Diferentes são iguais

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Miriam Gimenes

Albert Eistein não demonstrava sua genialidade apenas em questões científicas. O físico alemão também dissertava com maestria sobre outros assuntos de sua época. Contemporâneo de acontecimentos cujos gritos ecoam ainda hoje na história da humanidade, foi crítico ferrenho de atos discriminatórios, inclusive aquele do qual também foi vítima: o nazismo. Einstein era judeu. Assim que Adolf Hitler assumiu o poder, o cientista teve de deixar seu país para nunca mais voltar. E usou de um elemento próximo de sua realidade para definir a situação. “É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.” Detalhe: o átomo é tão pequeno (a exemplo, uma cabeça de alfinete tem 60 milhões deles) que seu nome significa indivisível em grego. 
 
O nazismo, que abominava não só os judeus, como também homossexuais, negros e até testemunhas de Jeová, foi derrotado durante a Segunda Guerra Mundial. Passaram-se décadas, algumas leis contra atos de discriminação foram sancionadas, mas pouca coisa mudou. Pelo menos uma vez ao dia, ouvimos notícias que nos fazem lembrar o quão cruel pode ser a raça humana. E o preconceito está presente em toda parte. Recentemente, um adolescente passou a sofrer bullying pelos colegas de classe em uma escola de São Bernardo porque a professora, evangélica, usava os primeiros 20 minutos de aula para pregar a Bíblia e orar. Adepto do candomblé, ele se recusou a participar da pregação e virou vítima de intolerância religiosa. 
 
Na esfera nacional também não faltam exemplos. Há três meses, o jogador de vôlei Wallace Souza, do Cruzeiro, foi chamado de macaco por uma torcedora do Minas durante  partida da Superliga. O GGB (Grupo Gay da Bahia) constatou que o número de homossexuais assassinados no País foi recorde em 2011. E em Curitiba, uma dupla foi presa em março porque mantinha site que incitava o racismo contra negros e nordestinos, defendia a pedofilia e tratava as mulheres como um mero ‘pedaço de carne’. 
Se puxarmos na memória, essas situações contemporâneas foram precedidas por iniciativas semelhantes. Vide a escravidão abolida no Brasil no dia 13 de maio de 1888, mas que até hoje ecoa em território verde-amarelo; o apartheid (regime de segregação racial na África que se estendeu de 1948 a 1994) e o já citado nazismo. Na carona da crise econômica, a xenofobia e o antissemitismo vêm ganhando força na Europa e, vez ou outra, incitam adeptos que, para defender a ideologia do führer alemão, cometem atentados como o genocídio do ano passado em Oslo, na Noruega, e o recente caso de Toulouse, na França, onde três crianças e um funcionário de uma escola judaica foram mortos, vítimas de um ideal sem razão.
 
Mas, afinal, há cura para o preconceito? Em busca dessa resposta, a Dia-a-Dia Revista conversou com especialistas, defensores dos direitos humanos e pessoas que sofreram na pele a discriminação e hoje utilizam desta triste experiência para lutar pela igualdade. Eles mostram que, se não tem cura, o preconceito pelo menos pode ser combatido por meio da educação, do exemplo e da justiça. Afinal, como determina a Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada em 1948, “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos; são dotadas de razão e consciência e devem agir em relação às outras com espírito de fraternidade.” Fica a dica. 
 
SENTINDO NA PELE
 
Reza a lenda indígena que a origem humana aconteceu a partir de uma experiência divina. Deus decidiu confeccionar três bonecos de barro e os colocou para assar em um forno. Ansioso, tirou o primeiro deles antes do tempo e o boneco ficou com aspecto pálido, sem vida. Não gostou do resultado e só retirou o segundo quando achou que atingira o tom ideal. Gostou tanto que esqueceu do terceiro. Quando viu, ele já estava queimado. Nasceu assim o branco, o índio e o negro, respectivamente. Por terem agradado tanto ao Pai, os índios se intitularam a raça perfeita, a mais bonita e ideal. 
Considerando a autoestima desenvolvida pelos índios por conta da lenda, a concepção primitiva pode até ser benéfica. Mas seria preocupante se eles passassem a desqualificar as características dos outros dois gêneros raciais para se sobressair. É justamente aí que entra o preconceito: quando segrega aqueles que são diferentes ou ‘estranhos’, fazendo com que eles se sintam inferiores. 
 
A professora de antropologia Irene Maria Ferreira Barbosa, da Escola de Política e Sociologia, estudou o assunto na sua tese de doutorado, que acabou resultando no livro Enfrentando Preconceitos: Um Estudo da Escola Como Estratégia de Superação de Desigualdades. Segundo a especialista, todas as características que não se encaixam dentro de um padrão de moda são rechaçadas, marginalizadas perante a sociedade. 
Para que os casos citados há pouco não sejam mais noticiados, Irene sugere que  o trabalho de conscientização seja iniciado o quanto antes, principalmente dentro de casa. “Ninguém nasce preconceituoso. Se na família as marcas da discriminação são nítidas, com piadas que desqualificam o outro, esses valores culturais são passados para as crianças”, analisa. Por isso é tão difícil fazer um adulto preconceituoso mudar de ideia.
 
O coordenador do observatório de educação em Direitos Humanos e do Núcleo pela Tolerância da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Clodoaldo Meneghello completa o raciocínio da professora e compara o humano a uma semente. “Ele não nasce pronto. Tem de regar e se transformar em árvore”, analisa. Por isso, se a planta recebe cuidados negativos ao longo da vida, pode melhorar e tornar-se uma árvore bela e frutífera. Ele lembra que há pelo menos 50 anos, a educação era a da identidade, com o lema ‘ame seus semelhantes’. Para a sociedade contemporânea, a educação tem de ser focada na diversidade. “Se a criança experimentar comidas diferentes, sucos inusitados, vai crescer uma pessoa que não estará presa a padrões.” Ainda há esperança. As novas gerações podem ser as responsáveis por exterminar, de vez, o preconceito.
 
MINHA VIDA É UM ETERNO RECOMEÇO
 


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Luislinda Vallois sempre lutou contra o preconceito