Pelo direito da escolha

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Miriam Gimenes

 Se o pré-natal correr bem, a mãe tem o direito de escoher o parto que quer para seu filho

Há menos de um século, dez entre dez partos eram feitos dentro de casa. As gestantes contavam apenas com a ajuda de familiares, da parteira – geralmente a mesma que ajudava no nascimento de todas as crianças do bairro – e dos impulsos físicos naturais. Em último caso, eram as próprias progenitoras que, sozinhas, colocavam os rebentos no mundo. Mas o tempo passou e muita coisa mudou, inclusive na medicina. O que era natural tornou-se exceção, especialmente no Brasil. Segundo dados do Ministério da Saúde, a maioria dos partos feitos no País é por cesariana. Em contrapartida, cresce o movimento de mães que pretendem dar um basta nesta realidade. Elas não temem retroceder nos adventos tecnológicos e clamam pelo direito de escolher a melhor forma de vivenciar este momento tão esperado. Não querem ficar à mercê do ‘mais fácil’ e pedem, em uníssono, que a comunidade médica prime pela humanização.

Dizem que o termo ‘cesariana’ deriva do nome do imperador romano Júlio César (100-44 a.C.), que teria nascido graças ao procedimento. O mesmo só poderia ser feito, segundo a lei romana, se a mãe tivesse morrido e a única forma de salvar o bebê fosse a cirurgia. O mito não foi comprovado, já que sua mãe, Aurélia, teve mais cinco filhos após o nascimento do soberano. Mas fato é que o primeiro parto por cesárea de que se tem registro foi feito no ano de 1500 na Suíça. Um homem simples, Jacob Nufer, ao ver o sofrimento da mulher, fez um corte em seu ventre e, com a ajuda de parteiras, retirou o filho com sucesso.

No Brasil, a prática passou a ser aplicada há cerca de 70 anos. Desde então, ao invés de ser utilizada apenas em casos extremos, como fez o suíço, tornou-se febre nas maternidades do País. Mas quando este procedimento é indicado? Em casos de sofrimento fetal; posicionamento desfavorável do bebê; quando a mãe é portadora de infecções virais (como herpes e Aids) ou tem hipertensão e diabetes gestacionais; e se o bebê for muito grande.

Mas a comodidade de marcar data e horário, de não sofrer com as dores e de acelerar o processo do parto é tentadora, tanto para as futuras mamães quanto para os profissionais de Saúde. Tanto que em hospitais da rede privada, segundo levantamento do Ministério da Saúde, os índices do procedimento chegam a 82%, e na pública, 37%. A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que a cesariana seja realizada em apenas 20% dos partos. Ou seja, algo de errado está acontecendo.

O ginecologista e obstetra Cláudio Basbaum, médico com 50 anos de experiência, é taxativo em afirmar que, na maioria dos casos, o parto natural é possível. Grande defensor da prática – foi ele quem implementou o método Leboyer no País, que consiste no parto ‘sem violência’ –, o especialista diz que, além de aumentar o vínculo entre mãe e filho, já que assim que sai do útero o pequeno é colocado no colo materno, o procedimento evita traumas e permite que a criança se torne um adulto mais seguro e equilibrado emocionalmente.
O parto humanizado, segundo ele, não é uma técnica, e sim a maneira como é encarada esta situação. O segredo está em respeitar a fisiologia feminina e a vontade da mulher. É por isso que as futuras mamães têm de se informar sobre os prós e contras dos tipos de parto (veja quadro na página 33) antes de tomar qualquer decisão. “A mãe tem o direito de caminhar durante o trabalho de parto, de se sentir liberta sobre como quer dar à luz, e não só de onde dar à luz. O nascer deve ser ritualizado como todos os momentos de nossa vida”, adverte o especialista. Afinal, não há ninguém mais indicado do que quem carrega o filho durante nove meses no ventre – e que se preocupará com ele pelo resto da vida – para escolher a melhor forma de trazer ao mundo o seu bem mais precioso. 

Curiosidade

Em meados da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Alemanha criou uma mistura de morfina e escopolomina. A droga prometia um parto completamente sem dor e, por conta deste efeito, promovia o chamado ‘sono de crepúsculo’, em que a mulher perdia completamente a noção do que estava acontecendo durante o procedimento, chegando à amnésia. Primeiro injetava-se a morfina e, logo depois, a segunda droga.

A técnica fez tanto sucesso que até mulheres norte-americanas foram para a cidade alemã de Friburgo tentadas pela proposta. Por esta razão, e pela quantidade de adeptas, o parto tornou-se linha de montagem, em que os funcionários participantes pouco se importavam com as pacientes, já que elas não se lembravam de nada. Tratava-se de um ato extremo – e sem necessidade – que exemplifica bem como a comodidade seduz.

Parto de Heitor foi humanizado; se engravidar novamente, Janaína pretende ter o bebê em casa    

‘PARTO ENTRE AS ORELHAS’
A cirurgiã-dentista Janaína Tibério Gomes, 35, quis fazer o parto humanizado. Antes do nascimento de Heitor Gomes Sanches, de 1 ano e 4 meses, ela procurou saber de todas as informações necessárias sobre o procedimento natural. “O parto acontece entre as orelhas. Tem de estudar muito antes para ter certeza do que você quer.” Para tanto, leu sobre o assunto, conversou com especialista e contratou uma doula, que a auxiliou antes, durante e depois do parto. Esta profissional oferece companhia, suporte afetivo, físico, emocional e informativo para as mães. “Foi o melhor investimento que fiz. Sem ela eu não teria conseguido”, diz Janaína, que desembolsou R$ 950 pelo trabalho de doulagem.
A prestação de serviço é eficiente e requer dose extra de psicologia. “O que mais chega para mim são gestantes com muito medo. Ajudo a desmistificar o parto, incentivo elas a conversarem com o médico e a tirarem toda e qualquer dúvida. A partir do esclarecimento, a mãe tem potência máxima de poder de escolha para decidir o melhor caminho”, diz a doula e psicóloga Luciana Thomé, d



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