Pai da imaginação

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Fernandes

Cartunista mais famoso e premiado do País chega aos 82 anos encarando a vida com o olhar de uma criança: é dessa forma, e usando a criatividade, que ele conversa com os pequenos há seis décadas.

Mauricio de Sousa, 82 anos, o quadrinista mais famoso e premiado do Brasil, sempre foi muito tímido. Alfabetizado aos 5 anos, lendo gibis, ele ‘ganhava a vida’ na pele de outros personagens, dando asas à criatividade. Quando começou a trabalhar como repórter policial na Folha da Manhã usava como artifício a fantasia do detetive Dick Tracy, criado pelo cartunista norte-americano Chester Gould em 1931, de quem era fã. Na 'pele' dele, vencia a timidez. E pelo menos há seis décadas, por meio de seus personagens, oferece a mesma fantasia a milhares de crianças. Nas páginas dos seus gibis, os pequenos podem imaginar, sonhar e, por que não, até voar. Por isso, pode-se dizer que, além de pai da Turma da Mônica, também é progenitor da imaginação. “Tem que incorporar o personagem, senão não sai direito!”, sentencia.

E, ao analisar sua trajetória, essa foi uma prática constante em sua vida. Ainda que trabalhe nos bastidores de suas produções, já que passou o bastão para sua filha Marina – que comanda toda a equipe, a qual ele diz ser sua sucessora –, ele nunca titubeou em se colocar dentro da história. Em alguns quadrinhos até mesmo na pele de Mauricio. ”Quando desenhava o Bidu eu era o cachorrinho, pensava como ele. Fui o homem das cavernas na pele do Piteco, baixava a Mônica quando desenhava a Mônica...” E ele tem um carinho especial pelo Horácio, que dizem que é o seu alter ego, afirmação que ele não nega. Confessa se identificar com ele. Mas, em uma análise mais apurada, não detém os braços curtos do personagem. Desde jovem Mauricio é trabalhador obstinado, perseverante, laborioso e incansável.

Não fosse isso não teria construído um império. A MSP (Maurício de Sousa Produções é uma empresa que produz história em quadrinhos no Brasil há mais de 59 anos e detém 80% do mercado. Na área editorial, já lançou mais de 400 títulos até hoje. A companhia é responsável pela criação de 400 personagens, que venderam mais 1,2 bilhão de revistas, responsáveis pela alfabetização informal de milhões de brasileiros. A MSP investe em tradição com inovação e produz conteúdos disponíveis em várias plataformas com a mais alta tecnologia, aliando educação, cultura e entretenimento. No licenciamento, a produtora trabalha com uma média de 150 empresas, que utilizam seus personagens em mais de 3.000 produtos. Maurício diz ficar satisfeito com a longevidade de sua marca e pelo fato de sentir-se um pouquinho responsável pelo ensino das crianças em todo o mundo. “As nossas revistas são como cartilha de alfabetização, depois do gibi vem o livro”, analisa.

E neles não tem quem não tenha conhecido a Mônica, a menina baixinha, gordinha e dentuça e com uma força fora do comum; a Marina, com seus cabelos cacheados, talentosa e inteligente; a Magali, a comilona que adora melancia, e Mauro.

E eles foram criados a partir dos filhos de verdade: Mariangela, Maurício Spada, Vanda, Valéria, Mauricio Takeda e Marcelo. Seus dez rebentos, unindo os personagens e os de sangue, juntaram-se ao cachorrinho azul Bidu – seu primeiro personagem criado e que 'tomou vida, em um cão preto que circula pela MSP, que ganhou mesmo nome –, ao homem das cavernas Piteco, ao dinossauro Horácio e outras centenas de criações, e que desde meados dos anos 1950 vêm contribuindo para formar os jovens.

ALTOS E BAIXOS

Com o passar do tempo, ganhando e perdendo mercado, Mauricio construiu seu exército. Confiante e com o uso da imaginação, sempre acreditou em todo o sucesso que viria, diz que este era seu projeto de vida. “No início foi dificílimo, mas sabia que ia acontecer e continua acontecendo.” Lembra, sem ressentimentos, do episódio em que levou alguns de seus quadrinhos de terror para o quadrinista Jayme Cortez (1926-1987) e eles não foram aceitos. “Ele disse: 'Você não é aquele gajo que desenha tirinhas daquele cãozinho (Bidu)? Por que me traz essa merda?” O incentivou a continuar no traço infantil e não investir no terror. Depois do toque do artista, a quem é muito grato, no fim da década de 1970, Maurício, já consolidado, o contratou como diretor de merchandising e animação de sua empresa.

