Marina Silva e o legado que virou moda

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Sérgio Vieira

Ex-ministra Marina Silva está cada vez mais em evidência
Se alguém achou que o discurso adotado na campanha presidencial de 2010, que atraiu quase 20 milhões de eleitores, cairia no esquecimento, enganou-se redondamente. Ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula, Marina Silva está cada vez mais em evidência. Uma das maiores lideranças mundiais no tema, tem sido voz importante na luta por um Código Florestal realmente eficiente. Ainda assim, adota humildade, ao dizer que esta briga deve ser de ‘qualquer um’. Empenhada em debater a política ambiental pelo Brasil inteiro, em espécie de caravanas, Marina diz que ainda não sabe se disputará novamente o Planalto em 2014. “Não quero ficar na cadeira cativa de candidata. Espero estar onde puder contribuir mais”. A mulher de voz mansa, com até aparência frágil, mas de uma força fenomenal recebeu a equipe da Dia-a-Dia em Brasília, onde mora, justamente no dia em que a presidente Dilma anunciou o veto parcial do polêmico código, o que, segundo Marina, é insuficiente.  Para ela, seus votos são um legado e não espólio. “O espólio pode ser apropriado por poucos, mas o legado por muitos”.
 
DIA-A-DIA – Qual a sua análise do veto parcial do Código Florestal feito pela presidente Dilma?
MARINA SILVA – Para resolver o problema criado pela Câmara e pelo Senado, que reduz a proteção das florestas, anistia desmatadores e abre um precedente terrível de desconstrução de toda governança ambiental brasileira, só com o veto integral. Vetos periféricos não resolvem o problema. A presidente se comprometeu a vetar todo artigo que signifique aumento do desmatamento e anistia dos desmatadores. Isso significaria vetar todo o projeto. É importante que se tenha uma solução que leve a um projeto de lei da sociedade brasileira para salvar os interesses estratégicos da proteção e do uso sustentável das florestas, da agricultura que respeita o meio ambiente. A sociedade não quer essa lei. Mais de 80% não querem essa lei e o Congresso está em descompasso com a sociedade. Este é o pensamento de apenas de uma parte de um setor. Digo que é de uma parte porque o agronegócio não está integralmente favorável a essa posição. Existem entidades do setor que têm visão estratégica e não imediatista da questão. Dessa forma, a presidente estava duplamente respaldada para vetar o projeto, já que em 2010 ela antecipou que vetaria. Quem votou nela sabia que ela tinha feito esse compromisso. O veto, longe de ser atitude de desrespeito com o Congresso, é a chance de reabrir o debate. Hoje temos estudos que dizem que se tivermos continuidade do aumento da temperatura, das dez culturas que temos mais importantes do País, só duas não serão afetadas e mesmo assim teríamos de mudar o plantio da mandioca para o Rio Grande do Sul. Se destruírmos a Amazônia, o Sul, Sudeste e Centro-Oeste se transformarão em deserto e se isso acontecer é a maior lástima para a agricultura brasileira. 
 
DIA-A-DIA – Qual a razão para o fato de a maior parte do setor do agronegócio encarar a questão ambiental como inimiga? 
MARINA – Não sei. Sei  o porquê de o meio ambiente ser amigo do desenvolvimento. Não há como ter desenvolvimento sem suas bases naturais, sem os serviços ambientais que a natureza presta. É inadmissível produzir uma cabeça de gado por hectare, quando na Argentina se produz três cabeças de gado por hectare. É inadmissível produzir um emprego para cada 400 hectares, quando a Embrapa já tem tecnologia que nos permite produzir um emprego a cada 80 hectares. É inadmissível que tenhamos cerca de 150 milhões de hectares destinados a uma pecuária de baixa produtividade, quando se dobrarmos a nossa produção nós poderemos liberar cerca de 17 milhões de hectares para a produção agrícola. É isso que não dá para entender. Não sei porque eles acham que deva manter isso. Mas eu sei porque devemos mudar, porque o Brasil tem todas as condições de ser uma potência ambiental, agrícola, pelas decisões políticas e pelos investimentos certos em tecnologia e conhecimento para que se resolva questão estrutural da agricultura. 
 
DIA-A-DIA – Mandar para a presidente Dilma um projeto de lei deste tipo, com tamanha repercussão negativa, não foi um tiro no pé dos parlamentares?
MARINA – Houve negligência da base do governo, que deu um cheque em branco para que a bancada ruralista dirigisse o processo. Concentrou o projeto na mão do Aldo Rebelo (PCdoB, atual ministro do Esporte) na Câmara e Luiz Henrique (PMDB) no Senado. Não foi um cochilo. O governo é muito atento. Acho que foi a falta de compreensão estratégica de que o problema deveria ter sido resolvido à altura da responsabilidade que o Brasil tem. 
 
DIA-A-DIA – O surgimento da campanha Veta, Dilma! demonstra que valeu a pena o fato de a senhora ter colocado o assunto em pauta na eleição presidencial?
MARINA – Eu dizia, logo em seguida às eleições, quando as pessoas ficaram surpresas com o fato de termos conquistado quase 20 milhões de votos, que o meio ambiente e desenvolvimento sustentável são ideias cujo tempo chegou. E essas ideias só não prosperam quando não existem homens e mulheres comprometidos com esse tema. E o fato dessa mobilização estar em todos os setores da sociedade, transbordando as organizações socioambientais, é uma demonstração disso. Resta ao Congresso e ao Executivo se perfilar com sociedade para esta oportunidade. A presidente Dilma está recebendo um legado da sociedade brasileira, que está estendendo voluntariamente a mão para ela, dizendo que ela tem nosso apoio para liderar esse processo de mudança de modelo de desenvolvimento, de quebra de paradigma. E com a compreensão de que isso não é feito da noite para o dia, mas é preciso criar os passos. É preciso trabalhar para passar no teste e não mudar o teste. A mudança na legislação ambiental brasileira é uma atitude de mudar o teste em lugar de passar no teste. O retrocesso que estamos vendo ser patrocinado pela bancada ruralista é um dos piores desserviços pelos mais de 20 anos de progressivas conquistas na agenda socioambiental brasileira. 
 
DIA-A-DIA – A senhora foi ministra do Meio Ambiente durante cinco anos e meio no mandato do presidente Lula e saiu justamente por atritos com o setor agropecuári


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