Dez anos de terror

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Heloisa Cestari

Foto: Chao Soi Cheong/AP
Ataques de 11 de setembro iniciaram década marcada por medo, intolerância e lutas por democracia. Foto: Chao Soi Cheong/AP

Antes da virada do milênio, 2001 estava predestinado a marcar três importantes celebrações: o Ano Internacional do Voluntário, o Ano do Diálogo Entre as Civilizações e o Ano Internacional da Mobilização contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Todas as Formas de Intolerância. Mas um acontecimento jogou por terra o clima paz e amor idealizado para o início do século 21. No dia 11 de setembro daquele ano, 19 terroristas da Al-Qaeda sequestraram quatro aviões e empreenderam série de ataques suicidas contra os Estados Unidos. O mundo assistiu atônito, pela TV, aos momentos em que duas aeronaves chocaram-se contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York. Considerados o símbolo maior do esplendor econômico norte-americano, os arranha-céus ruíram em chamas. Em duas horas, o mais emblemático centro financeiro do planeta transformou-se em amontoado de escombros, cinzas e corpos humanos. O terceiro avião atingiu o prédio do Pentágono, em Arlington (Virgínia), e o quarto caiu em um campo próximo de Shanksville, na Pensilvânia, depois que passageiros e tripulantes conseguiram assumir o controle do jato e desviá-lo do alvo. Cerca de 3.000 pessoas morreram, e a bandeira branca empunhada pelas nações na virada de ano ganhou rajadas de sangue. A paz mundial virou sonho distante. Cedeu lugar para uma década marcada pelo acirramento da intolerância entre povos, pelo extremismo religioso e o consequente retrocesso das conquistas democráticas.
 
No próximo dia 11, completam-se dez anos da tragédia. Em homenagem às vítimas, o presidente norte-americano Barack Obama e a primeira-dama, Michelle, percorrerão os alvos dos atentados; participarão de solenidades em Nova York, Washington e Pensilvânia; e deverão inaugurar memorial no antigo local das torres gêmeas. A ideia é aproveitar a data e o prestígio recuperado em maio, com a morte de Osama bin Laden, principal mentor dos atentados, para reconquistar a simpatia e os votos da população na eleição presidencial  do ano que vem.

Mas o fato é que a Terra do Tio Sam tem muito pouco a celebrar no retrospecto dos últimos dez anos. Pelo contrário: as investidas do então presidente George W. Bush na declarada Guerra ao Terror mostraram-se desastrosas – econômica, política e humanitariamente. Com a justificativa de lavar a honra das 3.000 vítimas do 11 de setembro, Bush enviou tropas ao Oriente Médio, no que chamou de Cruzada contra o Eixo do Mal, e aniquilou países. Só no Iraque, 4.400 militares norte-americanos perderam a vida e levaram outros 100 mil civis à morte. O motivo alegado por Bush, de que o país estaria produzindo armas de destruição em massa, mostrou-se infundado.

No Afeganistão não foi diferente. “Os afegãos pagaram preço muito alto: o território foi destruído, a economia continua miserável, e a única contribuição que deram para o 11 de setembro foi a de que Bin Laden estava no país naquele momento”, diz o jornalista Luiz Antônio Araujo, autor do livro Binladenistão – Um Repórter Brasileiro na Região Mais Perigosa do Mundo. Para ele, o ataque às torres gêmeas foi cometido, com motivos políticos, por grupos que têm como alvo os governos opressores de países árabes apoiados pelos Estados Unidos. “A Al-Qaeda é formada por terroristas com ideologia religiosa que aprenderam a fazer terror com os Estados Unidos. Tanto que, dos 19 suicidas, 15 eram sauditas e o chefe egípcio.”

Embora a guerra não tenha sido global como afirmou Bush, as consequências foram sentidas no mundo todo. Viajar de avião transformou-se num martírio: o passageiro é revistado dos pés à cabeça, por vezes interrrogado, e não consegue embarcar com nada além do documento. Até papinhas de bebê, pasta de dente ou um simples copo d’água são vistos com suspeita e excluídos da bagagem de mão. “Infelizmente, a maioria prefere reclamar ao invés de entender que isso é para a nossa segurança”, opina a médica Daniella Fairbanks Barbosa, que perdeu o primo – o paulista Ivan Kyrillos Fairbanks Barbosa, 30 anos – no ataque às torres gêmeas.

Ivan trabalhava na corretora Cantor Fitzgerald, que ficava no 105º andar da Torre Norte. Na ocasião, sua mãe, Marilena Kyrillos Fairbanks Barbosa, escreveu uma carta em que dizia: “Deus permita ao menos que essa tragédia ajude a melhorar o mundo”. Infelizmente, não foi isso o que aconteceu na última década.

Sob o guarda-chuva do discurso bélico, Bush cerceou liberdades civis em seu próprio país; alimentou a fogueira da desconfiança contra estrangeiros, especialmente muçulmanos; acobertou ações que feriram os direitos humanos, como as torturas em Abu Ghraib e as prisões ilegais em Guantánamo; e espalhou o clima de terror mundo afora.

A sensação de insegurança se propagou e pôs fim à privacidade. Nos Estados Unidos, agentes da inteligência têm carta branca para grampear ligações telefônicas, invadir e-mails pessoais e quebrar o sigilo bancário de cidadãos comuns, mesmo não havendo evidências que os coloquem sob suspeita. No Reino Unido, a legislação foi alterada para que a polícia pudesse manter possíveis terroristas na prisão por até 28 dias. E até o Brasil autorizou empresas a violarem correspondências a fim de prevenir eventuais ataques biológicos.

Com essas e outras medidas, os Estados Unidos conseguiram dificultar a ação de organizações terroristas, mas não impediram que o terrorismo se propagasse por meio de iniciativas individuais. Em resposta à cruzada ocidental contra o Islã, multiplicou-se o número de fundamentalistas dispostos a morrer e matar. Atentados até então só promovidos por organizações terroristas, como a Al-Qaeda, passaram a ser empreendidos de forma autônoma. Foi assim com os ataques na Tunísia em 2002, no Marrocos (2003) e aos sistemas ferroviários de Madri (2004) e Londres (2005).

Do outro lado da corda, imigrantes muçulmanos sofreram com preconceito, demonstrações de xenofobia e toda forma de intolerância em países do Ocidente. A liberdade de religião cedeu lugar ao fanatismo. “Vivemos dez anos em que voltamos a discutir temas como charges sobre o profet



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