O público precisa ser mais dono do seu olhar

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Miriam Gimenes

A atriz Dira Paes, que está no ar na novela ‘Verão 90’, diz que a dramaturgia tem como função informare não apenas entreter; cabe ao expectador digerir o que  recebe e reverberar na sociedade. 

 

Dira Paes pode opinar. Dona de uma carreira com mais de três décadas, a atriz  – que há dois anos é comentarista do Oscar na Rede Globo – tem know how para saber do que o público precisa. Formada em filosofia e artes cênicas pela Unirio, a paraense, que está no ar como Janaína Guerreiro, em Verão 90, diz que escolheu a arte como profissão porque trata-se de uma arma poderosa para sociedade. “As novelas têm um poder transformador, de informar. Assim como tem também algumas pessoas que ficam passivas em frente da televisão e não absorvem as entrelinhas de uma informação. Acho que o público precisa ser mais dono do seu olhar e, com isso, as novelas sempre procuram informar de alguma maneira, optam por uma causa e tentam discuti-la diante do público e acho que isso é saudável”, avalia a atriz. Para ela, esta é uma maneira não só de agregar ao indivíduo, como para sociedade como um todo. 

Ela diz isso porque sempre trabalhou em textos que tentam, de alguma forma, auxiliar no olhar do espectador. Desde que estreou na televisão, em meados da década de 1980, Dira galgou personagens fortes – também no cinema e teatro –, que retratam a realidade da mulher brasileira. Esta última, que há pouco estreou na faixa das 19h, tem sido um desafio especial, por se tratar de uma mãe batalhadora, que não mede esforços para conseguir o bem-estar dos filhos, Jerônimo (Jesuíta Barbosa) e João (Rafael Vitti). Janaína, que vive, como o nome da novela diz, na década de 1990, é uma precursora do perfil da mulher que vemos agora, no século XXI.  

E, apesar de ela ter dado o mesmo tipo de criação para os dois, João e Jerônimo tornaram-se pessoas de temperamentos bem diferentes. Sua grande preocupação é Jerônimo. Desde pequeno ele dava indícios de ser problemático. Janaína tinha esperança de que, com o tempo, ele encontrasse seu rumo, mas os anos passaram e não houve progresso.  E, sem uma ocupação definida, o filho mais velho não estudou, vive metido em encrencas e com uma turma praticou roubos pela cidade. Agora, ostenta como se fosse rico. 

Dira empresta a Janaína a experiência que tem por ser também mãe de dois meninos  – os pequenos Inácio e Martim. E entende o fato de Janaína ter os olhos voltados ao que é dito mais problemático. “Você direciona sua energia para quem aparentemente pede mais, te solicita mais e para quem você vê mais fragilidade. Você acaba criando dois pesos e duas medidas. No caso da Janaína ela estava tentando dar o  melhor dela e talvez assim ela tenha prejudicado o filho”, analisa. 

Em casa a atriz também se desdobra para conseguir dar atenção aos filhos. “Me sinto uma mãe que tenta se dividir e o meu grande desafio é conseguir equilibrar meu tempo entre meu trabalho e a minha casa. Mas tento criar meus filhos com os pés no chão. Sempre ensinando eles a ouvir o coração, o sentimento deles, permitindo que percebam o que lhes faz feliz.” Para ela, é um grande desafio criar filhos nos dias de hoje. “As coisas, ao mesmo tempo que ganharam facilidade, criaram muitas dificuldades. O grande desafio é manter a emoção e a racionalidade em equilíbrio, mas aprender a se ouvir, acima de tudo”, acrescenta. Dira, que tem 59 anos, quis muito ser mãe. Conseguiu realizar o sonho aos 38 e, tempos depois, após fazer fertilização in vitro, conseguiu engravidar do segundo filho.

DIFERENÇA

E qual a diferença da Dira dos anos 1990 para a de hoje? “Eu era uma jovem que já fazia cinema e quando vi o final da Embrafilme, a Empresa Brasileira de Filmes, acabar, eu me direcionei para outros caminhos e foi a melhor coisa que fiz. Cursei faculdade na Unirio, fiz bacharelado em artes cênicas, me formei em francês, procurei estudar e comecei a fazer teatro. Tive um olhar bem maduro sobre mim mesma e consegui dar continuidade ao meu trabalho. Com a retomada do cinema brasileiro tudo se estabeleceu além do que eu havia esperado. Acho que fui muito feliz na década de 1990”, analisa. 

De lá para cá, Dira encarou papéis importantes na televisão e no cinema. Entre os destaques está a Solineuza,  que encarou durante quatro temporadas no seriado A Diarista, onde mostrou seu talento cômico. Neste meio-tempo participou do sucesso de bilheteria no cinema 2 Filhos de Francisco, em que interpretou Helena, a mãe da dupla Zezé Di Camargo e Luciano.  Em 2009, fez a assanhada Norminha, de Caminho das Índias, que, com seus trejeitos e carregada pelo hit ‘você não vale nada, mas eu gosto de você’, ganhou o público. 

Dois anos depois, com a Celeste, de Fina Estampa, mostrou a realidade de muitas mulheres que sofrem violência doméstica, algo que está cada vez mais em voga na sociedade. A personagem apanhava do marido, Baltazar (Alexandre Nero), mas conseguiu se desvencilhar do relacionamento abusivo e deu a volta por cima. Em 2012 fez a batalhadora Lucimar, em Salve Jorge, que era mãe da personagem Morena (Nanda Rocha), a protagonista da trama. Há pouco encarou o desafio de ser uma professora que lutava pela sua comunidade, a Beatriz, de Velho Chico. 

São tantas na lista que fica difícil escolher qual mais a tocou, nestas três décadas de carreira. “São muitos personagens, muito afeto envolvido. Mas eu sei que tem vários personagens que o público, que sempre volta para me dizer que gosta, e é assim, através do público acabo relembrando de muitos personagens e  fico muito feliz quando alguém me aborda para falar de um personagem. Isso me traz muita felicidade.”

A sua proximidade com o cinema também a deixa muito feliz em ter comentado, mais uma vez, o Oscar. “Para mim é uma honra opinar sobre um assunto que é meu prazer e minha profissão ao mesmo tempo”, comemora. E por falar em filmes, ainda este ano ela estará em três produções. Entre elas estão Divino Amor, de Gabriel Mascaro – que foi apresentado no Festival de Berlim – , o longa Veneza, de Miguel Falabella. e Pureza, de Renato Barbieri. 

E qual o seu sonho no momento? “Um mundo com mais igualdade de oportunidades, com mais equidade. É muito difícil ser feliz sozinho quando você olha em volta e vê muita tristeza, violência, preconceito, racismo, homofobia, misoginia. É complicado conviver dentro de uma bolha e não tentar mudar o seu entorno. Meu sonho, sem dúvida nenhuma, é ver o mundo melhor e, sobretudo, um Brasil mais feliz”, finaliza.  Não à toa Dira é uma das dirigentes do Movimento Humanos Direitos, organização não governamental formada por artistas brasileiros que tem como propósito defender os direitos humanos no Brasil.




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