Geraldo Carneiro

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Miriam Gimenes

Geraldo bate papo com a equipe da Dia-a-Dia em sua casa no Jardim Botânico. Foto: Bia Figueiredo/Vera Jordan

Se tivesse escolhido como profissão ser jogador de futebol, Geraldo Carneiro, 59 anos, seria o profissional dos sonhos de qualquer técnico. Dono de personalidade polivalente, ele é do tipo que ‘joga’ bem em qualquer função que o ofício exigir. É um curinga das artes. Também, pudera. Acha uma chatice ter uma identidade só e, se pudesse, adotaria pelo menos outras cinco. Por isso é encantado pelo Carnaval – onde também atua vez por outra, como comentarista. “Acho lindo o momento em que as pessoas transformam o instinto libertador em festa popular. Vira uma espécie de sinal de que é possível procurar uma coisa menos claustrofóbica do que a própria identidade.”

Fevereiro, para ele, é a redenção. Geraldo tenta viver no ritmo da Folia de Momo seis ou sete horas por dia. “As outras vivo em total escravidão”, brinca. Na sua senzala imaginária moram todas as funções que assume: é um dos poetas mais respeitados do País, compositor (seu CD recém-lançado é Gozos da Alma, pela Biscoito Fino), roteirista de TV e cinema (está fazendo roteiro de A Casa dos Budas Ditosos, em parceria com João Ubaldo Ribeiro), autor de novelas (adaptou o Astro com o amigo Alcides Nogueira), tradutor (de Shakespeare, há 20 anos) e, quando convidam, comentarista de Carnaval. 
Nascido em Minas Gerais, mudou-se aos 5 anos para a Cidade Maravilhosa, onde criou raízes e fez muitos amigos. Dentre eles, um ocupa lugar de destaque, inclusive em sua bela casa no Jardim Botânico: Antonio Carlos Jobim. No canto de sua sala, conserva um piano da mesma marca do cantor e partituras de Tom, como se fosse um santuário. “A presença dele paira angelical pela cidade.” 
Em entrevista bem-humorada à Dia-a-Dia, Geraldo, cujo próximo trabalho – texto narrado na série As Brasileiras – estreia neste mês na Globo, falou de cultura popular, televisão, reality show, influência da tecnologia na música e, claro, sobre a maior festa popular brasileira. Conversar com ele é uma aula de história e arte. Desfrute.
 
DIA-A-DIA – Você é um artista nato. Como vê o tratamento que a cultura tem no Brasil?
GERALDO CARNEIRO – De maneira cada vez mais interessada, respeitosa. Tenho a impressão de que a primeira grande iniciativa no trato com a cultura, que saiu do campo da tradição baixarinesca brasileira, foi a turma em torno de Gustavo Campanema, Ministro da Educação e Saúde (1930). Foi o primeiro momento em que o Brasil fez uma equipe encarregada de tratar a cultura como coisa maior. De alguns anos para cá, percebemos que ser humano sem cultura não faz nem agricultura. Vou muito a quilombos, a favelas no Rio de Janeiro, e percebo que há uma disseminação disso. Não diria que é irreversível porque o ser humano sempre pode voltar à barbárie no dia seguinte, mas é um acontecimento notável. Estamos tomando consciência de que o nosso grande patrimônio é a cultura. 
 
DIA-A-DIA – Houve uma evolução, então. Mas há ainda campos deficitários?
GERALDO – De certa maneira, todos estão deficitários. O único primo rico era a música, mas teve baque. Com a revolução tecnológica, o mercado reduziu-se a apresentações ao vivo. A música foi muito abalada com a internet. Você tem um boom na área das artes plásticas. Os grandes investidores perceberam que é um bom negócio mexer com as artes plásticas, até para lavar dinheiro ou constituir patrimônio. A literatura sempre foi prima pobre, mas hoje tem muitas editoras bacanas. A cultura vive um momento muito rico. 
 
'Vivo em Carnaval seis ou sete horas por dia'. Foto: Alex carvalho/TV Globo
DIA-A-DIA – Você falou da influência da tecnologia na música. Esses adventos tiveram seu lado bom?
GERALDO – Na poesia você fazia um poema e poucas pessoas liam. Hoje, com a internet, por mais introspectivo ou tímido que você seja, tem uma rede de leitura. Eu não tenho Facebook, Orkut. Tenho vergonha de internet. Se tivesse uma bonita bunda, coisa que não tenho, ia preferir mostrá-la na praia do que me exibir na internet. Sinto-me devastado. Mas é um meio com o qual simpatizo, faço pesquisas, sempre com um pé atrás. O sonho do velho Walter Benjamin, o filósofo da escola de Frankfurt, de que as coisas fossem reprodutíveis, se materializou com a internet. Mas, por outro lado, é preciso criar alguns filtros, alguma reserva de excelência, senão vira besteirada total. 
 
DIA-A-DIA – E mesmo com todo o desenvolvimento ainda existem deficiências na Educação, como o analfabetismo. Esse problema foi sanado?
GERALDO – Vai ser em breve. Acho que a aliança entre vídeos e informática vai levar o saber a todas as pessoas. O ser humano, quando tem possibilidade e estímulo, pode se tornar emancipado do ponto de vista intelectual. Mas, para isso, tem de haver uma política pública de estímulo, que hoje existe no Brasil. Não estou fazendo elogio ao governo, mas reconheço que as políticas foram efetivas em relação ao analfabetismo, e os índices baixaram muito. 
 
DIA-A-DIA – Seu pai era envolvido com política. Você também se interessa pelo tema?
GERALDO – Sempre me meti em política, mas como aquele militante da extrema-esquerda extra-parlamentar, do partido mais radical. Convidaram-me duas ou três vezes para exercer cargos públicos, e ameacei me exilar, sair do Brasil, morar no Paraguai, em qualquer lugar, para não pegar um abacaxi desses (risos). Porque se você pega, faz pouquíssimo, não tem dinheiro, e ainda é acusado de defender interesses inconfessáveis. Não tenho essa megalomania. A não ser que haja uma bola pererecando na pequena área, para eu entrar de sola, ou qua


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