O novo malandro

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Raquel de Medeiros

Marcelo Faria se sente a vontade nu nos palcos
“O malandro para valer não espalha, aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal. Dizem as más línguas que ele até trabalha. Mora lá longe e chacoalha no trem da central.” A letra de Chico Buarque, que descreve o boêmio moderno, retrata bem Marcelo Faria. O ator, que se autodenomina um ‘malandro do bem’, é exatamente o oposto do descrito pelo compositor Wilson Batista em 1933, no samba Lenço no Pescoço: “Meu chapéu do lado, tamanco arrastando, lenço no pescoço, navalha no bolso. Eu passo gingando, provoco e desafio, tenho orgulho em ser tão vadio. Sei que eles falam deste meu proceder. Eu vejo quem trabalha andar no miserê.” Marcelo arregaça as mangas na hora de exercer o ofício. É  malandro na pinta de sedutor, no corpo bronzeado e nos fins de semana na praia, mas não tem medo da labuta. Pelo contrário: a coragem de encarar trabalhos e desafios é uma das características que o tio, o cineasta Roberto Farias, mais admira nele. “Marcelo tem garra, tem imaginação e coragem. É um bom ator. Aliás, começou comigo.”
 
Roberto acredita que Marcelo puxou as características do pai, o ator Reginaldo Faria. “Como o Reginaldo, Marcelo sempre teve esse talento. Interpretar para ele é uma coisa natural. Não me esqueço de um Você Decide que fiz com ele. O Marcelo interpretava um bandido. Para tornar seu personagem diferente dos outros, porque não era um papel grande, pedi a ele que atuasse um tom acima, com ar de louco. Ele foi tão bem que logo em seguida conseguiu um contrato na Globo.”
 
Os diversos convites para viver personagens com pouca roupa nas telinhas, como o residente Ralado em Quatro Por Quatro (1994), o trapezista Ivan em O Amor Está no Ar (1997) e o bombeiro Vladimir em Celebridade (2003) fizeram com que ganhasse fama de conquistador. E ele transforma essa imagem em mais personagens. O sedutor Vadinho, de Jorge Amado, por exemplo, é seu novo objeto de dedicação. “Quando li o livro, me apaixonei pelo personagem, que é sensacional.” 
 
Para Marcelo, Vadinho conquista não só pela sensualidade, mas pela maneira como se coloca. “Na verdade é um grande vilão, um devasso, boêmio, grande jogador, bate na mulher, ele não é um galã. Mas se torna sensual porque tem um atrativo: é bom de cama. Também é bom de lábia e mulher gosta disso.” Viver Vadinho, portanto, é algo quase que natural, mesmo que tenha de ficar nu em cena. “Fico superconfortável em fazer um papel como esse porque, na verdade, quem está sem roupa é o Vadinho, não sou eu. Não sinto vergonha, estou vestido do meu personagem.”
 
Fazer um ensaio sensual, no entanto, não está nos planos de Marcelo. “Nunca posaria nu. Aqui é meu ofício, faz parte do personagem, está escrito no livro. Mas revista é outra vertente, seria o Marcelo Faria pelado e eu não tenho esse desejo de aparecer nu nem de  ganhar dinheiro com isso. Não é minha praia.”
A paixão pelo escritor baiano vem de longa data. O ator já havia participado da montagem de Roberto Bomtempo para Capitães de Areia em 1992. “Sou apaixonado por teatro e pelo Jorge Amado, que é um dos maiores autores da nossa literatura. Ele retrata bem o brasileiro de um modo geral.” 
 
Além do renomado autor, Marcelo sempre teve queda pela Bahia e por seu povo. Admiração que agora é multiplicada, já que sua mulher tem no sangue toda a pimenta do tempero baiano. Mas nada de malemolência no andar desse malandro atual. Para conseguir viver o sedutor de Dona Flor e seus dois Maridos, Marcelo não esperou convite e se arriscou na produção do próprio espetáculo, que envolveu captação de recursos, escolha de elenco, elaboração de cenário e figurino, entre outras coisas, além da dedicação total ao personagem. 
 
DA DRAMATURGIA À VIDA REAL
 
A fama de galanteador, coincidentemente ou não, se misturou à vida real. Entre encontros e namoros, o próprio Marcelo admite que quando mais novo era difícil estar ao lado de uma única pessoa. “Acho que não era maduro e não estava preparado para um relacionamento, um casamento.” 
 
O ator sentia dificuldade também de definir se a pessoa que estava ao lado gostava dele pelo que era ou pela fama que tinha. Sendo assim, relacionar-se com colegas de trama foi uma alternativa inteligente e, às vezes, irresistível. “Acho que é o convívio no trabalho, mas em qualquer lugar acontece, não só no teatro ou na televisão. Em um jornal, banco, empresa grande acontecem relacionamentos. Não é porque tem a cena ou porque beija na boca.” E isso se repetiu algumas vezes com as atrizes Deborah Secco, Isis Valverde e, há pouco tempo, com a mulher, Camila Lucciola. “Era produtor de Zorro e a Camila participava como atriz. Eu não atuava e, no entanto, a gente casou.”
 
Camila lida bem com assédio e com cenas picantes, como ver o marido completamente sem roupas no palco para uma plateia de centenas de pessoas. “Ela é atriz. Se um dia tiver cena com outro homem, eu vou ter de aceitar também. É normal, faz parte do nosso trabalho.” Para fortalecer o relacionamento – que tem de sobreviver às inúmeras ausências e viagens , Marcelo carrega consigo filha e mulher sempre que pode. Durante a temporada da peça em São Paulo, por exemplo, as duas acompanharão o ator. “Viagem é normal, faz parte do meu trabalho, mas fico com saudade.” 
 
No dia a dia, dá para ter vida normal. “Acordo todo dia de manhã com minha filha, levo ela na escolinha, saio com minha mulher.” Quem vai ao supermercado é o próprio Marcelo.  “Em casa eu que vou ao mercado, à feira, eu que faço tudo.” Quem ganha o título de chef da casa também é ele, que se gaba pelos dons culinários. “Modéstia à parte, sou bom. Há tantas coisas que gosto de fazer, mas faço muito uma massinha com peixe e camarão que a minha mulher adora, e um molho vermelho.”
 
PAIS E FILHOS
 


Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados