Não crescemos sem dor

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Miriam Gimenes

Dr. Rey se diz grato pela infância difícil. Foto: Nário Barbosa.

A Universidade de Harvard é considerada a melhor instituição educacional do mundo na avaliação do Instituto de Ensino Superior da Shanghai Jiao Tong University. Localizada em Massachussetts, nos Estados Unidos, a escola foi fundada em 1636 e formou nomes que mudaram os rumos da história mundial. Pelos seus bancos passaram John F. Kennedy, Franklin Roosevelt, Bill Gates, Marck Zuckerberg (o fundador do Facebook) e o atual presidente norte-americano, Barack Obama. Este último foi vizinho de classe do brasileiro Roberto Miguel Rey Júnior, mais conhecido como Doctor Rey. Aos 50 anos, este cirurgião plástico, que também integra a lista de alunos da instituição, garante que realizou um sonho de infância com a conquista do diploma e o anel símbolo da profissão que carrega no dedo. “Se você tem foco nos seus alvos, ao ponto do ridículo, o universo não pode bloquear a sua chegada a este objetivo”, sentencia. 

 
A concretização deste plano seria mais fácil se, como Rey mesmo diz, corresse em suas veias “sangue azul”. Contrariando esse e outros requisitos que garantiriam vaga na famigerada instituição, Robert Rey nasceu no Brasil, filho de uma faxineira gaúcha e de um ianque que fugiu dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial (1938-1945). Soma-se a isso o fato de a família ter se constituído no humilde bairro da Lapa, em São Paulo, e ser detentora de recursos para lá de escassos – o pai, ao invés de gastar o pouco que tinha em casa com a mulher e os quatro filhos, preferia dividir com as amantes. 
 
Em consequência deste cenário, Rey, que dormia em cima de uma mesa e sofria com as brigas constantes entre os pais, já começava a roubar pequenos estabelecimentos para conseguir roupa e comida. Quase foi preso. Apareceram, então, dois missionários mórmons norte-americanos que bateram na porta de sua casa para pregar o Evangelho. Ganharam rapidamente a confiança do patriarca e, por isso, sugeriram levar Rey, então com 12 anos, e a irmã dele aos Estados Unidos para que estudassem. Tempos depois, levariam as outras duas crianças que ficaram. 
 
Com o aval paterno, o garoto deixou o calor tropical e foi morar no frio Estado de Utah com uma família de missionários. Ao invés de gritos e lágrimas, o seu cenário passou a ser preenchido por livros, museus e espetáculos de teatro. A única contrapartida conferida a Rey era a de que encontrasse objetivo de vida. Mal sabiam eles que este ideal já havia sido traçado ainda em solo verde-amarelo. Quando criança, o ídolo nacional de Rey era o cirurgião plástico Ivo Pitanguy, o que o levava a crer que exerceria a mesma profissão quando adulto. “Ao sair do Brasil, já via (imaginava) a placa do meu Maserati (carro italiano que custa cerca de R$ 1 milhão). Antes de tudo isso acontecer na minha vida, eu sabia que ia para os Estados Unidos, que me formaria em Harvard e teria programas de televisão”, lembra com certa nostalgia.
 
Anos depois de chegar à Terra do Tio Sam, sua mãe – que por ser extremamente submissa não teve o poder de opinar sobre a decisão do pai – juntou dinheiro e mudou-se para lá. Trabalhando, conseguiu ajudar o filho a custear os estudos. Só que os problemas de Robert não foram estancados. Ele teve de lidar com o preconceito dos norte-americanos com latinos, o que exigia que fosse sempre o melhor. “Quando estava na escola de Medicina, colocava a foto de uma linda mulher (para manter-se acordado), mas isso só funciona até umas 2h30. Quando estava para dormir, meu ‘colega’ de quarto entrava e me dava um tapa na cara. Eu ficava com tanta raiva que estudava até as 5h. Tive de lutar mesmo (para conseguir algo) e foi a raiva que me ajudou. Nós não crescemos sem dor”, sentencia. 
 
Mas Rey não lamenta sua história. Em seu deficiente português com sotaque norte-americano, diz-se agradecido pela infância difícil. Não fosse isso, não teria ingressado em Harvard; não conseguiria abrir seu primeiro consultório em Beverly Hills; jamais moraria em uma mansão em Los Angeles – onde é vizinho de Demi Moore –; não seria um dos cirurgiões mais requisitados dos Estados Unidos e, enfim, não teria comprado o seu almejado Maserati. Rey já revelou que arrecada cerca de US$ 100 milhões por ano provenientes do salário como apresentador de TV, dos produtos licenciados com seu nome e das cirurgias plásticas realizadas independentemente da posição social da paciente: diz que atende desde babá até princesas europeias, mas não revela nomes por ética médica. Impossível é palavra que não existe em seu vocabulário, em nenhum idioma. 
 
SEM CASTAS
Dr. Hollywood, como ficou conhecido no Brasil, estreou na televisão com o reality show Dr. 90210 (CEP de seu consultório em Beverly Hills), do canal E! Entertainment. Recebeu o convite após operar os seios de uma produtora do canal e acabou fazendo com que o programa fosse sucesso de audiência nos Estados Unidos. O segredo para tanta popularidade, segundo o cirurgião, é a fácil mobilidade com que transita da classe A à D. “Esses ricaços são importantes para a economia mundial, mas não entendem nada sobre a classe D. Eles nunca conviveram com os pobres, mas eu fui desta classe, sei o que ela quer”, explica. 
Por ter galgado um degrau de cada vez até virar milionário, Rey afirma saber conversar com pessoas das mais diversas realidades. “Sou grato pela minha origem.” O programa veio ao Brasil em 2007 e só assim tornou-se conhecido em sua terra natal. 
Só que o sucesso que obteve aqui à época não é o mesmo que pode ser visto em sua atual empreitada, no programa Sexo a 3, da Rede TV!. A audiência é baixíssima e as brincadeiras com teor sexual do apresentador têm sido criticadas. Rey, pouco antes de estreá-lo, disse que usa da descontração, da stand-up comedy, para ensinar medicina às pessoas e, às vezes, não é compreendido. “O que descobri muito cedo é que era cômico, muito antes de ir para a escola de Medicina. Descobri também que posso ensinar muita ciência usando de humor e falando sobre sensualidade”, justifica-se. Há a possibilidade de a emissora tirar o programa do ar, tamanha rejeição.
O cirurgião diz que a alegria é uma escolha e, mesmo depois de tantos problemas que passou na


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