Cabeça na lua

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Miriam Gimenes

 

Neil Armstrong (1930-2012) foi o primeiro homem a pisar na Lua. Ele comandou a missão Apollo 11 que, em 20 de julho de 1969, concretizou um feito, inédito na história. Como disse na ocasião, a ação foi “um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade”. Tinha razão. Não à toa cerca de 850 jornalistas, de 55 países, registraram o feito visto por 1 bilhão de pessoas pela televisão, ao vivo. Depois dele, apenas 11 homens tiveram o mesmo privilégio, ­ já que a última missão foi a Apollo 17, em 1972. A Nasa planeja até 2020 um retorno à Lua. E nada tira da cabeça do humorista e apresentador Marcelo Adnet que ele pode ser um dos próximos felizardos a conhecer o satélite natural da Terra. “Um dia gostaria de pisar lá. Imagina ver o pôr da Terra da Lua? Gosto muito de viajar. Aí vem alguém e pergunta: 'Você vai para onde? Para os Estados Unidos? E eu: 'Não, vou para Lua. Um dia, quando eu for mais velhinho. Ficar uma horinha no solo lunar, ver a Terra, tirar umas fotos e postar tudo rápido”, promete. Você está falando sério? “Sim, este é meu maior sonho.”

 
Marcelo França Adnet, 35, é um dos melhores humoristas de sua geração. Talvez por isso, a declaração anterior possa parecer irônica ou, até mesmo, uma brincadeira. Mas basta conversar por dez minutos com ele para ver que embora seu sonho careça de um voo alto, ele mantém bem os pés no chão e quer, sim, ser levado à vera. “Nós (artistas) somos cidadãos também. Pago imposto igual a todo mundo, faço tudo que uma pessoa faz. Tenho bom humor, mau humor, acordo cedo, vou trabalhar, ralo pra caramba. Às vezes, a pessoa pode rir da sua cara e falar ‘nossa, é muito engraçado’. Tem de insistir um pouco mais para te levar mais a sério, mas não tem problema.”
 
Criado em uma família de artistas, ­ a mãe é Regina Cocchiarale (ex-modelo e figurinista), o pai, Francisco Adnet (cantor, instrumentalista e arranjador), a avó Thereza França era professora de Artes, e o avô Waldemar Cocchiarale, desenhista e caricaturista – escolheu por perpetuar o ‘DNA’ por opção, embora seja apaixonado por astronomia e matemática. “Por muito tempo achei que não ia lidar com arte. Meus tios por parte de pai são todos músicos, por parte de mãe tenho um tio artista plástico. Então realmente todos trabalham com arte direta ou indiretamente e eu cheguei a acreditar que fugiria disso, que poderia ser um cara com conhecimentos exatos, para trabalhar diferente da família. Chegou no momento da decisão e me vi um cara de humanas.” Adnet formou-se em Jornalismo pela PUC do Rio de Janeiro.
 
Mas foi durante a faculdade que um amigo, Fernando Caruso, o convidou para fazer uma peça de improviso, a Z.É. Zenas Emprovisadas. Ele estava à procura de um quarto elemento. O grupo já era formado por Fernando, Rafael Queiroga e Gregório Duvivier. O ano era 2003. A peça fez tanto sucesso no Rio de Janeiro que rendeu, para ele, pontas em humorísticos da Globo como A Diarista, por exemplo, e participações em Malhação e na novela Pé na Jaca (2006).
 
E aí veio a MTV, onde despontou, principalmente no humorístico 15 minutos ­– programa em que dava suas opiniões e imitava famosos, fazendo paródias musicais. “Com o fechamento da MTV escolhi trabalhar na Globo pelo desafio e pela possibi­lidade de falar com milhões de pessoas, normalmente um público que não tem acesso ao trabalho que fiz na MTV. Há uma missão envolvida nisso, social mesmo. Gosto de fazer de tudo e acho que o segredo está no equlíbrio também. Então estou afastado do teatro um tempinho, que é um lugar de que sinto saudades, e a televisão é onde encontrei uma vida mesmo na TV, de trabalho, de tudo.”
 
Adnet está na telinha atualmente com o Tá No Ar: a TV na TV, em que o trabalho se assemelha um pouco ao da MTV, criação sua em parceria com Marcius Melhem e Maurício Farias. “Dá o maior trabalho de fazer porque são cenas muito curtinhas mas, ao mesmo tempo, o resultado final é legal e faz sentido. É uma luta que a gente gosta.” Esta é a quarta temporada do programa, que estreou em abril de 2014 e deverá ir ao ar até março. Na edição passada registrou recordes de audiência.
 
