Confissões de padre Marcelo

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Raquel de Medeiros

 

 

 

Pessoa que se dedica a uma causa ou missão. Essa é a definição da palavra sacerdote no dicionário. E é exatamente assim que se define padre Marcelo. É para ele que, todo santo dia, dezenas de fiéis contam anseios, dificuldades e ainda clamam por ajuda. Nesta entrevista, invertemos a ordem. Foi a vez de ele contar preocupações e angústias. Porque também é humano.

 

Superando a depressão

Aquele padre ativo e animado que costumava agitar centenas de fiéis no início dos anos 1990, com músicas gospel, agora está em marcha mais lenta. O que não significa que está parado. Padre Marcelo ainda se recupera de dois traumas. Um deles foi a lesão grave no calcanhar do pé esquerdo que adquiriu depois de cair da esteira em que se exercitava, como habitualmente, ao som de U2.  Acostumado a ver o mundo do alto dos seus 2  metros de altura, teve de aprender a enxergar tudo diferente, sobre uma cadeira de rodas, ao longo de três intermináveis meses. 

O problema ganhou peso ainda maior quando veio à tona um trauma que ele carregava dentro de si há quase quatro  anos, desde a visita do papa Bento XVI ao Brasil. Na ocasião, surpreendentemente, padre Marcelo foi escalado para se apresentar às 5h e ficou fora das vistas do sumo pontífice. “Eu fui boicotado. Não só eu como o padre Jonas. Eu tive de obedecer. Em sinal de humildade, aceitei. Podia reclamar, mas me calei. Só que eu sou humano e isso machuca.” 

Cantar para o papa era um sonho de padre Marcelo, que teve de ser adiado. A tristeza, no entanto, ficou ali. Com a queda da esteira e a falta de mobilidade, o padre viu-se, pela primeira vez, questionando o fato com o Todo-Poderoso. Mas como Deus escreve certo por linhas tortas, foi no meio desse furacão que ele decidiu escrever um diário.  

Seus relatos viraram um livro, que  alcançou a façanha de ter 6 milhões de exemplares vendidos em pouco mais de um ano. A publicação ainda deu origem ao CD de mesmo nome. A tarde de autógrafos em Santo André será realizada no dia 5 de outubro, a partir das 14h, no Shopping ABC. 

 

‘Levei 14 dias pra tomar Banho’

Três dias antes da contusão, padre Marcelo teve a notícia de que receberia o prêmio Van Thuan das mãos do papa Bento XVI. Entendeu como uma aprovação à maneira moderna de divulgar a palavra de Deus na televisão, em shows, discos e DVDs, colocando fim às polêmicas de que o Vaticano seria contra sua forma de evangelizar. “Nossa! Meu coração foi pra cima!” Mas não contava com a queda. E deixar de realizar o sonho de encontrar com o papa pela segunda vez, nem pensar.

Imerso em fase ruim, com pé lesionado, o padre ficou ainda mais angustiado. Procurou médicos de sua confiança para saber o melhor a fazer e eles foram claros: se o padre operasse, não poderia ir a Roma em outubro receber o prêmio. “E me disseram também que, se não operasse, teria de seguir regras muito sérias. Perdi 12 quilos em um mês, tomei vários anti-inflamatórios, inclusive à base de morfina, e demorei 14 dias para tomar banho de verdade pois, se eu tocasse com metade do meu peso o pé no chão, era cirurgia direto.”

 

‘O jovem está perdido’
Os jovens estão longe da igreja. Uma pesquisa feita pelo teólogo Jorge Cláudio Ribeiro, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, indica que, entre os 520 universitários entrevistados, de 17 a 25 anos, 32% não têm religião. Para o sacerdote, a internet também tem sua culpa nisso. “O jovem está perdido, com muita informação e pouca formação.”

Para tentar se aproximar dessa juventude transviada é que padre Marcelo adaptou-se à tecnologia. E foi fundo nas redes sociais: só no Facebook, tem oito perfis. ‘Sou apaixonado.

Do Twitter eu não gosto. Mas Facebook dá para expor coisas, trocar informações.”

O jovem precisa de atenção, na opinião do padre. “Quando eu era pároco,  terminava a missa e falava: ‘Gente, vou ficar aqui do lado para quem quiser me cumprimentar’. A missa era de uma hora e o cumprimento durava uma hora e meia. A coisa mais importante, e que a igreja precisa entender, é a acolhida.”

 

‘Veem-me como santo’
Padre Marcelo encabeça a lista extensa de párocos cantores. Já dividiu palco com Nando Reis, O Rappa, Edson e Hudson, Capital Inicial e Ivete Sangalo em shows organizados pela Rede Globo, emissora que ainda transmite suas missas semanais e programas  de rádio. 

Tudo feito por ele de forma voluntária, segundo o padre. Entre os fiéis que assistem às missas de padre Marcelo estão também políticos, como a presidente Dilma Roussef, José Serra e Geraldo Alckmin. O padre também tem contato direto com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Para o sacerdote, essa relação é totalmente possível, pois como costuma dizer: ‘a igreja não tem partido’.

Com tanta exposição, não consegue ter vida normal. “Aí vem o fardo que carrego. Não posso, por exemplo, ir a um restaurante. Se eu tratar mal alguém, ele não vai entender. Você está almoçando ou jantando, chega o prato quente e aparece uma pessoa falando ‘padre, tira uma foto?’ Espera eu terminar de comer...”, reclama. 

“Não acho que as pessoas me vejam como um artista. As pessoas me veem como santo”, diz o padre. “Quando eu vou a um lugar e atendo as pessoas, você precisa ver a alegria. Elas se ajoelham. Eu falo: ‘levanta. Quem cura é Jesus, não sou eu’. Mas o  povo está carente.”

 

Instrumento de Deus
Várias pessoas relatam terem recebido mensagens de Deus através de  padre Marcelo. Ele diz que é instrumento de Deus e não tem controle sobre isso. “Na Renovação  Carismática eles chamam isso de carisma, que é algo que eu raramente falo e uso, mas é uma coisa que sai. Por exemplo, em setembro toquei na barriga de uma mulher que queria engravidar e não conseguia. Tempos depois nasceu uma menina, prematura, com toda dificuldade, mas nasceu. E a mãe a levou para me apresentar na Bienal. Mas não fui eu, foi Deus. Ele me usa quando quer e como quer.”

 

Carro, dinheiro e mulheres

Padre Marcelo veio da classe média alta. “Imagine que meu presente de aniversário de 18 anos foi um Passat. Mas larguei tudo isso”, explica. Para ‘largar



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