Mais uma página

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Leticia de Castro Strazzi<br>www.leticiadecastro.com

Cantora despontou com composição feita aos 10 anos de idade.

Famosa por ambientar parte do clássico shakespeariano Romeu e Julieta, Verona, na Itália, integra a lista dos patrimônios mundiais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e cultiva há séculos o título de Cidade dos Namorados. Mas nem só de poesia e juras de amor vivem seus habitantes. O município possui também grande tradição cultural no que se refere à música. Palcos como o da milenar Arena, na Piazza Brà, e o do Teatro Romano, na Via Rigaste Redentore, já receberam nomes do quilate de Maria Callas (que também viveu em Verona), Josep Carreras, Plácido Domingo, Miles Davis, Ella Fitzgerald e Duke Ellington, além de expoentes da nova safra de gênios da música internacional, como o eclético compositor e pianista norte-americano Keith Jarrett, o premiado canadense Michael Bublé e a nossa talentosa Mayra Corrêa Aygadoux, que abreviou o nome para Maria Gadú, simples e sonoro, assim como suas músicas.

No fim de junho, essa paulistana de 25 anos – mas que hoje mora no Rio de Janeiro, tendo de sua janela a vista inspiradora de um dos cartões-postais da Cidade Maravilhosa: A Lagoa Rodrigo de Freitas – apresentou-se no prestigiado Teatro Romano de Verona na mesma semana em que um dos mitos da música italiana, o cantor e compositor Gino Paoli, embalou a cidade ao som de Senza Fine e Sapore di Sale.

Verona foi escolhida para abrir a turnê italiana de Maria Gadú & Band com o show Mais Uma Página, que depois prosseguiu pelas cidades de Prato, Rimini, Milão e terminou com sucesso de público dia 13, na città eterna: Roma. Com a simplicidade da qual só os grandes são capazes e consciente do prestígio do palco que a hospedava, a brasileira não parou de agradecer ao público e cativou a plateia formada não só por brasileiros como também por muitos italianos e norte-americanos. Afinal, o Festival Verona Jazz  é mundialmente famoso e a cada ano atrai turistas do mundo todo.

Vale lembrar que o hit Shimbalaiê – composto por Maria Gadú quando tinha 10 anos – já foi símbolo do verão italiano. E pensar que a cantora nem gostava tanto dessa música. Disse até que, quando estava gravando o disco, cogitou deixá-la de fora. O destino, no entanto, quis e assim foi: a canção conquistou o mundo.

Mas o que significa Shimbalaiê? Os italianos vivem me perguntando isso. Já consultei até o dicionário e não encontrei resposta. Desta vez, a explicação veio da própria cantora, que inventou o termo para expressar o som das ondas do mar. E não é que ela tem razão?

Além das músicas do álbum Mais Uma Página, a turnê italiana contou com músicas engajadas de alguns ídolos da cantora. Entre elas, Podres Poderes, de Caetano Veloso, compositor por quem Maria Gadú cultiva especial admiração, a ponto de tatuar a primeira estrofe de O Quereres na perna esquerda e escrever a letra completa a caneta na porta que dá para a cozinha de sua casa no Rio.

Após o show, fui ao camarim da cantora, onde também estavam Milton Nascimento e Caetano Veloso à espera para cumprimentá-la pela magnífica apresentação. “Maria Gadú é o fenômeno popular de maior relevo entre os artistas da sua geração. Uma pessoa com grande vocação para a música. Quando a vi pela primeira vez, fiquei encantado. E escutar a sua voz foi um espetáculo!”, resumiu Caetano, que já admirava o trabalho da paulistana  antes mesmo de ela faturar o disco de platina com seu CD de estreia ou de receber duas indicações ao Grammy Latino em 2010 nas categorias Revelação e Melhor Álbum Cantor/Compositor.

Eu disse a ela que tinha adorado o seu modo engajado e maduro de usar a arte em seus shows como instrumento de alerta e reflexão sem ficar pesado, de forma natural, e ela me repetiu com sua voz aveludada a frase que recitou antes de se despedir do palco, extraída da música Até Quando?, de Gabriel O Pensador: “Quando a gente muda, o mundo muda com a gente. A gente muda o mundo com a mudança da mente. Quando a mente muda, a gente anda pra frente. E quando a gente manda, ninguém manda na gente”.

Saí de lá com a sensação de ter presenciado o encontro de dois tempos, o passado e o presente, e de dois mundos, o Brasil e a Itália. Um encontro bem-sucedido e de cultura rica por ambas as partes, cada qual com o seu tesouro, traçando novas linhas de um futuro cada vez mais próximo: o da globalização, que enriquece culturalmente os povos, como já nos ensinou a história em vários períodos da humanidade, inclusive na época romana.




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