, nunca caem como luva em seu corpo – são sempre maiores, menores ou largas. Mas, de sua tragédia particular, ele constrói uma figura caricata, engraçada, que o perpetua na história. Foi assim que surgiu o pagliaccio, ou ‘homem de palha’, como era conhecido na Itália.

Domingos, que acaba de estrear no horário nobre da telinha como o turco Zyah, de Salve Jorge, transitou por algumas profissões até encontrar o prazer em atuar. Ajudou o pai, que era dono de bar, se arriscou como cartunista e foi professor de Educação Física por dez anos, mas bastou pisar em um palco de teatro – com a despretensiosa intenção de aprimorar os métodos educativos – para ser fisgado pela magia das artes cênicas. “Era um momento de virada. Levei durante um tempo a Educação e o teatro, mas chegou uma hora que não dava mais.”

Optou, então, pela interpretação e passou a trabalhar com teatro de bonecos, até ingressar no Circo Escola Picadeiro – onde teve como mestre o famoso Palhaço Picolino, feito por Roger Avanzi – e conhecer o seu mais longínquo parceiro, Fernando Sampaio, com quem divide as palhaçadas até hoje e de quem é sócio no Grupo La Mínima.
“Vi ali (na escola) que ser palhaço seria meu caminho”, lembra. Norteado pelo trailer da companhia e o elenco, viajou pelos quatro cantos do País, apresentando alguns espetáculos na rua. A lona, de fato, foi erguida apenas em 2003, quando o grupo resolveu assumir dívida para financiar o sonho, que deu certo.

Nestes tempos em que o termo ‘palhaço’ é usado para depreciar uns e outros que, por conta deste ofício, conseguiram chegar ao Congresso Nacional – vide Tiririca –, Domingos e Fernando são ferrenhos defensores da categoria. “O palhaço está nas ruas, nas feiras, nos parques de diversão, nas histórias em quadrinhos, no cinema mudo ou falado, nos espetáculos de variedades e nos textos clássicos. Ele vai existir sempre porque nos possibilita perceber limites, diferenças e semelhanças através de um universo fantasioso, mas não menos objetivo. É ele quem nos permite rir de nós mesmos. De Homero a Bocaccio, de Gogol a Millôr, de Carlitos a Oscarito, de Leonardo da Vinci a Laerte, a humanidade registra o humor e ri dela mesma há pelo menos 28 séculos. Realmente, rir deve ser o melhor remédio”, sugere a dupla no site do La Mínima.
O ofício é engraçado sim, mas a árdua e gratificante tarefa de disseminar a alegria por onde quer que se passe faz de Domingos – e de qualquer outro que ocupe a mesma função – um palhaço tão respeitável quanto seu público.

SEMEADOR DE ALEGRIA
Despertar o sorriso nas pessoas é o combustível que move Domingos. O ator sente-se fascinado em proporcionar júbilo durante o contato direto com o público. “Diante de tantas formas de entretenimento que há hoje em dia, só valeria continuar nisso (circo, teatro) pelo exercício da relação humana que se tem no palco, que é insubstituível. No fim do espetáculo, aquela alegria manda vibrações que ecoam para além daquele momento.”

Para o ator, valorizar os pequenos momentos é o segredo da felicidade, porque a satisfação permanente é utópica. “A felicidade não existe. Você tem de aproveitar as situações que aparecem, senão fica eternamente frustrado. A alegria está em observar os momentos interessantes que passam pela sua vida e desfrutar, ter a alma mais aberta para isso.” Assim, conclui o ator, fica mais leve e interessante a passagem pela Terra.

Por isso ele valoriza tanto o humor. “É quase uma lente de aumento em cima de você. Revela suas qualidades e defeitos. E o palhaço ajuda a mostrar isso de forma irreverente.”
Para Domingos, essa ramificação do ator cômico é uma forma de exemplificar que os acontecimentos cotidianos podem ser encarados com bom humor. “Estamos no picadeiro para mostrar às pessoas que o homem é imperfeito e isso é engraçado. Essa coisa de falarem que é um personagem melancólico, na verdade, tem mais a ver com a parte humana do palhaço. A interpretação mais legal é que o ator também é humano e, às vezes, triste.” E é difícil fazer o outro rir? “É um risco muito grande. Costumamos até falar que o humor é matemático e musical: se você está desafinado ou erra a conta, ele não funciona. É implacável.”

Domingos confessa, no entanto, que a imagem do clown que a maioria das pessoas conhece é um pouco assustadora, tanto que seu primogênito de 9 anos – ele tem três filhos com a produtora Luciana Lima, com quem está há dez anos – tinha medo de palhaços quando pequeno, embora tenha nascido praticamente dentro de um circo.
Ainda assim, os rebentos se arriscam no picadeiro do Zanni, alimentando no pai coruja o desejo íntimo de que algum deles perpetue seu gosto pela arte circense. “Mas vou adotar a postura do meu pai. Ele me deu liberdade para escolher um caminho profissional e, se não fosse assim, não teria chegado até aqui.”

TV Globo/Divulgação
Capitão Herculano o deixou famoso

FAMA NA MEIA-IDADE
Quem pensa que Domingos Montagner caiu de paraquedas na novela das 21h, fazendo par romântico com Cleo Pires, está enganado. É longo o caminho que o ator percorreu até chegar às telas de TV. O primeiro convite surgiu apenas em 2010, para fazer participação no seriado Força Tarefa. Depois, fez A Cura e contracenou com Lilia Cabral em Divã.
O estrelato, no entanto, só despontou com o capitão Herculano, de Cordel Encantado (2011). “Essa trama tinha repercussão qua



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