Rainha da noite

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Raquel de Medeiros

Foto: Celso Luiz
A empresária Lílian Gonçalves conta como enfrentou os revezes da vida e conseguiu construir o império de casas noturnas no centro de São Paulo. Foto: Celso Luiz

Quando ela tinha 5 anos, Juscelino Kubistcheck a colocou no colo e disse: “Um dia você será uma grande mulher”. Tudo aconteceu na época em que a mãe dela trabalhou como cozinheira do Catetinho, nos anos 1960. O ex-presidente previu o futuro de Lílian Gonçalves. Conhecida como a Rainha da Noite Paulistana, hoje ela é dona de cinco casas noturnas no centro de São Paulo. Algumas, como o Bar do Nelson, são palco de eventos importantes como a festa de comemoração da peça Ensina-me a Viver, estrelada por Glória Menezes, no mês passado.

A história de Lílian tem mais capítulos interessantes. A trajetória de superação serve de exemplo. Filha do cantor Nelson Gonçalves, só conheceu o pai aos 16 anos e fez questão de dar os próprios passos sozinha, sem ajuda do pai famoso. “Não queria que as pessoas achassem que eu estava usando o nome dele para crescer.” A mãe também não se fazia presente. “Foi torturante não ter pai. Cresci sem a figura dele e sem a figura de mãe, porque, com essa paixão que ela nutria pelo Nelson Gonçalves, era louca e alucinada por ele, começou a beber e virou alcoólatra.” Lílian apanhava da mãe e foi violentada sexualmente pelo cunhado, aos 12 anos.
Mas os revezes não a desmotivaram. “Eu mesma não entendo como consegui inverter todas essas dores e pancadas em alegria e trabalho.”

 
PRIMEIROS PASSOS

Lilian queria ser artista. Fez participações em filmes, novelas, mas desistiu porque precisava de dinheiro para sobreviver. Decidiu trabalhar como garçonete. O primeiro emprego foi no restaurante Sopa Carioca, na Avenida Rio Branco. “Me encantei com o ramo e senti que ia me dar bem. Era muito fácil atender os clientes e lidar com eles, tinha essa facilidade.” Ali começava a história de amor da empresária com o centro de São Paulo.

Logo comprou o primeiro bar, em 1971. “Não é que eu goste do centro, mas meu primeiro barzinho foi aqui, o segundo também foi aqui, o terceiro também, enraizei e não tem saída mais para mim. Foi natural”, diz. Mas a luta ainda não havia acabado. Enfrentou preconceito por ser mulher. “Quando comecei com o Biroska só existiam homens no ramo de negócios da noite. Foi a maior guerra, porque a dona desse bar que virou fenômeno da noite de São Paulo era uma mulher.”

Hoje, solteira, mãe de dois filhos e avó de cinco netos,  ela administra sozinha cinco casas na Rua Canuto do Val. Cada uma com capacidade para 1.000 pessoas por noite. E a empresária faz questão de ir a cada um dos estabelecimentos, todo dia, para checar se tudo está correndo como deveria. “Supervisiono tudo. Brinco que se um gerente fosse bom ele não seria gerente, mas dono. Gosto de ver com meus olhos”, diz a empresária, que chega a ter expediente diário de 20 horas.

 
SEM DESCANSO

A rotina de Lílian é totalmente invertida. Vira a noite e trabalha até as 8h, vai para casa e meio-dia já está de volta para tratar de negócios no escritório e gerenciar as casas. “Tenho muitos eventos. Trabalho sábados e domingos, feriados e dias santos, 365 dias por ano.” Lílian dorme de duas a três horas por dia. Ainda assim, precisa de ajuda de medicamentos para pegar no sono. “Para dormir essas duas horinhas tenho de induzir, tomar umas gotinhas. Sinto que dormir é grande perda de tempo.”

A Calçada da Fama brasileira é um dos projetos que devem ser colocados em prática em breve. “Estive muitas vezes em Hollywood e vi a loucura das pessoas na Calçada da Fama. E pensei que isso poderia transformar o centro de São Paulo em polo turístico, que rendesse para todos os comerciantes da região.”
A seleção seria feita através da sugestão de 100 jornalistas, mais os votos de um comitê gestor, que definiriam os finalistas. “Os dois artistas mais votados iriam a júri do público, pela televisão, com um 0800. Esse seria o polo gerador de faturamento para a manutenção da calçada”, diz.

A rotina agitada, no entanto, começa, aos poucos, a deixar sinais de cansaço na empresária. Apesar de amar trabalhar,  e ter isso como ponto central do dia a dia, Lílian sonha em poder ter um pouco mais de tempo livre. Quer descansar e ter outras experiências de vida. Planos para o futuro ela tem um só. “Meu projeto é não fazer nada. Já fiz demais, meu bem (risos).”




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