Mar da vida

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Raquel de Medeiros

Maitê Proença viveu Sinhazinha no remake de Gabriela

O remake de Gabriela, na Rede Globo, incomodou muita gente com as cenas protagonizadas por Sinhazinha, interpretada por Maitê Proença, e Coronel Jesuíno (José Wilker). Além de ser obrigada a manter relações sexuais forçadas com o marido – eternizado pelo chavão “deite-se que vou lhe usar” – e submeter-se a todo tipo de grosseria, a personagem acabou sendo assassinada a tiros pelo cônjuge traído, sob o aval de toda a cidade, por tentar viver um grande amor. Triste ver a impotência feminina personificada na até então beata e boa esposa, que não gozava o direito de decidir sobre a própria vida.

 
Fora da ficção, não é diferente. Levantamento do Mapa da Violência no Brasil 2012 mostra que, de 1980 a 2010, o número de mulheres assassinadas no País cresceu 217,6%. Segundo a estatística, uma é agredida a cada cinco minutos, e em 70% dos casos a violência parte do namorado, marido ou ex. Os números impressionam, assim como o desfecho trágico do casal de amantes na trama de Walcyr Carrasco, adaptada do romance de Jorge Amado. 
Se mexeu com o telespectador, a história incomodou ainda mais a atriz escolhida para viver o papel. Sinhazinha pode ter sido o maior desafio da carreira de Maitê Proença, já que, por ironia do acaso, a obrigou a reviver na ficção um pouco da tragédia real vivida por seus progenitores. Desconfiado de que a mulher o traía com o professor de francês, o pai de Maitê matou a esposa a facadas. Na época, a atriz tinha 12 anos. 
 
Convidada a interpretar história semelhante em Gabriela, ela surpreendeu e, com o ímpeto de sempre, encarou o desafio de frente. “Não tenho e nunca tive temperamento para me lamuriar. Sigo em frente. Não importa o custo, nem penso nele. Aprendi a não desistir, bato até abrir e gosto da caminhada.” As coincidências entre Maitê e Sinhazinha, no entanto, param por aí. De submissa e recatada a atriz não tem nada. Corajosa, não vê problemas em se jogar nos relacionamentos, muito menos em terminá-los quando necessário. “Fui casada por 12 anos. Considero isso um êxito. Tive namoros bastante longos e mantive quase todas essas relações em um lugar amoroso.” 
 
Diferentemente da personagem, que nunca se expunha nua ao marido, Maitê também não tem pudor em mostrar o corpo. Nos anos 1980, causou polêmica com as cenas sensuais de Dona Beija e seus famosos banhos de cachoeira em novela da extinta Rede Manchete. Também posou nua duas vezes para a Playboy. Aliás, para quem ainda tinha esperança de ver suas belas formas estampando alguma capa de revista masculina novamente, Maitê já avisa que as notícias não são boas: “Tá feito, não vai rolar de novo”. Franca, por muitas vezes ao exagero, e dona de si, a atriz se envolveu diversas vezes em polêmicas por falar demais ou, talvez, ter coragem de ser – sem filtros – ela mesma. Fala e faz o que pode e o que não pode. “Falo mais do que seria saudável. Fui criada com gente anglo-saxônica, que fala sem dar voltas. Meu pai também era muito cru. Deu no que deu. Mas um dia eu ainda aprendo a fechar o bico.” 
 
E foi em uma dessas experiências que ela conseguiu ganhar a inimizade dos portugueses. Durante viagem à Terrinha para o programa Saia Justa, do canal GNT, em 2007 – quando fazia parte do núcleo de apresentadoras –, Maitê debochou da inteligência dos lusitanos. A gravação terminou com a atriz cuspindo em uma fonte no Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa. A brincadeira sem limites gerou péssima repercussão no país e diversas reportagens expuseram o caso, com muitas críticas, em canais de TV locais. 
Maitê acabou tendo de se retratar publicamente. Pediu desculpas. Mas diz que não volta  tão cedo a Portugal. “Não retornei mais, me pelo de medo dos portugas furiosos. Mas estive no país umas 15 vezes e guardo as melhores lembranças.” 
 
Depois de quatro anos no ar como apresentadora do programa feminino, quem ficou em saia justa foi a própria Maitê. A mídia divulgou exaustivamente que ela teria entrado em conflito com uma de suas colegas, mas ela desconversa o burburinho: “Aquela formação deu samba no ar”.
 
CORAGEM PARA SEGUIR
Esse jeito de ser que, às vezes, soa um pouco agressivo é consequência de quem precisou ter muita coragem para superar os revezes da vida. Questionadora, Maitê sempre gostou de entender tudo o que a cerca; de investigar e experimentar as situações, sejam boas ou ruins. Como ela mesma diz, “vai fuçando sem grandes pausas”, e não tem tempo a perder com lamentações. “Não fico de nhe-nhe-nhem.” E se – como dizem – tudo na vida sempre tem um lado bom, Maitê soube tirar lição disso. Aprendeu a ser mais determinada, seguindo o caminho sem medo, com um passo de cada vez. “Sou forte, sim, mas isso não significa sofrer menos, apenas aguentar mais. Assim vai se aprendendo a viver cada vez melhor com as circunstâncias, sejam quais forem. E sem reclamar, porque isso nunca leva a bom lugar.”
Trabalhar sempre foi válvula de escape ou – por que não dizer? – forma de terapia para a atriz, que há tempos largou os benefícios de um divã. “Já fiz (terapia), foi bom, não faço mais, prefiro nadar no mar.” 
 
Resolveu se ajudar por conta própria e fez questão de colocar no papel a sua versão de toda essa vivência um tanto difícil de entender. Tomou a história dela por base e criou ficção em cima, manipulando os fatos exaustivamente até transformá-los em livros e peças de teatro, em uma espécie de catarse solitária, porém renovadora. 
“A primeira peça continha uma parte de minha história pessoal como ponto de partida. Depois, escrevi romance em que duas vidas se entrelaçam para que não se saiba nunca o que é real e o que é inventado. Em seguida, outra peça que se desenrolava em um velório, com todos os mortos de minha vida saindo de dentro do caixão e revivendo histórias em uma celebração alegre e trágica. Acho que consegui esgotar alguns temas.”
 
Outro exercício ainda mais difícil, ao qual ela se dedicou no decorrer da jornada, foi o de aprender a perdoar, independentemente da situaç&atil


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