A arte de sorrir

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Heloisa Cestari

Romero Britto fazendo pose ao lado da top model Gisele Bundchen

Para o poeta e dramaturgo William Shakespeare (1554-1616), “a alegria evita mil males e prolonga a vida”. O compositor alemão Wilhelm Richard Wagner (1813-1883), por sua vez, vai além e diz que “a alegria não está nas coisas, mas em nós”. Será? Difícil resumir em palavras sentimento tão amplo quanto subjetivo. Mas se essa explosão de felicidade pudesse ser definida em imagens, elas certamente teriam as pinceladas do brasileiro Romero Britto como sua mais fiel forma de expressão. Na contramão do conceito de arte imposto pelos críticos, ele recorre a desenhos pueris, com traços fortes e cores vibrantes, para simplesmente transmitir alegria. E nada mais.

Nada de contestações a empreitadas bélicas ou exaltação à bandeira branca, como os famosos painéis Guerra e Paz, de Cândido Portinari (1903-1962); mensagens enigmáticas como as do polêmico afresco A Última Ceia, de Leonardo Da Vinci (1452-1519); nem pretensões de lançar luz a novos paradigmas sociais e artísticos, a exemplo do antropofágico Abaporu, de Tarsila do Amaral (1886-1973). A obra deste pernambucano da zona metropolitana de Recife não é para ser pensada, apenas sentida. Também não exige horas de reflexão diante da tela. O efeito é imediato. Dura somente o tempo necessário para as retinas captarem as cores e as decodificarem no cérebro, fazendo os lábios abrirem um sorriso e o coração bater estimulado por um não sei o quê de satisfação. “É difícil chamá-lo de artista. É um designer, talvez”, comenta o professor de Arte Contemporânea da Unicamp (Universidade de Campinas) Nelson Aguilar, curador de duas edições da Bienal de São Paulo. 

 
Já a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, aprova a arte de Romero. Na saída do encontro do artista com a presidente Dilma Rousseff, em fevereiro do ano passado, ela definiu o trabalho do  brasileiro como “muito alegre e colorido; a cara do Brasil”. Fato é que, a despeito da má aceitação do establishment crítico, nenhum outro artista plástico brasileiro goza de tamanho reconhecimento internacional e retorno financeiro quanto Romero. Suas telas chegam a custar milhões de dólares e cativam celebridades do quilate de Madonna, Michael Jackson, Elton John, príncipe William, André Agassi, Pelé e Michael Jordan. Só o ator e governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, tem 18 quadros do pernambucano, que também conheceu os últimos três presidentes norte-americanos – Clinton, Bush e Obama – e no ano passado presenteou a presidente Dilma Rousseff (PT) com um retrato à sua imagem e semelhança, após publicar anúncio no jornal The New York Times congratulando-a pela vitória nas urnas.
 
“Minha arte é colorida, alegre e direta. Só coleciona ou se interessa por ela quem está de bem com a vida ou quer ficar mais feliz”, explica Romero, que curiosamente sintetiza seu trabalho em outra palavra: amor. Mesmo sentimento que o fez despertar para as artes ainda criança. “Aos 8 anos, me enterneci pela arte, mas não imaginava que ela iria mudar minha vida. Sonhava em ser veterinário, pois sempre gostei de animais. Depois, quis ser arquiteto. E antes de entrar na faculdade, pensava em ser diplomata para viajar pelo mundo, conhecer outras culturas e línguas. Porém, quando ingressei na Universidade Católica de Pernambuco, desanimei e comecei a sentir que o mundo que eu queria não estava na carreira diplomática. Era apenas um veículo para eu chegar ao meu sonho. Foi quando abandonei tudo e segui outro caminho.”
 
Aliando a inata diplomacia à paixão pelos pincéis, Romero virou embaixador da própria arte mundo afora. Rumo a Nova York, em 1990, fez parada em Miami para visitar um amigo e nunca mais arredou pé de lá, transformando a ensolarada cidade norte-americana em uma espécie de galeria a céu aberto. 
Assim como suas telas, Miami é um destino alegre, colorido, vibrante. E quem desembarca no MIA (Miami International Airport) logo percebe essa relação estampada no uniforme dos funcionários do terminal aéreo. As roupas foram desenhadas pelo artista pernambucano, que assina diversas obras espalhadas por pontos turísticos, museus, shoppings, ruas, praias e até em sacolas de presentes. 
 
A familiaridade com o município é tão grande que ele lançou há dois meses, pela Pulp Editora, um guia turístico com dicas de seus restaurantes, hotéis, baladas, lojas e museus preferidos. E não à toa, foi nomeado, em 2005, embaixador das artes do Estado da Flórida pelo ex-governador Jeb Bush.
O início, porém, exigiu doses extras de dedicação. Como quase todo imigrante, Romero lavou carros e entregou pizzas. Nas horas vagas, pintava quadros para vender em pequenas galerias. “O começo não foi fácil. Venho de uma família simples de Pernambuco e precisei trabalhar muito para conquistar meu espaço. Mas Miami me recebeu de braços abertos. Foi aqui que minha arte passou a ser conhecida e revelada para o mundo.”
 
A primeira obra vendida custou US$ 8, em Recife. “Era uma colagem com selos postais de cartas da minha mãe.” Para valorizar o passe, Romero deu US$ 300 à então namorada Sheryl para que ela comprasse uma de suas obra. O galerista ficou com metade do dinheiro, mas o ‘investimento’ valeu a pena. Hoje, sua democrática arte apresenta preços para todas as classes. “O público pode adquirir um pôster por US$ 25, um cartão-postal autografado por US$ 180 e um pequeno original por US$ 5.000, US$ 100 mil ou US$ 1 milhão. Recentemente, um colecionador da Ásia pagou US$ 3 milhões por uma obra minha. Foi a mais cara que já vendi.”
 
Obra se Romero Britto inspirada no Abaporu, de Tarsila do Amaral 
A guinada começou quando Michel Roux, presidente da vodca sueca Absolut, viu sua arte em uma galeria dos Estados Unidos. Como já havia feito campanhas publicitárias da bebida com pinturas de Andy Warhol e Roy Linchenstein, considerou Romero seguidor da mesma linha de pop art e desembolsou US$ 65 mil pelo direito de explorar três de sua


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