Deixei ele voar

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Miriam Gimenes

Quando Cristiano Ronaldo tinha 12 anos, arrumou as malas, criou coragem e foi atrás do seu sonho: ser jogador de futebol. O garoto, que morava em Santo Antônio, bairro mais pobre da Ilha da Madeira, em Portugal, partiu carregando com ele na bagagem a história parecida com a de muitos outros garotos locais – cheia de dificuldades, diga-se –, mas que não o impediu de aportar em Lisboa e iniciar, assim, uma das mais promissoras carreiras no futebol.

Nada disso seria possível, no entanto, se não tivesse com ele o seu maior portoseguro: a mãe, a cozinheira Dolores Aveiro. “Custou-me muito ir lá deixá-lo (no aeroporto) e voltar para trás. Mas valeu a pena porque era aquilo que Ronaldo queria. Deixei ele voar e sinto-me feliz de ver onde ele está”, recorda-se, orgulhosa.

Eu também ficaria. De lá para cá o craque camisa 7 do Real Madrid já ganhou cinco vezes a Bola de Ouro, premiação dada ao melhor jogador do mundo e, na última semana, levantou o troféu da Champions League, este também pela quinta vez. “Nunca esperei que ele chegasse a ser o melhor jogador do mundo, mas sabia que ele tinha dom para aquilo. Conseguiu tudo isso com muito trabalho, muito esforço e sempre pensando na família.”

Exemplo seguido da mãe, vale dizer. Dolores casou-se bem nova, com 16 anos, com Dinis Aveiro (morto em 2005). Os três primeiros filhos (Kátia, Hugo e Elma) vieram um em seguida do outro e, neste meio-tempo, não teve muito a ajuda do marido para criá-los. Era um tanto ausente. “Meu pai foi para a guerra de Ultramar (1961-1974) e, quando voltou, estava meio traumatizado”, lembra Kátia Aveiro, irmã de Cristiano. “Ele não era um pai ruim para nós, mas não a ajudava muito”, acrescenta.

Dolores se desdobrava para sustentá-los e, por conta da escassez financeira, eram inúmeras as dificuldades. “Muitas pessoas viviam em situação precária e nós éramos apenas mais uma família humilde da Ilha”, lembra Kátia. Os Aveiro moravam em uma casa de blocos de madeira e tijolos, sem pintura, com telhado de zinco e paredes cobertas por placas de metal. A torcida era sempre para não chover.

E como o destino prega surpresas, a da família chegou em forma de uma gravidez. Dolores, quando teve a confirmação da quarta gestação, ficou desesperada. “Quando minha mãe ficou grávida do Ronaldo pensou: ‘Meu marido não é capaz de ajudar mais, o que vou fazer com mais um filho?’ Como ela, muitas mulheres tentavam interromper a gravidez.” Tentou aborto com receitas naturais e tomou chás e cerveja quente, mas esse não era o desfecho que seu destino queria. Foi ao médico, estava muito aflita. Próximo da família, conversou com ela e a convenceu que tinha força e coragem para criar mais um. “Foi uma batalha para ela, porque teve de aceitar aquele filho. Mas quando Ronaldo chegou foi como se fosse um menino Jesus, uma prenda. Veio para iluminar a nossa vida. Foi uma alegria para a nossa casa, até nosso pai mudou”, lembra Kátia.

Dolores lembra condoída dos dissabores da vida e de um dia ter cogitado em não ter o filho. Por isso, pensou em contar este e outros pormenores no livro recém-lançado aqui no Brasil, o Mãe Coragem (Pontes, R$ 49,90, em média). A sua ideia foi mostrar que nem mesmo as dificuldades devem ser empecilho na vida, inclusive para levar uma gravidez até o fim. “Tive a ideia depois de uma amiga que tinha perdido um filho. Percebi a dor dela. Eu tinha três filhos e quando fiquei grávida do quarto tentei abortar. Queria aconselhar a todas as mulheres a não fazerem isso, porque a gente nunca sabe o que o futuro nos guarda. E esse filho foi uma estrela que iluminou as nossas vidas. Acho que fui uma mulher de coragem. Quero dizer a todas que têm dois braços, duas pernas, que lutem e que a coisa mais bela que temos nas nossas vida são os nossos filhos.”

Ainda com privações a que Dolores sempre teve de driblar, Cristiano – que ganhou o Ronaldo porque o pai era fã do ator e depois presidente Ronald Reagan – cresceu e prometeu que, um dia, daria uma vida melhor não só para a mãe como para a família toda. Para tanto, a convenceu de que partir seria a melhor opção e ela, como já disse, o deixou voar, literalmente. O jovem manteve-se forte na despedida, mas chorou durante todo o voo. As lágrimas também escorriam quando já estava em Lisboa, treinando no Sporting, enquanto ligava para ela, que o pedia para ser forte. Em suas palavras, era a única maneira de ele mudar o seu destino, de ser alguém na vida. O jogador usou isso como combustível para, cada vez mais, investir no seu ideal.

E Cristiano, pelo jeito, soube sempre retribuir os esforços. “Ele é um filho maravilhoso. Se houvesse mais filhos como Ronaldo, teríamos um mundo muito melhor”, analisa a irmã. O craque, na ocasião em que a mãe lançou o livro em Portugal, fez questão de agradecê-la nas redes sociais: “A minha mãe é, sem dúvida, uma mãe coragem. Eu sinto-me muito agradecido e honrado por ser filho dela e por tê-la na minha vida.” Aproveito o ensejo para usar aqui o belíssimo verso escrito por Zeca Veloso, cantado todos os dias na abertura da série Onde Nascem os Fortes, da Rede Globo: ‘Todo homem precisa de uma mãe’. Que acrescento: não precisa ser quem gestou, mas que, assim como Dolores, honre a denominação no melhor sentido da palavra.

 




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