Samba, suor e folia

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Eduardo Chaves

Matilde Maria de Souza Barbosa, do Ocara Clube, em Santo André. Foto: Celso Luiz

Mais de 190 milhões de pessoas são filhas do samba. O Brasil é o país do gingado, do passo marcado nos pés descalços, da cadência ritmada da bateria e do pulmão explodindo ‘na maior felicidade...’. É ao samba que três mulheres do Grande ABC se entregaram para viver experiências de luta, dedicação e jornadas múltiplas de trabalho sem perder o rebolado. Afinal, o tempo urge e os sambódromos da região não podem esperar.

MELHOR IDADE

“Sempre gostei de samba e ponto. Desde que nasci, já sabia onde essa história ia parar.” É com voz embargada que a advogada andreense Matilde Maria de Souza Barbosa, 50 anos, narra a própria trajetória na sua escola do coração, o Ocara Clube, de Santo André, onde desfila como madrinha de bateria desde 2008. 

Quem só assiste à escola na avenida não imagina o suor e as lágrimas derramadas nos barracões. Quando aceitou o convite para representar a ala que dá ritmo à agremiação, Matilde tinha 46 anos e sentiu-se abraçada pela comunidade. “Não esperava. Foi o momento mais importante para mim nestes últimos anos”, diz a advogada, que desdobra-se entre as atividades do escritório e os compromissos de madrinha, que devem ser cumpridos sempre com sorriso no rosto e delicadeza nos gestos.

“Não importa o que você faz. Faça com amor. Para ser componente dentro da escola é preciso respirar aquele ar, sentir na mesma pulsação e mostrar que você dá o seu melhor”, pontua Matilde. Seu corpo é quem agradece. Segundo ela, os ensaios constituem ótimo exercício e garantem resistência na avenida. Mas uma receita especial, feita pela mãe, inclui polenta temperada e clara de ovo.

Matilde diz não ter tempo para preparar a própria fantasia e deixa isso aos cuidados de uma costureira de confiança. No entanto, no primeiro ano que representava o Ocara, sua alegoria ficou pronta somente minutos antes de entrar na passarela. 

Quando questionada sobre a hora de passar o cedro, Matilde não desconversa: “Falar que estou preparada para sair é sempre delicado. Embora nunca tenha tido problemas com minha idade, sou realista e tenho consciência de que serei substituída.” Até lá, ela só quer samba no pé. 

Valdenice Maria Pereira, da União da Serraria, em Diadema. Foto: Andréa Iseki

CONFEITEIRA DA FOLIA

Pernambucana, sangue quente, sorriso largo e passos marcados no ritmo da bateria. Valdenice Maria Pereira, 30, prepara e decora bolos e doces com a mesma paixão que transmite ao subir no salto e empolgar os músicos da União da Serraria, escola tradicional de Diadema.

Depois do nascimento do filho, Victor Kauê, Valdenice entrou em depressão. Passou de 53 a 98 quilos, e já não tinha motivação para sair de casa. Sem contato com os amigos, a confeiteira voltou para a escola disposta a recuperar a estima que possuía aos 17 anos, quando frequentava os bailes apenas para dançar. “Já fui miss simpatia, segunda princesa por dois anos e há quatro sou madrinha de bateria da escola, com muito orgulho. O samba me tirou da depressão. Ele me deu a saúde que não tinha e a vontade de resgatar o que eu já havia perdido.”

Para conciliar o trabalho fixo, a rotina em casa, cuidar do filho e ser voz ativa no barracão, Valdenice fica dias ‘virando a madrugada’. Às 5h30, já está na rua para deixar seu filho na creche. O expediente vai até as 14h, quando, no caminho para casa, faz academia, musculação e segue em caminhada para buscar o filho e cuidar do lar. Às 20h, está preparada para integrar a comunidade nos ensaios do enredo 2012.

É do próprio bolso que tira o dinheiro para financiar o figurino. “Neste ano vamos falar da riqueza da África. Minha fantasia é ousada, mas cheia de pedrarias, plumas e paetês, toda trabalhada em detalhes da selva, claro.” O croqui? É desenhado pela confeiteira com inspiração no que vê em vitrines e outras apresentações. 

Déborah Araújo Martins, da União da Ilha da Prosperidade, em São Caetano. Foto: Andréa Iseki

PROSPERIDADE 

Tímida e de pouca conversa, a rainha de bateria da União da Ilha da Prosperidade, Déborah Araújo Martins, 38 anos, prefere concentrar-se no trabalho e dar força para a sua bateria: “Amo o que faço. Não tem explicação para essa emoção que sinto quando estou na avenida. A vida para.”

É verdade que o samba está no sangue dessa auxiliar de enfermagem, que já deixou na avenida marcas do seu esforço quando precisou atravessar a passarela descalça. Um dos saltos havia quebrado logo no início do desfile. A empolgação foi maior e não tirou a concentração dela, que, desde o início da história da escola, há 15 anos, assume o posto maior na monarquia do samba: o de rainha.

Os pais estão com Déborah desde os primeiros passos no Carnaval de 1982. À época com 5 anos, ela pediu para acompanhar o desfile das escolas de Mauá. “Minha mãe me levou e não acreditou que eu estava dançando.” Seu samba foi parar em São Paulo, onde representou as escolas Vera Cruz e Unidos de São Lucas. Mas o coração pulsava mesmo à frente da bateria da União da Ilha da Prosperidade.

Para confeccionar a própria fantasia, Déborah tenta aproveitar o que já usou em outros desfiles. E se depender de Xerazade, inspiração da escola para este Carnaval, o samba no pé vai durar mais de mil e uma noites.

 

 



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