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Heloísa Cestari
Léo durante gravação do novo DVD. Foto: Divulgação |
“Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada, ou quase nada”, questionava Tom Jobim na música Samba de Uma Nota Só. E completava: “Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou nada, não deu em nada”. A melodia, com longa série de notas tocadas genialmente em um mesmo tom, no inconfundível ritmo da bossa nova, levou o LP Jazz Samba, de 1962, a arrebatar o Grammy e atingir o topo da parada da Billboard no ano seguinte. Passado exato meio século, a história do samba parece ter cumprido trajetória semelhante à da letra de Newton Mendonça musicada pelo maestro soberano. O gênero percorreu toda a escala em versões que deram origem aos sambas de choro, canção, breque, exaltação, gafieira, momo. Por fim, culminou no pagode baiano, que ironicamente cativou o gosto popular nos últimos anos às custas de um hit de uma palavra só, ou quase só: rebolation.
Nascido nas raves de psy trance do Brasil, o estilo ganhou ginga com a música eletrônica e acabou em samba na voz de Léo Santana, do Parangolé. Em pouco tempo, virou febre nacional, a ponto de Neymar comemorar gol com a dança; a atriz norte-americana Miley Cyrus (eterna Hannah Montana) arriscar o passo e até Dilma Rousseff botar a mão na cabeça e prometer que dançaria o rebolation em cadeia nacional se vencesse a eleição à Presidência da República, só para mostrar que também tem ‘jogo de cintura’. E que atire a primeira pedra quem nunca se deixou envolver pelo ritmo contagiante “que fala tanto e não diz nada, ou quase nada”.
A justificativa para tanto sucesso estaria na mistura de musicalidade com um apelo sexual – para mulheres e gays – que não se via nos palcos baianos desde o sucesso de Xanddy no Harmonia do Samba. Com vocês, Léo Santana, o garoto que seduziu o Brasil sem perder o rebolado, ou melhor, rebolation.
RECORDE
“Bota a mão na cabeça que vai começar...” A frase dá o start para um fenômeno que chegou a entrar para o Guinness, o Livro dos Recordes, com a curiosa façanha de levar mais de 100 mil pessoas a balançar os quadris frenética e sincronizadamente. No comando, um garoto, então de 22 anos, hipnotiza a plateia soteropolitana em meio a gritos de ‘gostoso’, ‘negro lindo’ e ‘já ganhou’.
Também, pudera: com 1,99 metro de estatura, 107 quilos, bíceps de gladiador – não à toa, um programa de TV sensacionalista segurou audiência tempos atrás anunciando que seus músculos haviam explodido –, feições de moleque e eterno sorriso no rosto, com direito a aparelho ortodôntico, Léo Santana não passaria despercebido nem mesmo se quisesse. E ele, definitivamente, não quer. Humilde, ainda deslumbra-se com o assédio dos fãs e o sucesso repentino que o levou a faturar o Troféu Dodô e Osmar de cantor e banda revelação. “Às vezes, elas exageram um pouco, mas é gostoso. O número de fãs homens também cresceu muito. Já vi vários gays com meu nome tatuado no braço. Eles vendem foto minha nos shows e esperam a gente no hotel para dar autógrafo. Fico feliz com isso. É sinal de que estou agradando a todos.”
E haja jogo de cintura para não perder o rebolado diante das fãs mais atiradinhas. “No ano passado, ganhamos três troféus e a imprensa toda veio pra cima de mim. Fiquei me sentindo o máximo, atendendo todo mundo e dando um ‘chapéu’ nos seguranças para ficar mais perto da galera. Aí, veio uma fã e mordeu meu peito, achando que eu ia gostar. Falei: ‘Nega, você é maluca!’ e entrei no carro morrendo de dor. Ficou até a marca dos dentes dela”. Em outra ocasião, duas moças o ‘atacaram’ no shopping. “Parecia assalto, véio. Uma me agarrou o pescoço e a outra... é melhor nem falar.”
Nem as crianças escapam do sorriso cativante de Léo, que adora os pequenos. “Eles pegam o meu DVD, me imitam, e é verdadeiro! Sou louco para ter filhos. O negócio é esperar aparecer a mulher, porque tem de ser ‘a’ mulher.”
Sim, para histeria geral da nação pagodeira, o vocalista do Parangolé está oficialmente solteiro. E mulheres não faltam para se candidatarem ao posto outrora ocupado pela panicat Nicole Bahls, que fez várias declarações públicas de amor ao baiano.
Apesar do sex appeal, Léo garante: 'Não sei ficar com ninguém em balada'. Foto: Fernando Mazza |
No passado, no entanto, essa conta não era tão clara assim. Pelo contrário: Léo chegou a trocar o pandeiro pelo cavaquinho exatamente porque não fazia sucesso nenhum com o mulherio. “Comecei a cantar mais por ciúmes”, confessa. Na época ele contava 13 anos e tocava percussão no grupo de samba de mesa Partido Alto da Vila, todos os sábados, em um barzinho. Mas as mulheres só olhavam para o cantor. “Pensava: Caramba! Por que todo mundo só vai em cima dele? A gente aqui é da banda também.”
Decidiu, então, soltar o gogó. “Vários amigos me disseram que, se eu quisesse ser cantor, teria de aprender a tocar harmonia (cavaquinho ou teclado). Aí, comprei meu primeiro cavaquinho, que me custou R$ 25, com muito sacrifício.”
E bota sacrifício nisso. Léo se emociona quando lembra da infância em Boa Vista do Lobato, bairro pobre no subúrbio de Salvador, e se orgulha de ter colocado pão em casa ainda na adolescência, com o dinheiro que ganhava cortando cabelos a R$ 2. “Cortava até a domicílio, mas era muito difícil juntar R$ 25 para comprar um cavaquinho. Minha mãe trabalhava, meu pai também, mas não sobrava para essas regalias. Se tirasse daqui ia faltar ali.” Quando conseguiu juntar R$ 10, correu para tentar adquirir o instrumento de corda a prestações. “Insisti tanto que ele acabou me vendendo em duas vezes. Paguei primeiro R$ 15 e depois mais R$ 10. Minha mãe ajudou com R$ 5.”
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