Muitas vidas em uma só

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Raquel de Medeiros


A vida dela é um emaranhado de histórias assim como a política no Brasil. Apesar de ter dezenas de facetas, Belisa Ribeiro, apresentadora do programa Caminhos da Cultura na TV Band do Rio, tem incrível e invejada trajetória no jornalismo político. O começo inusitado, no entanto, nada teve a ver com eleições ou partidos. No início dos anos 1970, ela trabalhou como modelo do Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, indicada por uma amiga. Conheceu ninguém menos que o renomado fotógrafo Evandro Teixeira, que trabalhava para o caderno de moda do periódico. “Ela era uma mulher inteligente e vibrante como modelo. Como jornalista, tinha fibra, sabia o que queria”, diz Teixeira. Não demorou para que Belisa vislumbrasse um futuro de pautas, manchetes, microfones e milhares de ideias fervilhando sem cessar na cabeça. Conseguiu estágio no jornal. A partir dali, a vida de Belisa foi constantemente atingida por fatos essenciais da história política brasileira. E ela não deixou passar nenhuma oportunidade de registrar sua marca de maneira intensa e – como faz questão de dizer – um pouco irresponsável. “Era metida. Eu mesma inventava as minhas pautas, fazia as matérias e entregava para o chefe. Por ser corajosa, me colocavam para fazer as histórias mais difíceis. Entrevistei quase todos os políticos do País.”

 

A Festa do Presidente
Em 1974, quando ela dava os primeiros passos na profissão, o Brasil vivia em plena ditadura. Mas a jornalista vê com bons olhos. “Vivi uma época muito boa do jornalismo. Ainda existia romantismo na profissão. Hoje a cultura e a política mostram um Brasil de corrupção, desencanto, comodismo. As pessoas estão sem causa.” 

Foi em 15 de março de 1974 que Ernesto Geisel assumiu a Presidência. O governo foi marcado pelo início da abertura política e  amenização do rigor do regime militar. Nessa época, Belisa estava na Gazeta Mercantil e foi incumbida de missão quase impossível: cobrir o aniversário do presidente em um clube chiquérrimo  no Leblon. “Resolveram isso umas 17h30. Fui para a casa da minha mãe, botei um vestido dela e saí correndo.” 

De vestido vermelho, longo, ela passou com facilidade pela portaria do clube. “Não podia dar na cara que não era convidada. Subi uma escada e dei na porta do salão.” O que ela não podia imaginar é que a festa era exclusiva para homens. “Fiquei uma estátua. Pensei: ‘Vou ser presa’. Aí veio um publicitário muito conhecido falar comigo, Mauro Salles, e pedi para ele me ajudar. Enquanto ele chamava o Geisel, fui ao banheiro anotar todos os detalhes.” 

A investida ousada teve recompensa. O presidente decidiu dar  entrevista exclusiva à jornalista, com a condição de que depois ela fosse embora da festa. “Ele falou muito rápido, mas o bacana foi ter conseguido. Pude escrever sobre o clima do evento, mostrar quem estava lá. Foi uma das entrevistas inesquecíveis da minha vida.”

 

Lula quer LIDERAR O BRASIL

Em 28 de agosto de 1979, o presidente Figueiredo concedia anistia a todos que cometeram crimes políticos ou eleitorais. Belisa, que sempre foi militante, optou por fazer a sua parte produzindo jornais para sindicatos. Criou uma cooperativa chamada Lide, que chegou a veicular 20 jornais diferentes em um único mês e tinha no time cartunistas do porte de Ziraldo, Nani e o humorista do programa global Casseta e Planeta Reinaldo Figueiredo, que estava começando na época.

Na década de 1980, surgiu o movimento das Diretas Já. O povo queria votar. E reivindicava por eleições presidenciais no Brasil. A vitória parcial veio com a eleição de Tancredo Neves, em 1985. Enquanto isso, Belisa mergulhava em um projeto novo e inusitado. Com produção independente, por iniciativa ousada do empresário Paulo Marinho, ela levou ao ar o polêmico Dia D. Apresentou ao telespectador jornalistas consagrados da mídia impressa, como Zózimo Barroso do Amaral, Ricardo Boechat,  Fernando Gabeira, Willian Waack, Ricardo Noblat e Miriam Leitão. 

Entre os entrevistados, Fernando Henrique Cardoso, que admitia a vontade, mas negava articular uma candidatura naquele momento. “Algumas pessoas falam do meu nome para  prefeito de São Paulo, mas eu não tenho nada com isso. Para presidente também, algumas pessoas falam, mas não estou articulando uma candidatura”, afirmava.

Em 1987, foi a vez de Lula dizer pela primeira vez que queria ser candidato. “Embora tenha apenas o 4º ano primário, eu não me sinto inferior a nenhum destes que já governaram o Brasil. Posso não conhecer história, geografia, astronomia, mas conheço uma coisa que poucos deles conhecem e que não aprenderam na universidade, que é o problema do nosso povo. Por isso me sinto capacitado, embora não tenha pretensões e jamais tenha passado pela minha cabeça ser candidato”, afirmou Lula.

A entrevista rendeu grande repercussão. Quem imaginaria que um operário poderia chegar à Presidência? A jornalista finaliza a entrevista com a frase: “Espero que o Dia D tenha contribuído para você conhecer melhor um candidato em potencial para a Presidência do Brasil.” Anos depois, deu no que deu.

 

Jornalismo e família? Não dá.


A correria sempre fez parte da vida de Belisa. Na profissão e na vida pessoal. Precoce, na década de 1980 ela havia passado por dois casamentos e já era mãe dos dois filhos, os músicos Gabriel, O Pensador e Tiago Mocotó. A rotina apertada, no entanto, não impedia que encontrasse tempo para um pouco de diversão. “Depois de fazer o Jornal da Globo, eu ia para a maior casa noturna do Rio de Janeiro e me esbaldava. Chegava em casa às 5h. Acho que vivi minha juventude mais tarde, porque tive filho muito cedo.”

Um dia perguntaram como ela conseguia conciliar tudo. Franca, respondeu: “Não dá”. “Não dava certo. Era a única mãe que esquecia o lanche da criança, que chegava atrasada na escola.”

Mas Gabriel não faz ressalvas. “Sempre admirei minha mãe porque é  muito dinâmica, guerreira. Trabalha demais e com muita competência. Me vejo um pouco como ela, querendo fazer muita coisa ao mesmo tempo, querendo abraçar o mundo.”
 

Campanha de Collor

Era o ano de 1988. Belisa, que trabalhava como repórter especial na Playboy, foi chamada às pressas para encabeçar a campanha do então candidato Fernando Collor de Mello à Presidência da República. “O editor da Playboy havia me pedido para fazer uma matéria sobre o Collor. Mas ele (Collor) me disse: &l



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