Arte oculta

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Thiago Mariano

Ilustração: Fernandes
Democratização e acessibilidade à arte não garantem que ela fique mais inteligível. Ilustração: Fernandes

É raro deparar-se com uma exposição de artes plásticas e não ficar ensandecido. Mas não é só ver?, O que isso quer dizer? ou Não foi isso que eu notei! estão entre as perguntas e constatações mais usuais de parte do público deste gênero.

Há muito tempo a arte está mais próxima do cotidiano, e vice-versa, o que não quer dizer que esteja mais acessível, compreensível ou que tenha todos seus problemas resolvidos. Ela ainda é composta de dilemas, alguns bem desabonadores, e que em nada acrescentam o seu crescimento. Parte das ideias que muitos têm do seu valor, ao contrário de ajudar, atrapalham e afastam o interesse, abrindo a fenda de um abismo que opõe conceitos de uma equação que não seria difícil de solucionar: o papel dela em seu público.

Entre todas as manifestações artísticas, as artes plásticas são consideradas as de mais difícil compreensão. Conteúdo e forma podem se dissociar com mais frequência do que na literatura, música, teatro e dança, gêneros em que a mensagem é intrínseca ao formato com mais clareza.Parte dos problemas das noções de artes plásticas, não se assuste, coloca em xeque, antes do público (que no não entender é capaz de considerar-se racionalmente limitado), muitas outras questões. Existem dois pontos cruciais em uma obra. O primeiro é o afago que causa à vista. O outro, o apelo com que clama ao cérebro, pedindo para que a contextualize, sinta-se provocado e pense no motivo de sua existência, que faz com que seu conteúdo transcenda e jogue vida para muito além de sua forma.

Hoje, existem elementos que imputam dificuldades à compreensão da arte, como mercado, a falta de entendimento do contemporâneo e alguns artistas que não passam de embustes.

Em um mundo onde tudo é visto como mercadoria, é difícil que o pensamento se paute na construção de linguagens erigidas de acordo com uma linha de pensamento que abstraia  essa realidade que tudo barganha, taxa e tendencia.

O conceito de globalização da arte, termo tão banalizado, corre à revelia de ser democrático. Os museus, para muitos artistas, são a representação de um espaço sacro que encerra a impossibilidade de renovação. Isso não deixa de ser verdade, são raros os acervos de obra moderna que reúnem expoentes que dialogam entre si, que ratifiquem pensamento condutor de uma ideia linear da contemporaneidade.

O mercado, este sim é globalizado. Colecionadores movimentam obras e as tiram de circulação com rapidez impressionante. Mostras e museus ficam longe da busca por esses acervos, e jogam cada dia menos peso no reflexo da arte atual.

O ramo da decoração é outro que corre em suspeição. Se utensílios decorativos são produzidos seguindo padrões estéticos artísticos, se uma obra de arte hoje pode ser produto manufaturado, não há muito que representar sobre a discussão.

Um objeto pode ser artístico, bonito, e só. Romero Britto está aí para provar, tornando suas figuras geométricas e coloridas objetos que saltam aos olhos, mas que não têm apelo crítico. As obras de Britto ocupam desde as salas de Arnold Schwarzenegger e Xuxa às casas mais humildes, de gente que viu seu trabalho ser transposto para louças e caixas de produtos industrializados.

E não é só porque uma obra é apenas bela que é menor. A beleza pode  trazer uma busca que colabore para que os sentimentos fluam mais harmoniosamente. E ela não dispensa estudo criterioso, técnicas impressionáveis e as mãos de um verdadeiro artista.  Quem já sentiu-se iluminado pela beleza de uma obra sabe o indescrítivel e devastador poder que ela pode ter.

É engraçado constatar que nenhum dos grandes artistas da história tenha alcançado fama enquanto vivo, ou vendesse suas obras como se fosse pão saindo do forno. Ser novidade, como diz o poeta Ferreira Gullar, não é o objetivo da arte, e sim do costureiro, que é quem faz a moda. Há que sempre suspeitar do que lhe vendem como arte.


FIM DA ARTE

O ‘muito’ que se sabe da arte – e isso vale para público e artista – vem do pouco que se reflete sobre ela. Sob a ótica do filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), – que no equívoco de muitos olhares parece prever seu fim –, discorre sua real utilidade. “A finalidade de toda a arte é a identidade produzida através do espírito, na qual o eterno, o divino, o verdadeiro em si e para si são revelados em real aparição e figura para nossa intuição exterior, para o ânimo e representação.”

Em outro ponto de sua tese, Hegel conta que é necessário “lembrar que a arte não seria, nem segundo o conteúdo nem segundo a forma, o modo mais elevado e absoluto de trazer ao espírito a consciência de seus verdadeiros interesses. Pois, exatamente devido à sua forma, também está limitada a um conteúdo determinado.” Não é a arte que morre. Esta, assim como tudo que existe, não pode ter seu fim decretado sem que se visualize um outro começo para esta interrupção, o finito só tem representação através da consciência do infinito. O que morre na arte é o divino representado, os conceitos que ela tinha para determinadas épocas e povos. A forma corresponde a um tempo e técnica, mas o conteúdo passa pelo crivo do desenvolvimento da consciência humana, que vive em movimento.

A Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, representa esta ideia. Nunca uma personagem foi tão relida. Desde retirante nordestina com lata d'água na cabeça a personagem de desenho em quadrinho, ela ganhou diferentes interpretações ao longo do tempo. A técnica com que foi pintada é que não acaba, ainda hoje é motivo de estudos.


CONCEITUAL

Antes, a arte era a eterna busca pelo belo. A importância da mensagem é recente. O artista francês Marcel Duchamp (1887-1968), quando criou A Fonte, que nada mais era do que um urinol invertido, trouxe novas percepções para o conceito da estética. Transformando objetos cotidian



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