Mais que mães

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Raquel de Medeiros

Ser mãe é mais do que dar vida a uma pessoa. É zelar pela existência de um outro alguém com carinho, amor e dedicação. Há mães, no entanto, que fazem mais. Dulcinéia e Vilma são mulheres que se colocam em segundo plano e doam a vida para as filhas, fazendo das dificuldades uma maneira de se aproximarem ainda mais. Sem reclamar, acordam cedo, acompanham as garotas nas aulas e as ajudam a encarar as limitações do cotidiano, em uma incansável rotina de superação, dia após dia. Tudo o que essas mães querem é que suas meninas sejam felizes.
 
Márcia e Flávia são mãe e filha e companheiras de vida 
MAIS DO QUE ESPECIAL
 
Márcia Regina Alvanese da Silva, 52 anos, tem duas filhas: Flávia, 23 anos, e Débora, 24. Para dar suporte à mais nova, que tem deficiência mental, ela abriu mão da cidade onde gostava de morar e trocou o sonho de virar professora para se tornar passadeira. “Era auxiliar de primeira infância. Mas minha Flávia precisava mais de mim. Fiquei perdida. Fazia biscuit, depilação e comecei a limpar casas. Hoje vou às clientes e passo roupa.”
Também saiu de São Caetano para viver em São Bernardo, onde Flávia conseguiria mais qualidade de vida. “Aqui havia muito mais recursos.” 
 
Até os 18 anos, Márcia levava a filha todos os dias para estudar em escolas especiais da cidade. Depois, para que não ficasse ociosa e pudesse aprender mais, a solução foi matriculá-la no EJA (Educação de Jovens e Adultos). A ideia, no entanto, não durou muito tempo. “Não sei se aconteceu algo na escola ou se é porque os professores sempre mudavam, mas a Flávia começou a não querer ir mais.”
 
Com persistência de mãe, Márcia encontrou alternativa. O plano B foi pedir ajuda à filha mais velha, Débora, que é formada em pedagogia. “Eu precisava ajudar a Flávia de alguma maneira. Acho importante para o futuro dela que saiba ler. Um livro é companheiro, faz a gente aprender.” É com o apoio de toda a família que Flávia continua aprendendo. Hoje é a irmã que a ajuda a estudar. Márcia acredita que ficará mais tranquila quando a filha conseguir ler e compreender mais palavras. “A maior dificuldade dela é interpretar, mas ela decora muito. Acho que se vira sozinha sim, mas tenho medo de acontecer alguma coisa.”
Flávia não só se vira sozinha, como já começou a dar grandes passos. Depois de tantos incentivos da família, Márcia diz com orgulho que observou evoluções da filha. Foi só a mãe ficar doente, por exemplo, para que a garota tomasse a iniciativa de ir sozinha às aulas na Avape (Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência). 
 
E Flávia revela vários talentos, apesar das limitações. “Ela gosta muito de música e de dançar.” Do jeito dela, também ajuda a família: é a grande parceira de Márcia, para todas as horas. “Deus sabe das coisas, porque hoje ela é minha grande companheira. Não vem me abraçar, mas é carinhosa comigo. Vamos para a igreja juntas, ela canta do jeito dela. As pessoas olham e ela não está nem aí.” E Márcia finaliza emocionada: “Flávia é tudo. Tenho muito amor pela minha filha.”
 
Dulcinéia dedica todo o seu tempo para cuidar da filha
SEMPRE POR PERTO
 
Dulcinéia Maia Roza, 34 anos, mudou-se para São Bernardo no fim do ano passado. A filha Giovana, 6, apesar da pouca idade, há três anos convive com a diabete. Além de ter de receber alimentação controlada e injeção de insulina todos os dias, ainda convive com a dificuldade de encontrar escola adequada, com funcionários capacitados para cuidar da sua saúde, que é frágil.
 
Ainda no interior de São Paulo, em Marisol, Giovana sofria as consequências de uma doença mal controlada. Como a filha era muito pequena e os professores e coordenadores não acompanhavam o dia a dia da aluna, frequentemente Dulcinéia encontrava Giovana a ponto de desmaiar na escola. “Só me avisavam quando ela já estava muito mal. As escolas não estão preparadas para cuidar de uma criança com diabete. Então, eu ia todos os dias para fazer teste nela, porque é muito pequena, não sabe aplicar a própria insulina.”
Vida pessoal Dulcinéia não tem. Vive 24 horas para cuidar da filha. Fica com celular na mão o dia todo, ligado, pronta para correr ao encontro de Giovana assim que precisar. O lanche é ela quem prepara, porque a instituição de ensino só oferece suco diet. A mãe tem de contar os carboidratos que a menina come a cada refeição para calcular o tanto de insulina que vai receber e também fazer testes de glicose, inclusive de madrugada. “Parei de trabalhar, não durmo direito. Acordo de madrugada para verificar se está tudo bem. Isso desgasta muito.”
 
Para tentar proteger a filha, a mãe chegou até a fazer apostila explicando o que era diabete e todas as instruções que deveriam ser seguidas caso Giovana apresentasse os sintomas de hipoglicemia ou hiperglicemia. “Hoje fico mais tranquila, não porque está em uma escola preparada, mas por causa da professora, que é muito dedicada e me ajuda.”
Em um dos passeios organizados pela escola, em São Bernardo, Dulcinéia foi junto. Giovana sentiu vergonha por ter de levar a mãe a tiracolo, mas essa foi a única maneira de obter autorização da escola para acompanhar os colegas em uma experiência diferente. 
 
Dulcinéia acredita que tudo vale a pena. “Faço o máximo para ela não se sentir diferente. Creio que nada acontece por acaso. Passamos por muitas coisas juntas e ela ficou muito apegada a mim. Tem hora que eu desmonto longe dela e dias em que não aguento falar de diabete, mas faço qualquer sacrifício por ela.”