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Heloisa Cestari

Foto: Adriano Lima / AE
Foto: Adriano Lima / AE

No dia 13 de outubro, internautas do mundo inteiro ficaram estarrecidos diante das imagens do atropelamento de uma menina de 2 anos na China, gravadas por uma câmera de segurança em Foshan. O que mais incomodou não foi o acidente em si, mas a indiferença dos transeuntes ao sofrimento da criança. Durante sete minutos, a pequena foi ignorada por 18 pessoas que passaram pelo local, e ainda atropelada por um segundo veículo. Tratada como lixo, ela acabou ironicamente sendo resgatada por uma catadora, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital uma semana depois, vítima do descaso de quem deveria lhe assegurar a vida.

O caso gerou milhões de mensagens na internet questionando os valores morais chineses. O que esperar, afinal, de uma sociedade que por décadas cruza os braços, em atitude de condescendência, diante de milhares de meninas que são abandonadas ou mortas pelos pais só para que os progenitores readquiram o direito de tentar um filho homem, já que o governo, para conter o crescimento demográfico, não permite que os casais tenham mais de um bebê?

De acordo com estimativas da Organização das Nações Unidas, o mundo atingiu a marca de 7 bilhões de habitantes no dia 31 de outubro. Destes, 1,3 bilhão está na China, onde a política do filho único evitou o nascimento de quase 500 milhões de crianças e incentivou a morte de outros milhares desde a sua instituição, em 1979.

O caso da menina causou tamanha repercussão mundial que o governo da província de Guangdong chegou a propor a introdução de lei que obrigaria as pessoas a serem solidárias com quem estivesse em situação de sofrimento. Mas pesquisas de opinião na web indicam que a maioria é contra.

No Brasil, é diferente. As pessoas teriam compaixão pela criança atropelada e a socorreriam, porque dão valor à vida... Será? No dia 22 passado, um bancário de 32 anos atropelou três garis na Marginal do Pinheiros, em São Paulo, e também não prestou socorro às vítimas. Negou-se a fazer o teste do bafômetro, mas os exames clínicos atestaram o estado de embriaguez e o rapaz acabou indiciado por homicídio doloso – quando há intenção de matar – porque teria assumido o risco de tirar a vida de alguém ao dirigir bêbado.

Enquanto nós, brasileiros, mantivermos a irresponsabilidade de pegar no volante alcoolizados, colocando a vida de terceiros em risco, não teremos moral de criticar os chineses. Embora as circunstâncias dos atropelamentos e da omissão de socorro sejam distintas, tanto uns quanto outros demonstram o pouco caso que dão à vida e à dor alheia. E de nada adiantarão as leis se não houver fiscalização do poder público e consciência da sociedade, que ínfimo valor dá ao seu bem mais precioso: o ser humano.




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