O faraó da tv

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Miriam Gimenes

João Miguel Jr/TV Globo/Divulgação
Crô iniciou como 'servo' e terminou como 'faraó' 

O sarcófago ainda cheira tinta fresca. Dado o pouco tempo em que foi construído – mais precisamente no dia 23, ao capítulo final de Fina Estampa – o túmulo do mais novo ‘rei’ da televisão brasileira Crodoaldo Valério tem cores fortes e inesquecíveis. Sim, porque em termos de personagens marcantes da história dos folhetins, será impossível esquecer o fiel e delicado mordomo Crô, figurinha que chegou meio sem querer e alegrou as noites dos telespectadores nos últimos sete meses. Deixou a simples condição de servo da ‘rainha do Nilo’ (a vilã Tereza Cristina, interpretada por Christiane Torloni), reinou soberano nas telas e virou uma espécie de faraó embalsamado por toda a eternidade da dramaturgia. Como não podia deixar de ser, o ator responsável por tal proeza, Marcelo Serrado, 45 anos, mostrou a que veio e, depois de idas e vindas da Rede Globo, escreveu em letras garrafais seu nome na calçada da fama das telenovelas. O nome disso? Maturidade.

Foram cinco anos fora da Rede Globo. A emissora flertou com ele algumas vezes durante esse período, mas Marcelo não tinha intenção de voltar tão logo. Tinha estabilidade na Rede Record, ganhou personagens de destaque e integrava o time de galãs da emissora. “O delegado Nogueira (Vidas Opostas, 2006) foi um grande sucesso da minha vida e acredito que o Aguinaldo (Silva) me chamou para fazer o Crô por causa dele. Ele fez o oposto do delegado para eu interpretar. Nós, atores, estamos em busca disso, de coisas que são totalmente díspares.” Embora receoso por nunca ter interpretado um gay, achou que era o personagem ideal para voltar à Globo.

O autor, por sua vez, disse ter escolhido Marcelo por identificar nele o poder de surpreender. Era isso o que queria causar com o mordomo. “Você faz com seus personagens o que o telespectador não espera”, confidenciou durante entrevista que fez com Serrado para o seu blog. E foi justamente o que Crô causou ao público: uma surpresa. Deliciosa surpresa. Com seu jeito cômico-melancólico, deixou de figurar – como nas cenas iniciais, quando aparecia com dois cães a tiracolo – para assumir o posto de protagonista do horário nobre e ter seus bordões – ‘congela’, ‘te mete’, ‘ai não, para’ – ecoados pelos quatro cantos do País.

Em suas palavras, o personagem é solar e levou alegria para as pessoas, fato nitidamente constatado. Reportagem recente do Fantástico mostrou a história da bióloga Ângela Pinheiro, que escreveu carta à emissora agradecendo a Marcelo porque encontrou no mordomo a alegria para superar as adversidades do câncer. Como tudo tem um ciclo, eis que o de Crô chegou ao fim, para tristeza geral. Mas o ’faraó’ continuará rendendo louros a Marcelo para sempre. Tanto que, por conta do personagem, o ator concorrerá, por indicação da Rede Globo, à categoria de melhor ator do Emmy, concedido pela Academia Internacional de Artes e Ciências Televisiva, que prestigia o melhor da televisão fora dos Estados Unidos. Ele disputará com Cauã Reymond e Bruno Gagliasso.

Por seu bom desempenho, também não terá férias: no próximo mês tira as roupas pintosas de Crô para vestir as do mulherengo e conquistador Tonico Bastos, de Gabriela. Seus fãs – que não são poucos – agradecem e o ator também. Sinal de que o bom filho encontrou o momento certo de voltar para casa.

CRESCER COM A EXPERIÊNCIA

Renato Rocha Miranda/TV Globo/Divulgação
Marcelo se inspirou em David Alvarez

O crescimento de Marcelo como ator foi gradativo. O doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana Mauro Alencar notou o desenvolvimento do carioca, que formou-se ator na CAL (Casa de Arte das Laranjeiras) em 1985 e estreou na televisão dois anos depois, na novela Corpo Santo, da TV Manchete. “Ao lembrarmos de papéis como Antonio (Pacto de Sangue, 1989), Humberto (O Dono do Mundo, 1991), Dr. Danilo (Quatro por Quatro, 1994) e César (Por Amor, 1997) até o atual sucesso com o Crô, observamos o quanto evoluiu utilizando-se de sutis recursos para compor os mais variados personagens que vem interpretando ao longo do tempo”, analisa.

Os ‘sutis recursos’ foram compilados neste seu último sucesso. O ator, que também tem consideráveis passagens no cinema – Malu de Bicicleta foi sua mais recente empreitada – e no teatro, diz que Crô foi um personagem montado como uma colcha de retalhos. Um dos pedaços foi tecido pelo amigo e cantor David Alvarez. Eles se conheceram pouco antes da novela, em um show do Seu Jorge, e iniciaram a amizade, tanto que David passou a cantar em sua peça Não Existe Mulher Difícil, atualmente em cartaz no Rio. “Ele me disse que faria um personagem gay e queria usar meu topete nele. Eu respondi: ‘Se joga!’ Nem tinha pensado que ia dar esse bafão todo.”

E não foi só o topete de David que inspirou Crô. Os trejeitos, acessórios e roupas também foram copiados do cantor. “Acho que ele (Marcelo) tinha noção de que seria um personagem popular, mas não tanto quanto foi. Estivemos em Salvador com a peça e foi um alvoroço só em cima dele”, lembra David. Em recente desfile de moda em São Paulo, esse furor pôde ser constatado. Durante entrevista, o ator parava para acenar às centenas de pessoas que gritavam o nome do personagem. “É impressionante a quantidade de crianças que amam o Crodoaldo. Às vezes vou pegar minha filha (Catarina, 7 anos) no colégio e vejo umas crianças fazendo o gesto do Crô. Isso é muito legal porque é reconhecimento”, comemora Marcelo.

Outra pessoa que acompanhou de perto o nascimento de Crô foi o preparador de elenco Sérgio Penna. Eles trabalharam juntos durante dois meses antes de Marcelo iniciar a encenação do mordomo. “O trabalho foi de estudo a partir da dramaturgia e de informações fornecidas pelo autor, complementadas por uma pesquisa através de filmes e documentários que pudessem servir de referência para a composição da personagem, incluindo depoimentos pessoais de amigos e anônimos que revelaram questões humanas, histórias de vida, sentimentos e emoções que seriam fundamen



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