Pega na mentira

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Heloisa Cestari

Fernandes
Os traços da mentira são bem característicos. Ilustração: Fernandes.

Ela tem perna curta, nariz comprido e é cabeluda. Os traços são bem característicos. Mesmo assim, muita gente tem dificuldade de identificar a mentira. Afinal, ela é mestre na arte do disfarce e não é fácil de ser pega. Ou melhor, não era. Cada vez mais, psicólogos, policiais e especialistas em segurança aprimoram técnicas que ajudam a descobrir quando uma pessoa está mentindo. Recursos como o polígrafo, o exame de ressonância magnética e o chamado soro da verdade são alguns aliados. Mas como saber quem está enganando quando não se tem equipamentos à disposição? O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) dá a receita: “Mente-se com a boca. Mas a careta que se faz ao mesmo tempo diz, apesar de tudo, a verdade”. Desde sua observação, número crescente de investigadores tem procurado se aperfeiçoar na técnica da detecção de mentiras por meio da análise de microexpressões faciais, desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Paul Ekman e popularizada pelo seriado de televisão Lie To Me.

PhD em Psicologia, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos e doutor pela Universidade de Adelphi, Ekman concluiu em 2001 estudo que desenvolveu ao longo de 18 anos sobre a expressão de emoções pela face. E chegou ao resultado de que é possível estabelecer se alguém está dizendo ou não a verdade a partir da confrontação entre os sentimentos demonstrados na fala e as expressões do rosto, mostrando que um lampejo minúsculo e muito rápido da fisionomia pode revelar uma emoção oculta.

Quando alguém pisca repetidas vezes ou se senta com o corpo inclinado em um interrogatório, por exemplo, está sinalizando através da linguagem corporal que não acredita de fato no que está dizendo. O mesmo vale para quando se morde os lábios ou se coça o nariz (confira quadro na página 34).
Mas não são só policiais que podem tirar proveito da técnica. Quem nunca desejou saber se seu candidato está sendo sincero nas promessas de governo da propaganda eleitoral gratuita ou naquele discurso inflamado no palanque? Quem não quer ter certeza de que aquele ‘eu te amo’ é verdadeiro; de que aquele happy hour de negócios do marido com colegas de trabalho varou mesmo a madrugada ou se aquela doença do funcionário justo na Quarta-feira de Cinzas não passou de um pretexto dele para estender o Carnaval?
Questionamentos como esses também podem ser facilmente solucionados por quem domina as técnicas de identificação das microexpressões faciais. Difícil é encontrar tempo para analisar cada situação. Pesquisas mostram que, em média, mentimos três vezes a cada dez minutos, mesmo que nem percebamos isso. Mas, na maioria dos casos, são mentirinhas inofensivas, ditas para evitar constrangimentos, mágoas ou para atenuar o impacto que a verdade teria. A vida em sociedade seria um caos se não aprendêssemos, desde crianças, a disfarçar a frustração ao receber um presente de que não gostamos ou silenciar a opinião diante de um corte de cabelo desastroso.

Na peça Por que os Homens Mentem?, adaptada do livro de Luis Fernando Veríssimo As Mentiras que os Homens Contam (Editora Objetiva, 176 páginas, R$ 20), a companhia teatral Nósmesmos Produções Artísticas encena justamente situações em que a mentira é não só bem-vinda como necessária. “Os homens mentem porque são um bando de safados, sem-vergonhas”, diz em tom de brincadeira o diretor de projetos e integrante da trupe, Juliano Mazurchi, para depois arrematar: “Eles mentem para se defender, para não ofender a outra pessoa e evitar brigas em casa”.

O próprio ator, que protagoniza vários esquetes da peça, confessa já ter faltado com a verdade para evitar situações embaraçosas da vida real. “Uma vez, fui convidado para almoçar na casa de uma tia e a lasanha passou um pouco do ponto. Mas comi mesmo assim e ainda falei que estava uma delícia!”
Já no cinema, a comédia O Mentiroso (1997) retrata bem os prejuízos que o excesso de sinceridade pode acarretar nos relacionamentos interpessoais. O advogado Fletcher Reede, interpretado por Jim Carrey, se vê em situação delicada quando seu filho, Max Reede (Justin Cooper), ao soprar as velas do bolo de aniversário, pede que o pai não minta por um dia. O desejo é atendido, impedindo Fletcher de dizer qualquer inverdade, o que o coloca em maus lençóis, especialmente na hora em que se vê obrigado a defender no tribunal uma mulher traidora que pretende se passar por santa para tirar os bens do marido rico.

No livro Mentira – Um Rosto de Muitas Faces (Editora Matrix, 206 páginas, R$ 32), o especialista em segurança eletrônica e investigação de fraudes digitais Wanderson Castilho afirma que as mentiras fazem parte da natureza humana e que a maioria delas é motivada por sentimentos como vergonha, orgulho, medo de ofender e necessidade de autoafirmação. “Muitas vezes, uma empresa só irá perceber que contratou um candidato sem as qualificações necessárias para o cargo quando ele colocar a perder o negócio ou o projeto”, diz Castilho, que fez curso de detecção de mentiras no Instituto para Treinamento de Análises Comportamentais de San Diego, nos Estados Unidos.

Segundo ele, o primeiro passo para desmascarar um mentiroso é fazer um baseline – espécie de mapa das expressões faciais e características de comportamento da pessoa em uma conversa relaxada, em que ela não se sinta ansiosa, acuada ou pressionada a mentir. “Na elaboração de um baseline, presto atenção a aspectos como o piscar dos olhos – quão frequente ele é –; o uso das sobrancelhas para dar ênfase a alguma parte da conversa; a posição das mãos e das pernas; a rigidez dos ombros; o aspecto da testa e da boca”, explica Castilho em seu livro, ressaltando que a análise será sempre melhor se soubermos de antemão alguns fatos sobre a vida da pessoa.

O segundo passo é pedir ao interrogado que conte a história de trás para frente. Isso porque o cérebro, quando cria a mentira, segue uma linha de raciocínio, do início ao fim da história. Por outro lado, quando vivenciamos um fato, deixamos registros em nossa mente de cada um desses momentos importantes e podemos rememorá-los na ordem em que quisermos. “Assim, se queremos contar u



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