O mesmo sucesso não foi visto no Adnight, o talk-show com entrevistas inusitadas, desafios e games que estreou no fim do ano passado. Houve quem dissesse que viu um Adnet 'engessado' e refém de roteiro. “Tenho liberdade sim (no programa), mas o público também tem a liberdade de gostar ou não. Isso é muito democrático. Não acredito em una­nimidade, nada que você vai fazer é unânime, as pessoas precisam criticar, encontrar imperfeições e acho isso um processo natural. Lido com as críticas de maneira bastante positiva. Gosto de saber o que as pessoas acham, mas, ao mesmo tempo, quando você liga a internet, tem de tudo, desde ‘te amo’ até ‘te odeio, morra’. Então fica um pouco difícil, às vezes. Tem de deixar isso para lá.” Ainda que o alcance não tenha sido o esperado, o programa já teve confirmada a segunda temporada neste ano.
 
 
EXPOSIÇÃO
Uma coisa é fato: tudo o que Adnet faz vira notícia. Até mesmo o que diz que não faz. Nos últimos dois anos, avalanche de notícias saiu de suposta traição dele à mulher, a também humorista da Globo e andreense Dani Calabresa. Ambos afirmam que seguem casados. Eles chegaram a morar juntos no bairro Jardim, em Santo André, à época em que trabalhavam na MTV – e não dão trela para este tipo de noticiário. Questionado sobre esse interesse todo em sua vida pessoal, o humorista, que até já 'fechou' seu Instagram por receber ataques de internautas, pondera. “Acho que isso acontece. Vivemos em um País com mais de 200 milhões de pessoas. Tem gosto para tudo, mercado para muita coisa. Em uma época de crise, em que a gente inventa também muitos assuntos e novas fontes de renda, são coisas que acabam acontecendo e a gente vai lidando no dia a dia da melhor maneira.”
 
As pessoas gostam de julgar, segundo ele, sem ter nenhum tipo de intimidade. “O público não conhece as pessoas porque as veem na televisão. A gente julga. Ninguém pode saber como nós somos fora das câmeras ou na vida real. Temos uma confusão muito grande no Brasil entre a obra e a pessoa. Como se fossem a mesma coisa. Aquela velha história do vilão de novela que sai na rua e as pessoas querem agredir. Acho que quem me conhece mesmo são meus amigos, minha família, é bem por aí.” E, por isso, a concepção de fama, na maioria das vezes, também é distorcida. “Parece que a gente trabalha pouco ou trabalha em uma coisa que é facil, ou que ser famoso é maravilhoso. Não é. É uma trabalheira brava, hard work. Você sai na rua e carrega sua profissão junto. Sou um baita de um trabalhador, trabalho à beça e não tenho muita vaidade do tipo ‘ah, estão falando de mim...’ tudo bem. Não estou aqui para tirar nota dez sempre.”
 
POLÍTICA
Em um dos últimos programas que fez do Adnight, Adnet escreveu ‘Fora, Temer’ em uma lousa durante brincadeira feita com Alexandre Nero. Disse, em seguida, que provavelmente essa parte do programa seria editada, o que, pode-se ver, não foi. O episódio viralizou nas redes sociais. Ele disse que fez isso porque o humorista carrega a liberdade. “Ele consegue abordar assuntos que são sérios demais, tabus ou temas complicados, e tratar isso com mais leveza. Se você faz tratado político sobre um assunto tem um peso. Se você faz uma paródia musical isso tem outro peso. A comédia tem peso menor e, por isso, as coisas voam com a comédia, viralizam.” Em um vídeo que fez para o Tá no Ar, uma propaganda eleitoral gratuita com jingles que só falavam a verdade, Adnet também ganhou as redes sociais ­ foram mais de 500 mil acessos.
 
 
Em uma das passagens diz: “Ele come pela primeira vez no bandeijão escolar e elogia a comida que seus filhos nunca vão provar.” Para ele, o papel da comédia, é esse: resistir. “Digo isso do Brasil mesmo, que passa um momento difícil, passa por uma crise. E a comédia é uma certa válvula de escape mesmo. Com ela podemos aliviar um pouco, respirar fundo, rir e isso é muito positivo.”
 
Isso pode ser visto um pouco no filme Os Penetras 2, que está em cartaz nos cinemas. Na trama, assim como no primeiro, ele faz parte de um grupo de golpistas profissionais. Questionado se em uma terceira edição a trupe pode se redimir e deixar o crime, ele acredita que sim. “Até porque acho que em Os Penetras todos os personagens são muito solitários. Ninguém ali tem família, amigos de verdade, uma paixão consolidada. Por isso buscam preencher esse vazio que existe neles com uma festa, com a vantagem, com a grana, com golpe. Como se vencer, conseguir entrar na festa, fosse o suficiente para tapar esse buraco. E não é.” Na verdade, os personagens voltam com os bolsos cheios de dinheiro, mas são vazios. “Leio dessa forma: o golpe não compensa. Não vale você estar em uma festa pela qual você não foi convidado? É muito melhor conquistar o convite. Essas pessoas que vivem vidas que não são delas e tentam tirar vantagem acordam no mesmo lugar, sem nada. O crime não vale a pena.” Como disse o escritor francês François Mauriac, vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 1952, “de nada serve ao homem conquistar a Lua se acaba por perder a Terra”. Adnet já aprendeu a lição.
 
 



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