Operário da notícia

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Miriam Gimenes

Foto: TV Globo/Divulgação
Edney e seu ídolo José Saramago. Foto: TV Globo / Divulgação

“Não tenho mais vida pessoal, não me sobra tempo para mais nada. (...) Quando posso, me comunico por e-mail com a família e amigos. Escrevo, vez por outra, curtas mensagens coletivas, apenas para dizer que estou bem, que vamos indo, tocando. São os únicos momentos em que me permito me afastar da ‘distância jornalística’ dos acontecimentos de que sou testemunha.”

O depoimento em tom de desabafo é apenas um trecho da crônica emocionante escrita pelo jornalista Edney Silvestre em outubro de 2001 e faz parte do livro Outros Tempos, composto de flashbacks do que era a cidade de Nova York antes e durante o maior atentado terrorista da história.

A entrega à cobertura foi tanta  que ninguém melhor do que o primeiro jornalista brasileiro a chegar nas Torres Gêmeas naquele trágico dia para dizer o que representa a morte de Osama bin Laden, no início do mês passado, para os norte-americanos. Edney, 61 anos, assistiu, de camarote, as lágrimas que escorriam em milhares de mães de vítimas do atentado, em bombeiros aposentados procurando os filhos, também bombeiros que perderam a vida nos escombros e viraram heróis, e sentiu, por muito tempo, o cheiro da fumaça que saía do Ponto Zero e inebriou durante meses os ares nova-iorquinos. “Essa dor nunca vai ser aliviada”, sentencia.

O episódio foi só mais um a acrescentar o currículo do jornalista que, por mais de uma década, ficou fora do País como correspondente internacional. Várias vezes teve de abdicar de vontades pessoais em detrimento às profissionais – inclusive ter um cachorro, o que adora. Chegou a acordar em um hotel e não se lembrar de onde estava, de tantas viagens que fazia. Mas não se arrepende nem por um segundo da opção.

O garoto de origem humilde, cujo pai era o dono de um armazém e a mãe, operária de uma fábrica de tecidos, nunca imaginou, como conta emocionado, que um dia estaria frente a frente com um de seus ídolos, o prêmio Nobel de Literatura José Saramago. “Fiquei em êxtase”, lembra. Apaixonado por literatura, ganhou gosto pelos livros ainda  pequeno, em razão de uma anemia profunda que o impedia de sair de casa. Ao invés de brincar, devorava livros no quarto e na biblioteca de Valença, cidade do interior do Rio, onde nasceu. Quando adolescente, foi estudar na capital e iniciou a faculdade de História, que teve de ser trancada por falta de dinheiro.

Começou a arriscar suas palavras na revista Manchete e, em seguida,  para O Cruzeiro, onde foi demitido por uma matéria que incomodou os militares. O jeito foi engrenar no ramo da Publicidade – onde atuou por dez anos – até ser convidado para ser correspondente do jornal O Globo, migrando para a TV Globo. A timidez, obstáculo no início, foi sublimada pela voz imponente – herdada do pai, que gostava de cantar – e Edney passou ileso à transição. 

Em paralelo à carreira jornalística, iniciou-se como escritor, e, com o seu mais recente título, Se eu Fechar os Olhos Agora, abocanhou o Prêmio Jabuti de melhor romance em 2010 ficando a um passo de ganhar como o livro do ano. Perdeu para Leite Derramado, de Chico Buarque, segundo lugar de melhor romance, ou seja, vice de sua obra, o que rendeu polêmica e tanto. Edney adorou a repercussão, só pelo fato de a literatura ter voltado a ser discutida no País. Para ele, amante das letras, foi um grande troféu.

Há quase dez anos aterrissou definitivamente em solo brasileiro, onde apresenta Espaço Aberto Literatura, na Globo News, faz matérias especiais para a Rede Globo  e “sente-se muito à vontade”. Mas também não descarta a possibilidade de voltar a ser correspondente porque, afinal de contas, estamos falando de um operário da notícia, como ele mesmo se define.

Foto: Vera Jordan
Edney Silvestre foi o primeiro jornalista brasileiro a chegar no World Trade Center em 11 de setembro de 2001, mas seu legado não se resume a este episódio. Ele tem muito mais para contar. Foto: Vera Jordan

DIA-A-DIA – Maio deve ter sido o mês de grandes emoções para você que acompanhou a caça ao terrorista Osama bin Laden. O que pensou quando soube da sua morte?

EDNEY SILVESTRE –
Estava fazendo a última checagem da noite pelos canais de notícias quando dei de cara com o aviso da CNN que o presidente norte-americano falaria em seguida sobre a morte de Bin Laden. Pensei: Foram dez anos até que o pegaram; quanta dor para as famílias e amigos dos 3.000 mortos nos atentados do 11 de setembro, mais a dos outros amigos e familiares dos assassinados pela Al-Qaeda na África, na Europa, em todo o mundo. Essa dor nunca vai ser aliviada.  Morreu o terrorista, violentamente, como seria de se esperar,  mas as vidas que ele tirou, os filhos que ele deixou sem pai ou sem mãe, as mães que ficaram sem seus filhos, os avós e pais, tios e primos, maridos e mulheres que perderam de forma tão sangrenta seus entes queridos, para esses a morte do terrorista não trará de volta o que perderam.
 

DIA-A-DIA – Barack Obama tem sido criticado por conta da morte de Bin Laden. Você concorda? Isso ofusca a imagem que o levou a ganhar o prêmio Nobel da Paz em 2009?


EDNEY
– Barack Obama é o presidente dos Estados Unidos. Ele defende os interesses do país mais poderoso do planeta. Ingênuos foram os que achavam que, por ter a pele mais escura, ele seria diferente de seus antecessores. Obama nem havia passado um ano no cargo, tinha concordado com o aumento de tropas norte-americanas no Afeganistão e no Iraque, e deram o Nobel da Paz para ele. Faz sentido? Tive a impressão que até ele ficou constrangido com o prêmio.   
 

DIA-A-DIA – Acredita que ele tenha tido a iniciativa de autorizar o ataque ao palácio de Osama porque, no próximo ano, concorrerá novamente à presidência? 


EDNEY – O que decide uma eleição é a economia. Mais do que se eleger, Barack Obama foi eleito pela incompetência de seu antecessor. Se a economia no



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