Canto de liberdade

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Miriam Gimenes

Foto: Nário Barbosa
Avesso a padrões, zonas de conforto e já consagrado como estilista, Fause Haten desbrava agora as passarelas da música com lançamento do primeiro CD. Foto: Nário Barbosa

E pensar que tudo começou com uma simples camiseta de algodão. Foi aos 16 anos que o artista (porque não é apenas estilista ou cantor, mas amante de qualquer tipo de arte) Fause Haten deu seu primeiro grito de liberdade. Queria viajar e não tinha dinheiro. Para obter renda, passou a criar suas peças e conquistou clientes – as primeiras foram Rahyja Calixto e Traudi Guida, proprietárias da Le Lis Blanc. Não dá para precisar quantos anos se passaram, já que ele não revela a idade em hipótese alguma, mas é evidente que alcançou a almejada independência. Tanto que, mesmo após tornar-se um dos principais nomes da moda brasileira, sente-se livre para se arriscar nos palcos, agora como cantor. “Preciso de liberdade. Senão, perco o brilho, o entusiasmo”, justifica o mestre do mundo fashion, que acaba de lançar seu primeiro CD com composições próprias e o livro Algumas Palavras.

A primeira coisa que faz questão de deixar claro é que não trata a música como carreira – embora também tenha iniciado a confecção de roupas por acaso antes de transformá-la em seu maior ofício. Só que não gosta de ficar  no mesmo lugar e, por isso, não foge dos obstáculos que podem surgir nesta nova empreitada. Mas não tem medo de um campo desconhecido? “Essa coisa de medo é engraçada... Pessoas falam que às vezes têm vontade de fazer algumas coisas e acabam desistindo por medo. De certa maneira, as minhas atitudes servem de entusiasmo para os outros.” Esse conflito não existe na cartilha de Fause. Ele quer, vai lá e faz.

O ensejo para realizar seu último trabalho artístico (leia-se música) surgiu em 2005, quando sentiu-se completamente seguro e realizado como estilista. Já havia desfilado não só no Brasil como em Nova York e Milão. “Sou uma pessoa que não gosta de ficar em lugares de muito conforto. Fico um pouco desestimulado. Fui em busca de coisas que não soubesse fazer”, revela.

O primeiro campo desconhecido foi o teatro, que não dominava e tinha de se esforçar para aprender. Venceu as dificuldades e formou-se, em 2009, no Teatro Escola Célia Helena. A música apareceu nessa fase de transição.

É claro que esse não foi o primeiro contato com as notas musicais. Quando criança, estudou durante anos piano, mas admite não ter mais habilidade com o teclado. Em paralelo com os palcos, fez aula de canto e, em conversa com o músico e compositor André Cortada, revelou sua aproximação com os versos. Começou, então, a parceria que se tornou mais do que hobby e resultou no CDFH, seu primeiro álbum. Assim como em outras passagens de sua trajetória, Fause não se intimidou em começar do zero. Afinal, é livre para fazer do seu destino o que bem entender.


ATRÁS DAS CORTINAS E PASSARELAS


Quem é o Fause que ninguém conhece? “Sou uma pessoa que gosta de fazer coisas novas. Mesmo em fases complicadas, quando chegava a noite, esquecia os problemas, ia para a escola de teatro e rolava no chão. Isso me alimenta, me faz ser vibrante.” Estar com os mais jovens e provocá-los, a fim de que exercitem seus talentos, é seu combustível. “Estou descobrindo essa coisa em mim, de ser fomentador, dar um caminho, e isso é muito legal.”

Só que ele mesmo não foi direcionado por alguém, até porque não gosta de amarras ou regras. “Sempre fui um cara que o bonde passou na frente e se jogou.” Lembra do episódio da camiseta e que deu sorte de ter como primeiras clientes as donas da Le Lis Blanc. E as conquistou com pequenas atitudes. Certa vez, as viu elogiar a roupa de uma fornecedora. No dia seguinte, sem que esperassem, trouxe peças idênticas, o que as surpreendeu. Ele não é de falar, chega com a coisa pronta.

Foi assim em tudo na sua vida, basta observar. Sem que ninguém fosse avisado, Fause apareceu fazendo desfile na Semana de Moda de Nova York, a 7th on Sixth. O convite aconteceu após ele ser escolhido pelo representante da marca de perfumes Georgio Beverly Hills para ter o nome associado a uma fragrância. Resultado: ficou conhecido internacionalmente.

Depois, resolveu inovar assinando coleção para uma loja de departamentos. Ouviu críticas, mas hoje muitos estilistas fazem o mesmo. “Sou trabalhador e não gosto de falar que vou fazer, prefiro mostrar que fiz. E quando olho o mercado e o que está acontecendo com os estilistas, tenho certeza de que estou no caminho certo.”
Explica-se: na sua humilde opinião, os profissionais estão sendo achatados pelas holdings que compram as marcas, como aconteceu com Tom Ford e Alexander MacQueen. Fause Haten não se deixou levar pela correnteza e buscou seu caminho, na moda e na música. Agora está no lugar que queria.


FASE DIFÍCIL

Antes de abrir seu ateliê onde atende hoje, em Pinheiros, o artista passou por momento tumultuado. Vendeu, assim como alguns estilistas, a sua marca para a holding I´M (Identidade Moda), em 2008. A ideia era tornar-se apenas criador da marca, mas não recebeu salário como funcionário e nem pelo negócio. O processo tramita na Justiça. “Não sou de olhar para trás. É claro que tenho meu luto, mas estou olhando para frente. Não assumo o coitadinho.”

Mesmo com o prejuízo financeiro, Fause garante estar com as contas em dia, até porque não tem arroubos consumistas. “Percebo que as pessoas estão caminhando para um lugar que eu não quero ir, que é essa história de vender, ganhar dinheiro, viajar de primeira classe. Gastei dinheiro para fazer meu disco? Gastei. Não troquei de carro e não estou precisando. Aprendi e digo isso para todo mundo: se você fizer por prazer, o dinheiro vem por consequência.”

Sua vida gira em torno do  ateliê, de paredes negras e colorido por peças – mostradas em manequins suspensos –, acessórios e joias. Lá, o atendimento é exclusivo, especialmente de celebridades como Sandy, Maria Rita e Carolina Ferraz. Não à toa, em 2000, ganhou o prêmio Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), considerado o Oscar da moda brasileira, como o melhor estilista do ano.

 




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