Escravos da tecnologia

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Miriam Gimenes

Foto: Celso Luiz
Lucas Buarim, apaixonado por tecnologia, fez o avô de 82 anos entrar no mundo high-tech. Foto: Celso Luiz

O despertador toca e Fábio o desliga. São 7h de mais um dia de trabalho. Sem sequer lavar o rosto, ele puxa seus e-mails pelo aparelho que o acordou, na verdade o seu inseparável iPhone 4, comprado há pouco. Entre tomar banho e fazer o desjejum, o rapaz confere mais uma vez sua caixa de entrada. Segue para o trabalho e, durante o trajeto, fala com alguém por viva voz. Ao longo do dia verifica as mensagens, acessa redes sociais e, após o expediente, volta para o lar conversando por intermédio do seu melhor amigo da Apple. Ao chegar em casa, liga um de seus três laptops, toma banho, troca de roupa e descansa, em frente à televisão, com o computador a tiracolo. Só se separam quando Fábio vai dormir, tarde da noite. Isso quando o seu companheiro não continua ligado, baixando arquivos. Esta via-sacra é vivida diariamente pelo clínico-geral Fábio Collacico, 29 anos, de São Paulo, mas, certamente, reproduz a vida de milhares de brasileiros.

Em tempos que tablets, smartphones, notebooks, aparelhos 3D e iPads aparecem em quase todos informes publicitários da mídia, é impossível ficar imune às inovações tecnológicas. “O celular é uma extensão do meu corpo, sem ele fico sem vida”, desabafa o médico que, além do iPhone, carrega outro aparelho de telefonia. Tal sintonia não existia há pelo menos duas décadas, quando o primeiro celular era chamado de tijolo e custava muito mais do que o brasileiro poderia pagar. Passados alguns anos e com muitos gramas a menos, o aparelho trouxe diversos benefícios para os consumidores. O resultado? Tornou-se indispensável no dia a dia. Não à toa, recente pesquisa feita pela Accenture apontou que, se comparado a oito países, o brasileiro é o que mais possui telefone móvel – 89% dos entrevistados.

É claro que a tecnologia encurtou caminhos. Com ela é possível saber das notícias em tempo real, não é mais necessário mandar cartas para se comunicar com um parente distante ou gastar com fichas telefônicas para utilizar o orelhão. Mas também nos sentimos obrigados – já que temos celular – a atender a ligação do chefe, do marido (mulher)
ou da mãe. Você pode ser localizado em qualquer lugar onde esteja.

No último trimestre, aponta  pesquisa da IDC Brasil, o País assumiu o terceiro lugar no ranking mundial do mercado de PCs: ficou atrás da China e dos Estados Unidos. Só que o uso contínuo e incessante desses aparelhos pode fazer com que o internauta ou geek (termo usado para viciados em tecnologia) passe a confundir o mundo real com o virtual, uma simbiose preocupante. O que leva a crer que o seriado The Jetsons, em que havia carros voadores, cidades suspensas, robôs quase humanos e aparelhos incríveis, ao invés de simples sátira infantil, antecipou lá nos idos da década de 1960 o que poderia ser o futuro da humanidade.


DEPENDÊNCIA ELETRÔNICA

A falta de tempo faz com que as pessoas se encontrem cada vez menos pessoalmente. O que não quer dizer que não se falem. Ferramentas como Facebook, Twitter e Orkut aproximaram até aqueles que não se viam há muito. A dependência eletrônica, no entanto, pode desenvolver espécie de fobia social. Fábio Collacico reconhece que conversa muito por meio de celular, rede social e e-mail. “Às vezes, os amigos reclamam quando estou em um barzinho, por exemplo, e desligo do mundo real para ficar no virtual.”

A parceria que firmou com os aparelhos eletrônicos, no entanto, não o incomoda. Embora tenha comprado há pouco o celular mais famoso da Apple, já está de olho no próximo a ser lançado em outubro. E não é só ele: um inglês, de 29 anos, já prepara acampamento em frente à loja da marca em Convert Garden, em Londres, para garantir o seu. Para tanto, tem pedido ajuda de custo para ficar na fila durante um mês e conquistou financiadores de sua causa.

Fábio, certamente, não faria loucura igual, mas pelo menos uma vez por semana entra no site de uma loja de eletrônicos para ver as novidades. Ele é do tipo que leva o notebook para onde vai – inclusive em viagens de lazer – e não admite, em pleno ano de 2011, a internet banda larga ficar sem rede. Ansiedade e irritação são alguns dos sintomas que o acometem nessas situações.

Ele não está sozinho. Segundo Edmilson Felipe da Silva, antropólogo da PUC, benefícios e malefícios da tecnologia andam lado a lado. Ao passo que facilitam obrigações diárias como o pagamento de contas, criam tal dependência que faz com que o usuário acesse dezenas de vezes o e-mail para verificar mensagens. Tudo isso fomentado pelo mercado consumidor, que incentiva o uso de aparelhos altamente desenvolvidos. “Temos uma sociedade menos produtora e mais consumista. Antes tínhamos que trabalhar por muito tempo para juntar dinheiro e comprar um aparelho e agora, com a facilidade de crédito, compramos a qualquer hora”, analisa, sentenciando tratar-se de um fenômeno irreversível. “Não dá para dizer que a pessoa não vai usar aparelhos tecnológicos, porque já está inserida neste cenário.”

Pessoas com idade entre 18 e 45 anos são as que mais consomem esses produtos, segundo pesquisa da Accenture. “Os de maior custo, como TV de alta definição, tende a se destacar nas faixas após 25 anos, enquanto produtos novos de música e jogos atraem os mais jovens”, acrescenta Gustavo Pizzo, executivo sênior da pesquisadora. Os geeks brasileiros também não poupam a conta bancária: gastam, ao ano, de R$ 800 a R$ 2.400 com aparelhos de última geração.

 

Foto: Celso Luiz
Cada vez mais conectados,é impossível imaginar como sobrevivíamos sem os hoje indispensáveis aparelhos high-tech. Foto: Celso Luiz

CORRIDA CONTRA O TEMPO

Na mesma proporção em que o mercado cresce na velocidade da luz, a tecnologia torna-se volátil. E quem acompanha isso fica sempre com a sensação de atraso. É o que acon



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