Em nome do Pai

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Miriam Gimenes

Divulgação
Padre Alessandro escolheu vida religiosa aos 7 anos

Karol Wojtyla cumpriu com maestria sua missão. Desde que foi ordenado papa e nomeado João Paulo II, mostrou em pequenos gestos os ensinamentos de Jesus Cristo. Contrariando algumas regras da Igreja, fazia questão de tocar nas pessoas – o que levou muitos no Vaticano a torcer o nariz para suas atitudes –, visitou terras nunca pisadas por antecessores e aproximou a religião da juventude, sempre trajando sua batina remendada e calçados sem marca. Tinha como foco disseminar a paz e aproximar cada vez mais a Igreja Católica de seus fiéis. Não à toa, foi beatificado e é lembrado como um dos papas mais populares de todos os tempos.

Essa é a função do sacerdote, conforme determina o Antigo Testamento: ser um intermediário entre Deus e os humanos. “A divisão entre clero e laicato deve ser considerada apenas para fins de função, mas não como hierarquia”, acrescenta Luiz Carlos Ramos, doutor em Ciências da Religião e professor de Teologia na Universidade Metodista de São Paulo. Para exercer o sacerdócio e fazer essa ponte entre os mortais – iguais a ele – e a divindade, não importa sua origem, o modo como conduz a pregação ou se tem talentos diferentes de outros padres. O requisito é apenas cumprir a promessa que fez quando ordenado, de seguir os preceitos determinados pela doutrina e, é claro, defender os dogmas católicos.

Estudo recente da Fundação Getulio Vargas que traçou o mapa das religiões no País aponta que o número de apostólicos romanos caiu nos últimos anos. Enquanto, em 2003, 73,79% da população declaravam-se católicos, seis anos depois esse percentual foi para 68,43%, diferença resultante da pluralidade religiosa que teve início na década de 1960. A fim de reverter essa situação, arrebanhar dissidentes e conquistar novos fiéis, faz-se de tudo um pouco: há desde sacerdotes que entoam canções sertanejas com preceitos divinos até aqueles que expõem suas preferências esportivas e políticas no altar.

O próprio Padre Manoel da Nóbrega (1517-1570) usava músicas em suas missas para cultivar a evangelização. E a história está cheia de exemplos de clérigos que foram perseguidos por questionar preceitos ou inovar as formas de pregar a palavra de Deus. A pobreza absoluta defendida por São Francisco (1182-1226), por exemplo, não foi, de pronto, bem recebida pelo papa Inocêncio III, que o mandou pregá-la entre os porcos. No século 16, o sacerdote agostiniano e professor de Teologia alemão Martinho Lutero (1483-1546) contestou a prática da venda de indulgências (pagamento em troca do perdão dos pecados) e acabou excomungado pelo papa Leão X, tornando-se figura central da Reforma Protestante. E no Brasil, Padre Cícero chegou a ser acusado de embuste no episódio em que uma hóstia teria virado sangue na boca da fiel Maria de Araújo, em 1889. Na ocasião, o bispo dom Joaquim José Vieira solicitou ao Vaticano a excomunhão de Cícero e clausura da devota.

Atualmente, apesar do perfil pouco flexível do sumo pontífice Bento XVI, a tolerância tem sido defendida como boa alternativa para se evitar a debandada de fiéis para outras religiões. Àqueles que compõem a cúpula ortodoxa da Igreja e não aprovam os métodos nada convencionais de alguns padres, resta fazer vista grossa e deixar o barco andar. “Os casos considerados sérios são os que contradizem abertamente as normas da Igreja, como a prática de aborto, métodos contraceptivos e homossexualismo, bem como as questões de doutrina da fé”, explica o sociólogo da religião Paul Freston, professor catedrático na Balsillie School of International Affairs no Canadá e colaborador na Universidade Federal de São Carlos. O que importa, de fato, é seguir os dogmas pregados desde o século 4 e disseminá-los, cada qual ao seu modo, em nome do Pai.  

CHAPÉU E BOTAS, o SOM DE DEUS
Ele sobe no palco com seu inseparável chapéu de caubói. Uma legião de fãs o saúda e canta suas músicas, cujas letras estão na ponta da língua. O rapaz tem 29 anos, nasceu em Guaratinguetá, interior de São Paulo, é bonito e dispõe de carisma ímpar. A descrição cairia bem para qualquer cantor sertanejo da atualidade, não fosse um detalhe: trata-se de um padre. Com o bordão Seguuuura, Cristão!, Alessandro Campos acaba de lançar seu primeiro CD pela Universal Music, chamado O Homem Decepciona, Jesus Cristo Jamais!

Alessandro faz questão de ressaltar que a ideia inicial era apenas ser padre, cultivada desde os 7 anos de idade. Ela surgiu após ir a uma missa com a avó e se apaixonar pelos ritos, que passou a imitar em casa, trajando a camisola da avó e fazendo a Eucaristia com bolacha maria e suco de groselha.

A oportunidade de se diferenciar dos demais padres surgiu após convite da empresa Liga, a mesma que administra as carreiras de Preta Gil e Lulu Santos. Como o padre já havia gravado um CD demo incentivado pelos fiéis – só na paróquia, vendeu mais de 20 mil cópias –, resolveu pedir a autorização do bispo, que foi concedida. A escolha pelo ritmo sertanejo vem de família, já que desde pequeno se reunia com parentes do interior de Minas Gerais para cantar modas de viola. “Toda dupla sertaneja grava músicas falando de Deus, natureza, paz. Por que não me aproveitar dessa pedagogia e anunciar Jesus Cristo?”, pensou. Para tanto, teve de deixar de ser capelão do Exército, sair da paróquia que chefiava em Brasília e dedicar-se apenas às missas sertanejas ou shows de evangelização.

O padre admite sofrer assédio feminino, assim como já revelaram outros padres cantores (a exemplo de Marcelo Rossi e Fábio de Melo), mas tem absoluta certeza da escolha que fez aos 7 anos. “Quando um não quer, dois não brigam. Meu amor por Jesus e pela igreja é maior que qualquer tentação.” Com o dinheiro arrecadado com shows e vendas de CD, pretende iniciar o sonho de construir o santuário nacional dos sertanejos, em Brasília, que deverá ter o formato de um chapéu de caubói e capacidade para abrigar cerca de 30 mil pessoas.

Nário Barbosa
Padre Odair e a réplica palme


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