Sabor da terra

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Miriam Gimenes

Celso Luiz
Paulo Barros é responsável pela cozinha do Italy e Girarrosto

O coração do restaurante pulsa dentro de um forno à lenha giratório importado da Itália. Conhecido como girarrosto, o aparelho – que dá nome ao espaço e assa de maneira peculiar as especialidades do menu – simboliza a força motriz que sustenta o sonho do chef Paulo Barroso de Barros, 39 anos. Inaugurado há quase dois meses, o empreendimento, mantido em sociedade com Paulo Kress, reúne o que o mestre-cuca aprendeu em quase duas décadas na cozinha e tem como premissa valorizar a ‘comida da terra’, como ele mesmo diz. Embora novo, o Girarrosto já faz parte da lista de points gastronômicos da Capital. Resultado de muito trabalho.

Foram dois anos até que este ‘filho’ nascesse. Para que o espaço de 1.200 m² ficasse pronto – na Avenida Cidade Jardim, local onde antes funcionava o restaurante Pandoro, tradicional reduto da boemia paulistana –, foram investidos R$ 10 milhões, dinheiro que deve ser recuperado em sete anos. Do ‘antecessor’ ficaram apenas as fotos nas paredes e o bar, onde é servido o histórico drinque Caju Amigo. “O Girarrosto tem tudo que um dia sonhei em um restaurante”, resume Paulo. Em outras palavras, é a concretização de um destino que começou a ser desenhado ainda na adolescência, meio sem querer.

Sua aproximação com o mundo gastronômico aconteceu quando o pai de Paulo, Luiz Antonio de Barros, casou-se com Paula, filha de Zopito Casalena, dono da Cantina Roma, que funcionava desde 1954 em Higienópolis. O garoto, então com 12 anos, começou a frequentar a cozinha do restaurante e a observar o trabalho dos profissionais à frente das panelas. Vez por outra, anotava alguma receita e a arriscava em casa. Naquela fase, queria mostrar que conseguia fazer algo, nem que fosse apenas um prato de nhoque.

Três anos depois, Paulo relaxou nos estudos e soube, ainda em agosto, que teria de repetir o ano letivo. O pai, bravo, prometeu-lhe castigo. “Ele falou: ‘Você vai trabalhar, buscar alguma coisa, ou morar com seus amigos. Não quero você aqui em casa durante cinco meses sem fazer nada’.” Foi o empurrão que precisava. Como já tinha certo namoro com a gastronomia, não pensou duas vezes e foi procurar estágio. Era uma época rica, em que grandes chefs já atuavam em São Paulo, entre eles o italiano Luciano Boseggia e os franceses Emmanuel Bassoleil e Laurent Suaudeau.

O primeiro que Paulo procurou foi Laurent. Não obteve êxito. O garoto surfista, de cabelos compridos, não estava estudando e este era quesito básico para quem quisesse integrar a equipe do francês, que tempos depois viria a ser um de seus grandes mestres. Conseguiu, então, estágio com Emmanuel, com quem teve a oportunidade de trabalhar durante seis meses. Aprendeu de tudo um pouco – desde descascar alho até a preparação de um prato. E essa aproximação com a rotina da cozinha marcaria toda sua vida.

Voltou para a escola e chegou a cogitar fazer administração ou economia. Mas só até ver em um jornal que haveria no Brasil um curso de gastronomia, de dois anos, em Águas de São Pedro – fato inédito, já que os cursos eram superficiais e duravam, no máximo, um semestre. Fez a matrícula e, ao fim do curso, tornou-se cozinheiro Chef Internacional pelo Senac.

De diploma em punho, o garoto, outrora apenas surfista, ganhou o mundo. Trabalhou em restaurantes renomados na Europa e comandou a cozinha do Baraboo, em Miami. “Comecei a realmente me tornar um profissional da cozinha. Não era mais uma vontade de moleque, mas a carreira que eu queria seguir.” O namorico de infância tornou-se casamento. E seu pai sente-se muito orgulhoso disso.

EM CADA DEGRAU, UMA HISTÓRIA
Em 2005, dez anos depois de iniciar sua carreira gastronômica, Paulo foi eleito chef revelação por uma publicação de São Paulo. À época era sócio de Ida Maria Frank no Due Cuochi Cucina, localizado no Itaim, parceria encerrada no ano passado. Mas Paulo é low profile: não se preocupa com títulos. Lembra que, para chegar a mestre-cuca, tem de trabalhar muito. “A palavra chef está banalizada. Todo mundo é. Chef não é uma profissão, a profissão é cozinheiro. Você se torna um chef com a experiência”, explica. E diz mais: tem muita gente que sai da faculdade pensando em ser chef para ganhar status de celebridade e aparecer em revista – uma bobagem aos seus olhos.

Muitos nem imaginam o que ele e outros chefs como Alex Atalla e Erick Jacquin passaram para chegar aonde estão. “Tem toda uma história lá para trás que as pessoas não sabem. Você tem de passar por isso. Não adianta sair de uma escola de gastronomia e achar que pode abrir um restaurante”, alerta. Para obter reconhecimento profissional, tem de reunir uma gama de experiências que sinalizarão qual caminho seguir. “Você tem de pegar o lado bom de tudo o que passou e formatar na cabeça. Assim cria seu conceito.” Conceito este que imprime atualmente no Italy (aberto no ano passado, na Oscar Freire) e no caçula Girarrosto.

Paulo diz que o restaurante reflete muito a personalidade dos donos. É uma junção de tudo o que o proprietário leu, conheceu durante viagens, conversou, se informou. No seu caso, isso pode ser visto nitidamente no Girarrosto. Como gosta muito de ler e pesquisar, buscou colocar nos quatro cantos do estabelecimento o que acredita ser ambiente ideal para desfrutar um bom prato ao melhor estilo toscano. A comida é despretensiosa – nem vanguardista, nem moderna –, os preços ficam no meio-termo (um prato de massa custa, em média, R$ 40), e tudo, absolutamente tudo, é feito na hora. O sabor torna-se, portanto, especial.

Até os pães, também fabricados no local, são fermentados de forma natural, sem o uso do ingrediente biológico. “Estou indo na contramão do que as pessoas hoje em dia fazem: os cozinheiros saem da escola de gastronomia com cozinha moderna. Mas ela tem de ser uma coisa da terra, saborosa. A gente está tentando resgatar esse conceito no Girarrosto.”
Paulo é tão preocupado em preservar o sabor das receitas que não se sente obrigado a ciceronear os clientes no salão. Não faz parte de seu perfil. “Se estou de doma (vestimenta de chef), tenho de estar na cozinha. O importante é a qualidade da comida.” Foi o ensinamento que seu pai passou e que segue à risca. “Ele sempre foi muito humilde nesse sentido, sempre trabalhou como um operário de cozinha propriamente dito”, analisa Luiz Antonio.




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