Alma Desbravadora

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Miriam Gimenes

Foto: Nário Barbosa
Alessandro Segato saiu da Itália aos 14 anos para explorar o mundo e foi fisgado pelo Brasil. Foto: Nário Barbosa

Pelo menos por quatro vezes durante mais de uma hora de entrevista, o chef italiano Alessandro Segato, 37, pronunciou a palavra desbravar. Não se trata de vício de linguagem ou deficiência de vocabulário por ser estrangeiro. Quem tem a oportunidade de conhecê-lo melhor percebe que a palavra, ou a definição dela, está implícita em sua alma. Essa certeza é ratificada ao pesquisar no dicionário o termo, ramificado em alguns sinônimos: fazer amansar; livrar-se de obstruções; explorar lugares desconhecidos; vencer obstáculos e, finalmente, pôr o terreno em condições de ser cultivado. Feito isso, é só acompanhar a sua história e tirar suas conclusões.

Quando ainda nas barras das saias de sua mãe e de sua avó, como ele mesmo conta, ganhou o gosto pela gastronomia e aprendeu os segredos para fazer a deliciosa pasta. Como toda tradicional família italiana de Rovigo, o clã Segato preparava seus  alimentos (leia-se ingredientes). Cada época do ano era tempo de fabricar algo: em setembro, colhia-se as azeitonas para o azeite; em outubro, as uvas que viravam vinho; em dezembro, matava-se os suínos para fabricar os frios que duravam o ano todo, e assim por diante. “A grande sorte foi ter nascido em um lugar onde se respirava gastronomia. Consegui educar meu paladar de forma diferente”, comemora Alessandro.

O pai, que era industrial, pedia exaustivamente que o jovem estudasse administração. Alessandro respondeu negativamente às investidas paternas porque queria traçar seu caminho, de preferência mais perto das panelas do que dos escritórios. “Sempre fui muito determinado, tanto que saí de casa com 14 anos. Fui morar na França, um pouco na Suíça e um tempão em Munique, na Alemanha”, revela, mostrando que o item explorar lugares desconhecidos foi o primeiro a aflorar.

Na Alemanha, fez curso de idiomas – ele tem facilidade para aprender outras línguas, vide seu português quase sem sotaque italiano – e aprendeu a ser extremamente regrado. Às vezes até em excesso, o que o levou a ganhar a alcunha de Coxinha da mulher, a artista plástica Fernanda Abdalla, 39 anos. “Ele é todo certinho, todo perfeitinho...”, define.

Foi em solo alemão que ele recebeu o telefonema que mudou sua vida: o restaurateur Rogério Fasano o convidou para vir a uma terra onde nunca havia imaginado pisar para chefiar um dos restaurantes mais importantes do País, o Gero.

O italiano, que achou que Rogério “estava ficando louco” porque eles nem se conheciam pessoalmente – o convite foi feito por indicação –, pensou rápido e, antevendo um mercado promissor, usou o mês de férias que tinha guardado e aceitou o convite. Hoje, após 16 anos dessa decisão, ele ainda se diz italiano, “com muito orgulho”, mas admite que também era brasileiro e não sabia. O Brasil virou, definitivamente, sua casa e o lugar onde ele conseguiu consolidar sua alma desbravadora.


FISGADO PELO OLODUM

Alessandro elenca três motivos que o fizeram ficar no Brasil. O primeiro é o jeito de ser de nós, brasileiros, que é muito parecido com o dele. O italiano vislumbrou o mercado promissor e, por ser estrangeiro, diferente do que ocorre na Europa, não foi visto como invasor, mas aliado.  O terceiro motivo foi quando cruzou com 400 integrantes do Olodum entoando contagiantes batuques ladeira abaixo durante o pôr do sol no Pelourinho (BA). “Pensei: ‘é aqui que quero ficar’”, lembra, acrescentando que o brasileiro conquista porque, independentemente de ter R$ 1 ou R$ 1 milhão no bolso, é um povo feliz e solidário. Para ele, que vinha de um lugar de pessoas austeras e “certinhas”, isso lhe tocou o coração.

Mas a adaptação não foi fácil. O chef lembra que nos três primeiros meses pensou em ir embora. É que à época em que pisou o solo brasileiro os motoqueiros não usavam capacete, motoristas não eram obrigados por lei a colocar cinto de segurança e poucos respeitavam as cores do semáforo. Achou que estava em meio a selva. Além disso, quando trabalhava na Alemanha, com dois telefonemas resolvia o seu dia. Aqui, mesmo pedindo tudo certinho, por diversas vezes recebia produtos errados.

A matéria-prima para preparação de pratos era escassa. Como havia pouco tempo que o mercado havia sido aberto para importação pelo governo Collor (início da década de 1990) e acabava de mudar a moeda para Real, tudo ficava mais difícil. “Aspargos eram ouro.” Como vencer desafios e obstáculos nunca foi problema para ele, contornou esse período turbulento e acostumou-se com o modus operandi brasileiro. Apaixonou-se não só pelo País, mas também pelo pão de queijo mineiro, pela mandioquinha e pela cozinha caseira.

 

Foto: Nário Barbosa
Alessandro Segato: fome de conquistas o trouxe para o Brasil. Foto: Nário Barbosa

UMA COMPANHEIRA

A paixão pela cozinha caseira, no entanto, não abalou o amor por aquela que o levou a ganhar a primeira estrela no Guia Michelin (o mais respeitado do mundo): a alta gastronomia. Ela, para Alessandro, é uma grande companheira. “É um bicho a ser domado, desvendado, muito sofrido, mas muito gratificante para quem tem paixão.” Sofrido porque um chef chega a trabalhar 16 horas por dia. Quando participa de eventos, mal consegue dormir. E tem sempre de estar se atualizando. Mas que profissão não exige isso?

Não obstante, os clientes tornaram-se mais exigentes e com mais interesse em gastronomia diferenciada. “Isso faz com que as pessoas saibam o que estão comendo e exijam qualidade. Para mim é ótimo”, reflete, acrescentando que essa realidade foi consolidada, principalmente, nos últimos anos porque, quando chegou aqui, muita gente “comia gato por lebre”.

Questionado se a população brasileira tem poder aquisitivo que comporte a alta gastronomia – alguns pratos chegam a custar em torno de R$ 100 –, Alexandre rebate com o argumento de que em um lugar onde, por exemplo, um iPad tem preço altíssimo se co



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