Código Florestal ou político?

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Miriam Gimenes

Divergências entre ambientalistas e ruralistas atrasam decisões sobre preservação das florestas

O artigo 225 da Constituição Federal é bem claro: “Todos têm direito a meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Esta deveria ser a cartilha rezada pelo Congresso Nacional ao discutir leis que exigem a preservação de nossas riquezas naturais, como é o caso do Código Florestal, determinação que regulamenta a exploração de florestas e biomas no Brasil. Só que o que era para ser uma bandeira brasileira na Rio+20 (Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável) pode tornar-se simples flâmula perante as outras nações. É que, antes de tudo, estão em jogo os interesses das bancadas parlamentares que, ao invés de prezar pelo teor florestal da lei, preferem apegar-se aos pormenores políticos e pessoais.

Explica-se: o presente texto do Código Florestal foi criado em 1965. De lá para cá, muita coisa mudou e a lei clamava por adaptações consideráveis – já que o que foi feito até hoje serviu apenas para estancar problemas pontuais. Foi por isso que, no ano passado, o então deputado federal e relator do texto Aldo Rebelo (PCdoB) apresentou sua versão final de alterações. Desde então, embora aprovado, as polêmicas começaram a surgir, até porque a base aliada do governo acrescentou três emendas que não foram bem-vistas pela presidente Dilma Rousseff. Uma delas anistiava produtores que tenham desmatado áreas de reserva legal (mata nativa) até 2008. A outra concedeu a possibilidade de Estados e municípios estipularem regras para definir as APPs (Áreas de Preservação Permanente). E a terceira permitiu a manutenção de atividades já consolidadas em APPs, como o plantio de café, por exemplo.

Essas alterações representaram uma derrota para a presidente. Em sua campanha eleitoral, Dilma assumiu o compromisso de ter tolerância zero com o desmatamento em qualquer bioma e prometeu incentivar o reflorestamento em áreas degradadas. Com o novo projeto, quem desmatou até quatro anos atrás não teria mais a obrigatoriedade de fazer o reflorestamento e todos aqueles que ocuparam as APPs – áreas responsáveis por preservar a água, fauna e flora, e vulneráveis a deslizamentos, enchentes e inundações – não teriam mais de desocupá-las.

O código foi para o Senado e, no fim de 2011, após seis horas de discussão, parlamentares aprovaram o novo texto, sob tutela do senador Jorge Viana (PT), com algumas alterações. A principal delas é a fixação de faixas obrigatórias de mata ciliar a ser reflorestada nas margens dos rios (15 metros para os mais estreitos e até 100 metros para os mais largos). Ficou determinado também que os proprietários rurais teriam de fazer o CAR (Cadastro Ambiental Rural) de suas terras para que o governo monitorasse novos desmatamentos. O projeto agradou aos ruralistas e irritou os ambientalistas porque permitiu a continuação de atividades econômicas em zonas ecologicamente sensíveis.

A lei voltou há pouco para discussão na Câmara e, mais uma vez, o entrave foi forte. O texto base do projeto do Senado foi aprovado pelos deputados (com 274 votos favoráveis, 184 contra e algumas abstenções), tendo 21 alterações capitaneadas pelo relator e deputado Paulo Piau (PMDB). Reafirmou-se, portanto, a transferência para os Estados da responsabilidade pelas regras de reflorestamento nas margens de rios com mais de dez metros de largura, o que poderia gerar confusão no momento da aplicação da lei. As áreas que não são recuperadas estão fadadas à erosão e à interrupção do ciclo da água. Também ficaria proibida a divulgação do Cadastro Ambiental Rural que mostra o tamanho das propriedades. Sem esta informação, não dá para fiscalizar se a legislação está sendo cumprida. Piau retirou também o trecho da lei que determinava que as devastações feitas em APP, se localizada em Unidade de Conservação (Área de Proteção Ambiental), deveriam ser recuperadas.

Dadas as alterações, vamos aos fatos: informações de bastidores dão conta de que o PMDB (base de sustentação do governo) estaria usando este novo texto do código, que desagradou a presidente, como moeda de troca para conseguir o apoio de ruralistas à candidatura do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB) à presidência da Câmara. O mesmo, líder do partido, seria peça fundamental em uma possível futura candidatura à Presidência do atual vice Michel Temer.

Coube à presidente colocar panos quentes no imbróglio: Dilma vetou parcialmente as mudanças – reprovou 12 artigos e alterou 32 – e encontrou, mesmo que temporariamente, um meio-termo nos interesses políticos das bancadas. Das alterações, 14 recuperam o texto do Senado, cinco são novas e 13 se ajustam ao conteúdo. Mas a novela continua: tanto os vetos quanto as alterações têm de ser analisados novamente pelo Congresso, que dificilmente chegará a uma opinião uníssona sobre o assunto.
O que deveria ser levado em consideração no impasse entre ruralistas e ambientalistas, conforme pede a Constituição, é o apreço pelo bem-estar das “presentes e futuras gerações”. Caso contrário, a denominação da polêmica lei não deveria ser Código Florestal, mas sim Político. “O Código Florestal não será o sonho dos ruralistas”, avisou Dilma em um de seus discursos sobre o tema. Mas também pode não ser o fim. Só o tempo dirá.

CONSIDERAÇÕES RURALISTAS
O relator Paulo Piau confirma que Henrique Eduardo Alves é pré-candidato à presidência da Câmara, mas nega que o pleito tenha algo a ver com alterações defendidas por ele no texto. Em suas palavras, os ambientalistas estão utilizando “tática de guerrilha” para rebater as emendas ao código, que na sua visão são essenciais para o desenvolvimento do mercado brasileiro. “A lei atual criminaliza 90% dos produtores brasileiros e isso é irracional”, justifica o deputado. Piau diz isso porque, segundo a lei atual, as propriedades que não cultivam as faixas de APPs obrigatórias e de Reserva Le



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