Tudo por um ídolo

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Raquel de Medeiros

Foto: Tiago Silva
Eles trocam lazer, trabalho e momentos com a família só para se sentirem mais próximos de quem admiram. Foto: Diário do Grande ABC

Ele tem par de olhos azuis, topete e costeletas avantajadas. Passa no meio do público, algumas mulheres tentam agarrá-lo. Seguranças acompanham seu trajeto até o palco. Lá em cima, antes de soltar o vozeirão, troca alguns passos para trás e cumprimenta a plateia. O assistente ajuda-o a colocar o violão em volta do pescoço. Passa a mão no nariz e ajeita o cinto largo várias vezes. Num movimento rápido, segura no pedestal do microfone e puxa-o para si. Logo, as pernas começam a tremer numa dança frenética. Com a mão esquerda levemente suspensa no ar, ele abre a boca e solta um “I said see, see, see rider. Oh, see what you have done”.

Apesar das características e trejeitos semelhantes, não estamos falando de Elvis Presley, e sim de Álvaro Martins Alonço Neto, 31 anos, mais conhecido como Elvinho. Fã do rei do rock, ele dedica a vida a imitá-lo, sobrevive disso.

A paixão surgiu quando era criança, aos 8 anos. “Vi o Elvis no filme Feitiço Havaiano na televisão e perguntei para meu pai quem era. Aquilo me envolveu, fiquei fascinado”. A partir de então Álvaro virou fã do cantor e começou a colecionar tudo sobre o astro. “Na escola trocava meu lanche por papéis de carta do Elvis com as meninas.” Naquela época ele chegou a mentir para os pais que estava doente só para assistir os filmes do Festival Elvis Presley. “Fiquei uma semana em casa.”

Ao 15 anos, Álvaro fez uma festa de aniversário e declarou aos convidados que só ouviriam discos do Elvis. Os amigos não gostaram da ideia e foram embora, abandonaram o local. “Não sobrou ninguém. Coloquei os discos para ouvir sozinho. E pensei não faz mal, sobra mais comida”, brinca.

Sem se importar com a pressão dos colegas, que muitas vezes o criticavam, Álvaro decidiu tingir os cabelos loiros de preto pela primeira vez. Fez topete, pôs um terno do avô e foi para a escola vestido como o ídolo. “A professora parou de escrever na lousa para me perguntar o que estava acontecendo. Meus amigos não conseguiam parar de rir. Eu era o figura da escola.”

O quarto era repleto de fotos do rei do rock, inclusive coladas no teto. O primeiro emprego, coincidentemente, foi o mesmo de Elvis Presley. Os dois foram caminhoneiros. Álvaro só largou a profissão para se transformar em cover do astro. “A maior emoção foi quando chegou o primeiro macacão produzido pela B&K dos Estados Unidos. Eu não podia acreditar, era um sonho realizado, chorei a noite inteira”, relembra.

Hoje, casado, ainda mantém em casa dezenas de objetos do rei. Na sala dois quadros de Elvis ladeam série de miniaturas do cantor penduradas em pequenos suportes na parede. Em cima da televisão, 48 DVDs com músicas e documentários de Elvis. No sofá, almofadas com o rosto dele. Dali é possível observar a cozinha: geladeira repleta de imãs do astro, além de avental, relógio de parede e canecas com o mesmo tema. Até no banheiro Álvaro tem um retrato do ídolo.

Antes dos shows – cerca de quatro a cada fim de semana – ele se concentra no quarto e se dedica exclusivamente aos pertences que remetem ao rei do rock. Ali é onde guarda os macacões importados (que custaram de US$ 3.500 a US$ 5.000 cada um), os anéis, óculos, fotos, cintos e até uma pedra do túmulo de Elvis, que um amigo trouxe exclusivamente para Àlvaro. “Já tentei ir duas vezes para lá, mas me barram na hora de tirar o visto. Então, mandei um pedaço de cabelos meus para este amigo colocar no túmulo do Elvis e ele trouxe a pedra. É um dos objetos mais valiosos que tenho”, explica.

Foi Elvis que ajudou Álvaro a encontrar o amor de sua vida: Silvia, 42 anos. Ele a conheceu num dos shows que fez em um bar de São Paulo. “Minha tia era fã do Elvis Presley. Ela lavava louça e conversava com uma foto dele que ficava em cima da pia da cozinha. Foi ela quem me disse que eu precisava assistir a um show do Elvinho de qualquer jeito”. Silvia foi, eles se conheceram, ficaram amigos e depois de alguns anos começaram a namorar.

Ela não se incomoda com o fascínio do marido pelo astro. “Me dei conta que a gente só ouve Elvis aqui em casa. De vez em quando alguma coisa da Jovem Guarda, mas é raro.”

As caixas de som não deixavam dúvidas. Nas duas horas em que a equipe de reportagem ficou na casa de Álvaro, as caixas exalaram a voz grave de Presley, sem cessar.

 

Foto: Andréa Iseki
Baterista Marcus Castellani sabe dividir o tempo entre trabalho e dedicação à banda Hell Patrol, cover da Judas Priest. Foto: Diário do Grande ABC

Na medida
 

Para a professora do Instituto de Psicologia da USP e especialista em psicologia das relações humanas Sueli Damergian, ser fã é saudável até o ponto em que a dedicação não atrapalhe o desenvolvimento de características pessoais e nem a convivência social. “Ao eleger um ídolo como modelo e querer ficar como ele, deixa-se de lado características da personalidade sem perceber”, explica.

O baterista da Hell Patrol – banda cover da britânica Judas Priest – Marcus Castellani, 27 anos, encontrou equilíbrio entre o amor pelos ídolos e a própria personalidade. Ele, que trabalha como gerente de projetos numa grande empresa de consultoria em São Paulo, dedica o tempo livre para ensaiar. Geralmente, aos domingos.

Mas, diferentemente de outros integrantes de grupos cover, não se preocupa em ser exatamente igual aos cantores britânicos. Mantém características próprias. “Não tenho cabelos compridos nem uso roupas idênticas, mas quando as pessoas nos ouvem se surpreendem com o som, que é bem parecido. Nos preocupamos mais com a música”, diz.

Marcus aprendeu a gostar da Judas Priest quando foi convidado para fazer parte do grupo.

“Gosto dos hits, dá um sensação boa por dentro. É um som para ouvir com amigos, tomando cervej



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