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Lars e Torben na última etapa da Mitsubishi Sailing Cup, em Búzios |
O cenário para a entrevista com os iatistas Lars e Torben Grael não poderia ser mais paradisíaco: Iate Clube Armação de Búzios, na Praia dos Ossos, Litoral Norte fluminense. Gaivotas, vento e calor. Competidores da Patagônia Chilena, Argentina e Brasil participaram da etapa do circuito promovido por uma montadora. Sentar em um banco à beira do píer no fim da tarde e ouvir a declaração de amor e sintonia entre os irmãos consagrou o fim de semana perfeito. Comecei meu bate-papo com Torben, medalhista olímpico (dois ouros na classe Star, conquistados em Atlanta-1996 e Atenas-2004; uma prata na Soling, em Los Angeles-1984; e dois bronzes nas Stars de Seul-1988 e Sydney-2000).
Antes de darmos o pontapé à entrevista, fui alertada de que Torben é homem de poucas palavras. Não sei se foi o cair do sol, mas ele estava exultante e sorridente. Havia acabado de chegar da última entrada no mar. Para entender a força desta família, é preciso ir a fundo; sair da superfície do que é mostrado nas telas da TV, quando os velejadores driblam as ondas, e mergulhar nas histórias da família, que sempre esteve à frente do seu tempo.
Torben diz que sua avó, Helene Margrete Jelinski, nasceu na Prússia Oriental (atual Polônia) e mudou-se para Hannover (Alemanha) durante a Primeira Guerra Mundial, após ver sua cidade natal ser destruída por vários bombardeios. Em 1922, desiludida com as dificuldades do pós-guerra, ela decidiu tentar novos ares. Sozinha e sem conhecer ninguém, desembarcou aos 17 anos em território verde-amarelo. Em águas brasileiras, encontrou o dinamarquês Preben Tage Axel Schmidt, com quem se casou. Ambos eram apaixonados por esporte. Schmidt era encantado por um cartão-postal brasileiro, a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
Daí para velejar foi realmente um pulo. O patriarca comprou a primeira embarcação em 1929, chamada de Aileen. “Meu avô foi medalhista de prata nos Jogos de 1912 (Estocolmo) com este barco”, lembra Torben. Até hoje o veleiro é mantido pela família. Aliás, foi Preben quem deu o primeiro presente do mar para os netos: dois barcos da classe Pinguim, batizados de Munin e Hugin (nomes dos pássaros mensageiros de Thor na mitologia escandinava).
Se os avós eram tão empolgados com a tradição e deixaram esta cultura para eles, o pai dos meninos não agiu diferente. Precursor do paraquedismo no Brasil e sem nenhum contato com o mundo marítimo, o coronel Dickson Grael sempre incentivou os filhos a ter disciplina e aptidão para encarar a vela como profissão, e não apenas um passatempo. Estava dada a largada para a vida de glória dos irmãos Grael.
Torben narra esta trajetória secular da família para dizer que está no sangue ser vencedor. Não só pelas vitórias com medalhas ou troféus, mas acima de tudo pela vontade de vislumbrar horizontes e chegar aonde quer. Quando entramos na questão do acidente envolvendo Lars, pude notar que o episódio ainda é motivo de grande comoção. “Antes de tudo, me preocupei com a vida dele, pois foi algo muito grave.”
Naquele dia fatídico de setembro de 1998, em Vitória (Espírito Santo), a imperícia e irresponsabilidade do comandante de um iate causaram a mutilação de uma das pernas de Lars. Mas o momento tenso e triste da entrevista também teve instantes de satisfação. “Meu irmão hoje é muito mais feliz e positivo em tudo. Agrega pessoas ao seu lado. Dentro do barco, é do mesmo jeito também, cheio de disposição”, salienta Torben.
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Momento em que a equipe de Lars Grael entra em ação |
'MINHA VIDA MUDOU RADICALMENTE'
Se é verdade que Lars é mais feliz? Quase no começo do contato com ele, já podia dizer que sim. Abordei o competidor para solicitar sua presença em outro espaço, onde poderíamos conversar melhor. Ele estava no meio de vários amigos, mas, sem pensar duas vezes, levantou-se com a bengala e prontamente desceu uma grande escada, sem pedir ajuda ou reclamar – afinal, havia chegado do mar e podia estar cansado. Que nada. Cheio de disposição, ele me levou para debaixo de uma árvore e começou a falar.
Ao contrário do irmão, Lars destrincha uma conversa facilmente. O único pedido foi para a filha Sophia: “Meu amor, me traga uma cerveja”. A curiosidade bateu em mim e indaguei por que ele não usava prótese. “Está bom assim. Não tenho necessidade de implantar algo, já tenho a agilidade de que preciso.” Hoje, Lars parece totalmente curado, não somente da forma física, mas do preconceito e desconhecimento que antes existiam em sua vida, não por parte de outras pessoas, mas por ele mesmo. A total falta de informação fez com que ele passasse em frente ao Comitê Paraolímpico Brasileiro – fundado em 9 de fevereiro de 1905, em Niterói – e perguntasse se o local era de um grupo contra as olimpíadas. “Confesso que eu mal sabia o que era isso. Como era ‘para’, achei que se tratava de um movimento alternativo, que não gostava das competições”, explica.
Assim que terminou de contar como foi seu primeiro contato com a deficiência, Lars se emocionou. “Como é a vida, não é mesmo? Ela quis que eu tivesse compromisso com esta causa de alguma forma. Agora, nós vamos disputar a Paraolimpíada em Londres e eu sou um grande incentivador deste trabalho”. A competição na capital inglesa (de 29 de agosto a 9 de setembro) conta com 182 atletas brasileiros.
É notório que os irmãos, além de idolatrar o oceano, se respeitam no esporte e na vida pessoal. Sobre o relacionamento com Torben, risadas para dizer o que Lars sempre sonhou ser: proeiro. E é claro que ele conseguiu. A família, formada por três irmãos – Axel, o primogênito, foi quem transformou o esporte em estilo de vida –, luta pela preservação do meio ambiente. Lars é o caçula e, como todo peq