A era da infantocracia

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Miriam Gimenes

 

Isaac Newton (1643-1727) criou importantes leis da Física para descrever o corpo em movimento. A terceira delas, publicada em 1687, é ideal não só para  contemplar o objetivo do cientista, mas para diversas situações do cotidiano. Trata-se do princípio da ação e reação. A fórmula é ensinada durante o Ensino Médio e muitos acreditam que não servirá para nada no futuro. Ledo engano. Ela é ideal para, por exemplo, conduzir a educação dos filhos e a conduta dos pais. Explica-se: toda ação paterna reflete diretamente na reação dos rebentos e vice-versa. Para chegar a um denominador comum, basta saber equilibrar as incógnitas. 

 

Conta-se que Newton morreu virgem, portanto não deixou herdeiros. Mas certamente se os tivesse, teria implementado o princípio. Caso o filho não quisesse comer, por exemplo, não poderia mais ler o conto de fadas preferido – porque àquela época não existia videogame – ou brincar no jardim com amiguinhos. A atual geração de pais, por terem vivido uma educação mais rígida, e até privada de regalias, tende a ser mais liberal com os pequenos. Sem limites, os filhos fazem com que a vida familiar gire em torno de suas vontades. É a chamada infantocracia.

 

O poeta de origem franco-suíça J. Petit Senn afirmou, certa vez, que “os filhos tornam-se para os pais, segundo a educação que recebem, uma recompensa ou um castigo”. Já o filósofo grego Aristóteles disse que “a educação tem raízes amargas, mas seus frutos são doces.” Trocando em miúdos, vale o esforço de fazer do filho um cidadão e não deixar que ele tome as rédeas da sua vida e da casa. É claro que nem todo mundo tem à disposição uma Supernanny (apresentadora do programa do SBT, feita por Cris Poli, que ensina táticas para lidar com as agruras infantis), mas conhecer técnicas de educação é de grande valia. A boa notícia é que existem diversas receitas para isso.

 

A mais austera – e também polêmica – é a da chinesa Amy Chua. Mãe de duas meninas, Louisa e Sophia, ela implementou verdadeira estratégia de guerra com o objetivo de tornar as filhas vencedoras em tudo o que fazem. Não à toa, escreveu o livro Grito de Guerra da Mãe-Tigre, recém-lançado no Brasil, em que conta de maneira às vezes engraçada, às vezes insana, como implementou as premissas chinesas dentro de casa. Ela, que mora nos Estados Unidos, chegou a receber ameaças de morte por isso, principalmente após ter artigo publicado no Wall Street Journal criticando o método ocidental de orientar os filhos.

 

Vamos às suas premissas: Amy Chua impôs às filhas, desde muito pequenas, a aprenderem piano e violino – não importando se gostassem. Sob seu acompanhamento e olhar crítico, eram obrigadas a treinar todos os dias, inclusive em viagem de férias. Se uma nota não saía a contento, viravam a noite treinando até conseguir, sem direito de ao menos ir ao banheiro. Não podiam ir à casa de amigas nem ver televisão. Não admitia nota menor do que A. Participar de peças encenadas na escola, nem pensar. E jamais reclamar por tudo isso. Certo ou errado, o fato é que seu método deu resultado. Ambas são alunas excepcionais: Lulu ganhou prêmio estadual para prodígios do violino e Sophia apresentou-se no Carnegie Hall aos 14 anos. 

 

Segundo Amy, ”para ser bom em qualquer coisa, você tem de trabalhar, mas as crianças nunca querem trabalhar por vontade própria e é por isso que é crucial passar por cima de suas preferências”. Entre as suas principais críticas aos ocidentais estão os fatos de que elogiam qualquer notinha em cima da média dos filhos, tentam empurrar a responsabilidade da educação para a escola, não os encorajam, deixam-nos terem o livre-arbítrio para escolher atividades extracurriculares e não impõem seus limites. Em suas palavras, a disciplina é a razão pela qual os pais chineses produzem tantos ‘azes da matemática e prodígios musicais’. Outros especialistas, no entanto, defendem que sucesso não é garantia de caráter e muito menos de felicidade – haja vista o alto índice de suicídio entre jovens orientais.

 

PEQUENA NOTÁVEL


É a pequena Beatriz, 4 anos, que diz a hora em que quer tomar banho. Irritada, não gosta de arrumar os brinquedos guardados em uma gaveta e, para não complicar, é o pai quem o faz. Também interrompe a mãe na hora que ela está conversando, implica com a irmã mais velha e dita as regras a serem seguidas dentro de casa. A mãe, a vendedora Eliene Romera, 43, admite que essa conduta pode ser prejudicial para a formação da filha, mas não sabe como proceder de outra forma. “Acredito que está errado, mas não sei realmente o que fazer.”

 

Içami Tiba, psiquiatra e educador, atribui as dúvidas e erros à falta de conhecimento educativo. “Com ou sem educação, os filhos crescem de qualquer forma. Se não souberem educar, fazem as coisas conforme a vontade deles e não da maneira correta. Quanto maiores, mais infelizes podem ficar porque não têm parâmetros para seguir e, por isso, as pessoas podem se afastar”, sentencia. E o que é mais fácil neste momento? Delegar a educação para terceiros, principalmente para a escola, assim como criticou Amy.

 

Os pais têm de assumir a função de educadores. No livro recém-lançado Pais e Educadores de Alta Performance, o psiquiatra ensina como formam-se filhos cidadãos. “Se nada é feito, criam-se pessoas hedonistas, que vivem em função do prazer e de se divertir. Não desenvolvem a empatia, daí surge o bullying, porque não foram educados para perceber a necessidade das pessoas.”

 

Não existe mais a noção de hierarquia também porque os pais gostam de dizer que são amigos dos filhos. “Qualquer um é amigo. Hoje em dia os filhos deletam amigos por Facebook, portanto os pais estão pedindo para serem deletados.” O ideal é mostrar quem é que manda, dar limites, impor regras e exigir respeito. Desde cedo.

Ainda bebês, as crianças já têm de ser acostumadas a esses limites. “Ela mamou, arrotou, então tem de ser colocada no berço e não adormecer no colo. Se chora, a mãe que tira do berço confirma que lá não é o lugar de ela ficar e o bebê se acostuma a chorar para conseguir o que quer. Isso atrapalha



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