‘Não vim a este mundo a passeio’

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Miriam Gimenes

 

 

 

A plateia o aplaudiu de pé. Afinal, tratava-se do homenageado da noite. Com apenas 38 anos, o mineiro radicado no Rio de Janeiro é um dos protagonistas no set list do cinema nacional, dono de personagens inesquecíveis, e agora faz as vezes também de diretor. Foi exatamente isso que Selton Mello sonhou quando integrou a tal plateia do Palácio dos Festivais nos anos 1990. Em agosto, para sua emoção, passou de espectador ao papel principal quando recebeu o prêmio Cidade de Gramado, no 39º Festival de Cinema Brasileiro, das mãos de Paulo José, com quem contracena no filme – que também dirige – O Palhaço, com estreia prevista para 28 de outubro. Não tinha como ser diferente porque, como ele mesmo disse, “não veio a este mundo a passeio”.

 

O longa é o segundo que Selton comanda – o primeiro foi Feliz Natal, em 2008. Após algumas crises com a profissão, a qual chegou a pensar que não havia nascido para exercer, o ator encontrou, definitivamente, seu lugar. Paulo José, seu companheiro de cena e ídolo, concorda com a opção de investir na carreira e ressalta o papel importante que tem nas telonas. “O Selton representa o crescimento do cinema brasileiro. Já fez dublagem, é ator há décadas, atuou em novelas, fez vários filmes, tem grande empatia com o público. Ele está maduro”, sintetiza.

 

A caminhada para chegar ao patamar vislumbrado não começou há apenas duas décadas, em Gramado. Iniciou-se bem antes, quando ele tinha 8 anos de idade, em São Caetano. Selton era uma das inúmeras crianças que faziam parte da equipe de jovens talentos da Tia Irany, responsável pela agência Prytt, e que lançou também Danton Mello, Angélica, Rodrigo Faro e Gugu Liberato.

 

O ator lembra que morava no Brás e, como a agência tinha renome, sua mãe o trouxe para iniciar os trabalhos artísticos. Participou de comerciais, show de calouros, fez dublagem e atuou em novelas. Tia Irany, hoje com 80 anos, divide seu tempo entre a casa no Grande ABC e outra nos Estados Unidos, mas não esqueceu do garoto encantador que o ator era. Do outro lado do oceano, fez questão de falar dele. ”Desde que vi o Selton pela primeira vez notei algo especial. Ainda com 8 anos, era um mineirinho brilhante.”

 

Não à toa, a dama da televisão brasileira Fernanda Montenegro o descreveu como o melhor ator de sua geração. Ele, é claro, ficou lisonjeado com o elogio e revela que o encarou como incentivo, mas não se define como o melhor. Repassa o título, sem receio, ao amigo e ator Wagner Moura, outra referência nacional. “O Wagner é muito melhor que eu. Um grande ator.” Como diria o filósofo chinês Confúcio, a humildade é a única base sólida de todas as virtudes.

 

SELTON, O DIRETOR


Paulo José define como “supertranquila” a direção exercida por Selton. “Ele é uma pessoa simples, não complica e o trabalho flui. Escreve, dirige, atua, edita e ainda chupa cana”, brinca. No longa, Paulo é Puro Sangue, palhaço e pai de Pangaré, interpretado por Selton.

Para o também diretor, uma das maiores qualidades do companheiro é a segurança. Predicado que transparece a olhos vistos. Selton fala com entusiasmo sobre O Palhaço e descreve o filme como luminoso. Trata-se da história de um palhaço que acredita ter perdido a graça e tem dúvidas se está na profissão certa. “Ao longo do filme, ele vai descobrindo a grandeza do que faz e fica em paz com isso. Meu intuito era falar de destino, de vocação, de talento nato. É uma coisa que pode acontecer em qualquer profissão. Qualquer pessoa pode falar: será que devo fazer isso mesmo, será que não devia fazer outra coisa?” Ele escolheu mostrar o conflito na figura de um palhaço.

 

A situação de Pangaré (Benjamim) se assemelha um pouco ao drama que Selton passou há pouco. Mas ele rechaça a ideia de ser autobiográfico, embora admita proximidade de conflitos. Ainda diz não ter certeza de que é ator, mas encontra nos braços do público a estabilidade para seguir o caminho. Para exemplificar, cita certa vez que estava em uma padaria em Florianópolis e uma garotinha o apontou para a mãe dizendo tratar-se do Pedro, da Mulher Invisível (seriado que deve voltar à grade da Rede Globo em novembro). “Que bom, que missão bonita poder emocionar, entreter, divertir, fazer sonhar. Para ela (menina), a única referência que tinha era essa. Já é uma nova geração que começa a curtir meu trabalho.”

 

É por isso que reprova os atores que reclamam da abordagem de fãs para autógrafos e fotos. Atuar é ficar exposto, tornar-se íntimo do espectador. “Acho muito louco uma pessoa que, quando fica bem-sucedida, começa a achar chato. Então por que faz isso? Vai fazer outra coisa. Vai ter uma profissão que não aparece”, aconselha. Ele tem fama de ser sempre acessível e cortês com quem o aborda.

 

MADURO, COM CERTEZA


Selton apareceu pela primeira vez em um programa de show de calouros revelando um de seus tantos dotes artísticos: a música. E não pense que o sucesso o fez esquecer do formato. Até hoje assiste a programações do gênero por achar engraçado. Mas foi na novela Marron Glacé, em 1979, que atuou pela primeira vez. Depois disso, foram mais de 30 trabalhos na televisão – incluindo novelas e séries – e quase o mesmo tanto de filmes, entre eles Garotas do ABC, de 2004, filmado na Companhia Vera Cruz, em São Bernardo.

 

Foi na sétima arte que o ator encontrou seu ninho. “Foi o lugar que escolhi e de uma certa forma fui escolhido”, ressalta. Aproveita e dá argumentos para essa afirmação: fica em êxtase toda vez que entra em um set de filmagem, é apaixonado por  tudo o que tramita em volta desse mundo e é seduzido pela agilidade que um filme tem, já que é feito em dois, três meses no máximo.

 

Para ele, no  entanto, nada supera a oportunidade de perpetuar o trabalho. Sim, porque uma peça é vista, mas não é gravada. A novela geralmente faz sucesso enquanto está no ar. “O cinema é para sempre. Vou estar velho, morto, e outras gerações vão poder ver Meu nome não é Johny, O Cheiro do Ralo, Lisbela e o Prisioneiro, o Auto da Compadecida, O Palhaço... Acho isso lindo.”

 

TUDO TEM SEU VALOR


Questionado sobre se não quer mais fazer novela, not



Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados