Liberdade de expressão

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Miriam Gimenes

Foto: Andréa Iseki
Ex-jogador ídolo da fiel torcida e comentarista esportivo, Neto leva ao pé da letra o bem maior da imprensa brasileira. Foto: Andréa Iseki

Um dos principais alicerces da democracia é a liberdade de expressão. O direito, outorgado no Brasil após a Constituição de 1988, foi alívio não só para o cidadão comum, mas, principalmente, aos meios de comunicação. Com a condição de que se tenha bom senso com o que é dito ou escrito publicamente, profissionais da imprensa podem opinar sobre qualquer episódio, desde uma mesa-redonda de jogos do Campeonato Brasileiro até a  queda do ministro no Planalto Central. Essa é a premissa que o advogado do ex-jogador José Ferreira Neto, 45 anos, usou para ‘domar a fera’ desde que deixou de atuar nos gramados e entrou no time dos comentaristas de futebol.

Herói João Paulo Vicente trabalha com Neto há quase uma década. Revela que, durante o tempo em que atua na televisão – Record, Rede TV e agora na Band –, sempre o orientou a utilizar-se da liberdade de imprensa. “Se você não puder dizer o que quer, é melhor – na gíria do futebol – pegar seu boné e ir pra casa.” Tanto que, mesmo ao seu melhor estilo verborrágico, segundo o advogado, surpreendentemente, Neto é mais autor de processos do que réu. “Posso dizer que é muito raro ele ultrapassar o limite. Digo isso com orgulho, porque foi um trabalho que fizemos aos poucos, explicando a tênue diferença entre a crítica dura, contundente, e a ofensa.”

O comentarista e ex-jogador ficou marcado por sua conduta diferenciada, dentro e fora dos campos. Com as respostas na ponta da língua, nunca receou dizer o que pensa, doa a quem doer. O pai, José Carlos, diz que sua personalidade forte é a marca dos Ferreira. “Ele nunca me fez passar vergonha. Aliás, só me deu alegrias. A polêmica dele vem de família, somos todos assim. Se tivermos de falar, será a verdade.” Prova disso é que o pai admite ser são-paulino, embora tenha adotado também o Corinthians, time em que Neto se consagrou.

O sangue quente de Neto o fez ter uma das atitudes que mais lamenta na vida: a famigerada cusparada na cara do árbitro José Aparecido Oliveira, em partida entre Corinthians e Palmeiras, em 1991, pelo Campeonato Brasileiro. Da ação impensada, ganhou quatro meses de suspensão e arrependimento que o acompanhará até o túmulo. “Quando eu tinha 20 anos, fiz um monte de merda. Mas quem não faz um monte de merda? Não dá para você querer que eu seja tão profissional, não cometa erros, não crie polêmicas com essa idade. Com 45 (anos) é diferente, você observa as coisas de outra forma. Mas continuo sendo a mesma pessoa. Essa é minha maior virtude.”

O ex-futebolista é dono de trajetória ímpar, que pode ser conhecida agora a fundo na reedição do livro Eterno Xodó (Primavera Editorial, 348 páginas, R$ 45), de Renato Nalesso e Fabricio Bosio. A obra acaba de sair do forno. Durante a noite de autógrafos da publicação, onde estiveram mais de 800 pessoas, deu para perceber que por trás de críticas ácidas e sinceras ao extremo há um ídolo que sabe agradecer àqueles que o intitularam como Xodó da Fiel. “O legal é que não vou ser esquecido, estou na história.” Disso, ninguém tem dúvida.

 
LÍNGUA AFIADA

Quando se assiste a um jogo comentado por Neto, é possível presenciar diversas reações. Os que amam o ex-jogador acenam com a cabeça avalizando tudo (ou quase tudo) o que ele diz. Já os que o odeiam, xingam durante o jogo todo e dizem inúmeras vezes a frase: “Cala a boca, Neto!” Ele foi apontado pela enquete de um site como o comentarista esportivo mais odiado do País, com 140 mil votos. Imune a qualquer tipo de crítica, não se define como polêmico. Apenas abusa da sinceridade e leva ao pé da letra os conselhos de Herói. Se com isso fez inimigos ou não, tanto faz. “O que sei é que tenho poucos amigos. Não me importo com as pessoas que não gostam de mim. Na verdade, estou cagando e andando para elas.”

É claro que isso já lhe trouxe diversos problemas, desde os tempos em que era jogador de futebol – passou não só pelo Corinthians como pelo Guarani, São Paulo, Palmeiras. Esse jeito o atrapalhou durante toda a vida, até dentro de casa. Tanto que, para ele, é muito mais fácil ser jogador de futebol do que comentarista. “Como fui muito bom jogador, dependia só do meu talento. Como comentarista, não dependo só de mim. Televisão é meio difícil de se viver. Demorei sete anos para ter bom salário, para ter contrato feito, para ter respeito das pessoas de onde trabalho e de fora também.”

 
REVIVAL

Neto tem saudade da época em que jogava futebol. Por diversas vezes, falou do tal amor à camisa e não do dinheiro. Chegou a trocar rusgas com Ronaldo Fenômeno por uma rede social, quando o mesmo declarou jogar por amor à profissão e Neto, sem pestanejar, falou para ele então abdicar do R$ 1,5 milhão que recebia por mês. Os dois protagonizaram situações de amor e ódio outras vezes.

Contratempos à parte, o ex-jogador diz que à sua época os futebolistas jogavam muito mais do que os de hoje. “O futebol de agora é tecnicamente abaixo do nível do que eu estava acostumado nas décadas de 1980 e 1990. Mas, por outro lado, os jogadores são muito mais profissionais, treinam mais, dedicam-se muito mais do que na época em que eu jogava.”

A profissionalização do mundo dos gramados maquia problemas ainda latentes. Um deles é o homossexualismo na categoria de base, situação exposta há pouco por Neto, que não citou nomes nem clubes. Segundo o comentarista, integrantes da equipe se aproveitam da origem humilde dos jogadores para exigir troca de favores sexuais. A única saída, para ele, seria a intervenção do Estado nessa situação. “Esses meninos vêm de cidades pequenas e isso existe desde quando o futebol é futebol. O Ministro do Esporte deveria repensar a situação desses garotos quando eles ficam alojados em um clube de futebol”. Mas já há um avanço: os cartolas que comandam o futebol nacional e fecharam durante muito tempo os olhos para esses problemas, na opinião dele,  passaram a primar mais pelos clubes.

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