Armário 24

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Miriam Gimenes

Foto: Claudinei Plaza
Parada Gay em Santo André - Foto: Claudinei Plaza

Ricky Martin fez recentemente declaração que estava engasgada na garganta há anos. Foi um grito de liberdade, se analisarmos a fundo a revelação. O cantor, de 38 anos, que na adolescência arrancou gritos e suspiros ao fazer coreografias na boyband Menudos e, mais tarde alçou carreira solo, protelou a decisão de admitir que era gay porque tinha medo de decepcionar as fãs. O anúncio veio apenas há seis meses por meio do site oficial, para quem quisesse ler, estampado com todas as letras. Ato corajoso, diríamos.

O predicado coragem é usado, neste caso, não por preconceito em relação à revelação do porto-riquenho, mas como um troféu pela sua atitude. Muitos passam a vida lutando contra seus desejos. Por medo. E ele, que ouviu muitas vezes sobre sua suposta homossexualidade, embora tenha namorado por 14 anos a apresentadora mexicana Rebecca de Alba, a partir do momento em que resolveu sair do armário, como popularmente é dito, teve de lidar diretamente com o preconceito, antes velado.

Se procurarmos na internet o significado desta metáfora popular, inúmeras páginas aparecem para explicá-la, mas com apenas duas palavras é facilmente definida: amor-próprio. Sim, porque tem de se gostar muito para assumir o que é latente em seu coração, o que corpo e mente pedem, mesmo que tenha de burlar regras da sociedade pelo resto dos seus dias.

Foi o que fez Ricky, que chegou um dia a pensar que o homossexualismo era  problema maligno. É fato que o cenário mudou muito desde que o cantor começou a sentir atração pelo mesmo sexo. Ele nem imaginaria que o assunto conseguiria o espaço que alcançou nas últimas semanas com a decisão do STF (Superior Tribunal Federal), que oficializou as uniões homoafetivas como entidades familiares, assegurando aos casais gays os  mesmos direitos dos heterossexuais.

Não obstante, a televisão brasileira deu o primeiro passo rumo ao direito dos homossexuais. A novela do SBT Amor e Revolução colocou no ar o primeiro beijo gay, protagonizado por Luciana Vendramini e Giselle Tigre. As baladas GLS, antes espaço proibido, são cada vez mais frequentadas por heterossexuais, por serem sinônimo de diversão e alegria. O último censo do IBGE apontou que 60 mil brasileiros do mesmo sexo (0,03% da população) moram com seus pares.

Só que dá para contar nos dedos as conquistas. O caminho, que começou a ser construído principalmente na Grécia Antiga – quando a prática homossexual era considerada comum – ainda tem bom pedaço a ser percorrido. No trajeto, os obstáculos do preconceito e da hipocrisia vão atrapalhar aqueles que querem quebrar as amarras com a força do amor. Infelizmente, para muitas portas abertas do armário, inúmeras outras são fechadas pela sociedade.


Abrem-se as cortinas

Os dois conheceram-se em uma fila de montanha-russa, em um parque de diversões. Viram-se outras vezes na noite carioca, mas, como eram comprometidos nem percebiam a atração. Quando o sentimento foi identificado, assumiram o amor  e iniciaram o namoro. Três meses depois foram morar juntos. Já se passaram 13 anos e eles seguem felizes. Essa história caberia no enredo da  vida de qualquer casal não fosse por um detalhe: tratam-se de dois homens, Bruno Chateaubriand e André Ramos, ambos de 36 anos.

Parece ter sido simples a construção do relacionamento, mas, para quem vê de fora, é sempre mais fácil. Assim que se assumiram, passaram a ouvir comentários, piadinhas, olhares de reprovação. Para fugir, viajaram para o Exterior e passaram temporada em Los Angeles (EUA). “A gente se blindava no início. Hoje ainda tem preconceito, mas havia muito mais há dez anos. A estabilidade do nosso relacionamento foi a maior resposta para essas pessoas que faziam piadinhas”, lembra Bruno. Eles se valeram do fato de que no Exterior a aceitação dos gays é maior. Um exemplo é o cantor Elton John, que tem marido e filho, gerado em barriga de aluguel, e transita na alta sociedade britânica. Ele foi um dos convidados de honra para o casamento de Kate Middleton e o príncipe William.

Voltando a André e Bruno, a independência financeira facilitou para que assumissem o namoro. O empresário, que junto com o companheiro é anfitrião de algumas das melhores festas do Rio de Janeiro, reconhece que, para aqueles com poucos recursos, o desafio é ainda maior por conta das portas que se fecham. “A sociedade desenha um script para sua vida: estudar, se formar, casar com uma mulher e ter filhos. Se não segue à risca, é marcado para sempre.” Bruno só assumiu publicamente sua condição em 2008,  pondo fim às fofocas. 

O antropólogo da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo Gabriel Pugliese Cardoso explica que a ideia de família perfeita descrita por Bruno está vinculada à moral vitoriana, do século 19, que primava pelo puritanismo em excesso e controlava tudo o que considerava pornográfico (inclusive atos homossexuais). “O fato é que durante muito tempo as relações homoafetivas eram vistas em tom pejorativo, imoral, e tratadas como doença. As coisas não mudam da noite para o dia.” Para ele, embora ainda exista a ala conservadora, a situação só tende a melhorar. 

É esta a esperança de Bruno e André, que entraram na fila de adoção. Eles querem ser pais de dois irmãos e, como não fizeram tantas exigências, estão otimistas para que logo tenham a notícia que irá consolidar plenamente o amor do casal.


Foto: Arquivo Pessoal
Fábio e Marcos celebraram casamento em 2009. Foto: Arquivo Pessoal

Conservadorismo ao extremo

A partir do momento em que a pessoa decide revelar a opção sexual, a esperança é de que pelo menos a família entenda. Mas o que fazer quando os parentes viram as costas? É  inconcebível a situação descrita, mas é mais comum do que parece. E aconteceu com Marcelo Gil, 43 anos, presidente de honra da ONG



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