O cartunista também acompanhou a mudança de gerações ao longo dos anos. Quando a Turma da Mônica já parecia infantil para o público que crescia, criou a Turma da Mônica Jovem. Para adaptar-se à linguagem da internet, gerou também a Monica Toy. “A Monica Toy, filme de um minuto, é uma nova versão das tirinhas de jornal, com 8 bilhões de visitas no canal do YouTube. Está varando o mundo, e o segundo País que mais compra depois do Brasil é a Rússia. Terceiro é o México, seguido de Japão e Estados Unidos.” O sucesso no país da Copa do Mundo deste ano, em suas palavras, é surpreendente.

E por falar em futebol, o cartunista também tratou de fazer seus personagens bons de bola. Além de Pelezinho, Dieguito, Ronaldinho Gaúcho (seu maior sucesso), há pouco fez Neymar Jr., o craque do momento. Tanto que a Nickelodeon acaba de estrear animação inspirada nele e, no dia 17 de maio, a MSP e a Editora Panini lançaram a Turma da Mônica – Todas as Copas do Mundo, desde 1930, publicação que, por meio de histórias divertidas, mostra os personagens Cebolinha, Mônica, Magali, Cascão, entre outros envolvidos com as aventuras dos campeonatos. O título traz novidades e curiosidades sobre a modalidade.

CRIANÇA

O Diário, ressalta o cartunista, está inserido há tempos na sua história, mais precisamente desde os anos 1960. Mauricio sempre contribuiu para o suplemento semanal infantil, o Diarinho. “Além disso, no começo da minha carreira eu rodava o jornal infantil colorido na gráfica do Diário. Os pegava com minha Kombi e distribuía os exemplares pelo Brasil”, lembra. E foi nestas páginas e em outras inúmeras publicações que ele sempre manteve o foco na criança, em seu olhar inocente, apurado e sempre esperto. “Quando estou desenhando eu imagino uma criança e faço para ela apenas. Sempre é um jovem de 13, 14 anos, que hoje tem a esperteza e muita informação. Se escrevo para este jovem, escrevo para todo mundo”, diz.

É claro que, além do perfil dessas crianças, ele teve de se adaptar também às regras dos tempos. Quando começou, a história do politicamente correto não era algo que se conversava, havia mais liberdade, os personagens não tinham amarras. E como lida com isso hoje? “Com raiva muitas vezes. As boas ideias são engessadas por causa de alguns preconceitos que o pessoal inventou a partir de alguns anos para cá. Em alguns momentos eu mando às favas e a gente desobedece o politicamente correto”, confessa. Mas, ao longo do tempo, o Cebolinha, por exemplo, que costumava pichar muros, extinguiu a prática.

Guarda, em seu íntimo, um único sonho: continuar trabalhando. Dono de uma agenda atribuladíssima, ainda que não use mais diariamente a ponta do lápis, tudo que é feito em seu nome tem sua marca. Por isso, quando olha para trás e vê tudo que construiu – ainda que tenha recebido inúmeros 'nãos' ao longo do caminho – sente-se pleno. “É como se fosse uma coleção de obras de arte que guardo no museu da minha memória. Adoro passear por ele e recordar tudo que passei. Vejo com orgulho os quadros da minha vida, que me ajudaram a chegar até aqui, e ver que eles ainda continuam influenciando.”

Em sua 'pinacoteca particular', a história será longeva. “Já faz 50 anos (que começou suas criações) e as coisas andaram evoluindo. A tecnologia é fundamental na atualidade, as ferramentas mudam, mas o Cebolinha será sempre o Cebolinha e a Mônica será sempre a Mônica. A única coisa que muda são as plataformas de comunicações”, prevê. Se a personagem dentuça chegou aos 50 com um corpinho de 10, ficará, portanto, muito bem quando estiver centenária. Assim esperamos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




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