A bela cara do gol

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Raquel de Medeiros

Foto: Thiago Justo
Thais Ribeiro Picarte chama atenção pela beleza e talento dentro de campo. Foto: Thiago Justo / Direção de Arte e Produção: Eduardo Chaves

Loira, cabelos longos, olhos azuis, corpo esguio e 1,81 m de altura. De cara, ela impressiona pela beleza. E quando está de meião e chuteiras, Thais Ribeiro Picarte bate mesmo um bolão. Ela é a goleira da Seleção Brasileira de Futebol, promessa do técnico Kleiton Lima tanto para a Copa quanto para a Olimpíada de 2012, assim como para o Flamengo, com quem acaba de assinar contrato.

Medo ela não tem, nem da pressão nem da cara feia da torcida adversária. “Às vezes, fica uma situação constrangedora porque os torcedores soltam palavrões. Mas aprendemos a lidar.”

Bom seria se fosse só isso para administrar. Numa época em que a mulher está à frente de trabalhos antes considerados estritamente masculinos e com  talento de sobra, a goleira, ainda assim, tem de engolir o fato de não possuir o mesmo reconhecimento que os jogadores do time masculino, que têm salários disparadamente mais altos e muito mais visibilidade. A diferença é tão grande que as jogadoras têm, na maioria das vezes, de se desdobrar em jornada dupla. “O futebol feminino não é profissional no Brasil. As meninas jogam e trabalham.”

Thais é linha-dura. Leva para fora dos gramados a racionalidade aprendida no futebol. Pelo esporte, abriu mão de um relacionamento na Espanha, país onde morou nos últimos cinco anos, jogando pelo Sporting Club de Huelva. “Namorei por dois anos, mas decidi voltar ao Brasil para ficar com minha família, apostar no Mundial e na Olimpíada. Tive que deixar tudo para trás.”

O regresso ao Brasil também fez com que ela ganhasse novo fôlego para a carreira. “Às vezes, a vida de atleta é um pouco triste. Fiquei longe da  família por muito tempo. Em 2010, me cansei de ficar tanto tempo sozinha e assumo que pensei em parar”, revela.


JOGADA ENSAIADA

A paixão da atleta começou por incentivo do pai, que, sem filho homem, decidiu levar a trupe feminina para acompanhá-lo aos jogos de futebol. Logo, estavam jogando no Clube Atlético Aramaçan, em Santo André. “Ele fazia brincadeiras de menino com a gente. Nós quatro sempre gostamos muito de futebol. Minhas irmãs pararam, mas eu continuei.”

Ironicamente, no ano de 1997, quando o pai de Thais faleceu, a atleta passou no teste para goleira do São Paulo Futebol Clube. Em 2002, foi convidada para jogar na Lazio Cálcio Feminile, em Roma. Porém, sem passaporte europeu, teve de voltar para casa mais cedo.

Por muitas vezes, Thais teve que parar o esporte, precisava de grana. Trabalhou em um centro esportivo para deficientes físicos e mentais como professora e também concluiu o curso de Educação Física, em 2005, na UniABC. Só depois pôde se dedicar integralmente à carreira. “Precisava pagar os estudos. Se não estava recebendo do futebol, tinha que arrumar uma  maneira de ganhar dinheiro.”

Futebol é coisa de homem. Essa forma de pensar, que ainda é forte dentro do País, por vezes chegou a incomodar a goleira. Thais tinha vergonha de falar que jogava quando era mais jovem. Sentia preconceito. “Por causa da minha altura, sempre me questionavam se fazia algum esporte. Aí, eu falava do handebol, do vôlei... Do futebol dava um jeito de falar por último (risos).”

Ganhou apelidos pejorativos na escola. As pessoas ainda acreditam que a opção pelo esporte está relacionado à opção sexual. “Quando comecei a jogar com os meninos, me chamavam de Maria-homem e eu ficava brava.” Mas, com o passar do tempo, Thais foi criando uma estrutura psicológica mais forte. E as críticas deixaram de ser um problema. “Acho que as pessoas passaram a me respeitar mais.”

 

Foto: Thiago Justo
“Não acredito que estarei viva para ver o esporte feminino alcançar o nível do masculino. Os salários não se equiparam.” Foto: Thiago Justo / Direção de Arte e Produção: Eduardo Chaves


Nos Estados Unidos e no Canadá acontece o contrário. O futebol é considerado esporte feminino, já que o hóquei, o futebol americano e o rúgbi são muito mais agressivos e masculinizados. “Lá o futebol é coisa de mulher (risos)”, confirma. O que não significa que haja equilíbrio fora de campo. Até mesmo lá fora os salários não se equiparam. As mulheres, mesmo trabalhando com a mesma dedicação continuam ganhando menos. “Não acredito que estarei viva para ver o esporte feminino alcançar o nível do masculino. Teria de mudar esse conceito generalizado, porque não é nem algo só do esporte,  mas da diferença que fazem entre homem e mulher.”

Mas a participação feminina no esporte caminha, ainda que bem lentamente. A goleira credita parte dessa evolução à jogadora Marta, cinco vezes eleita a melhor do mundo. As empresas estão começando a ver que vale investir no futebol feminino. “Muito disso deve-se a ela, que é um ícone, não só pelo futebol que apresenta como também pelo comportamento e a índole que tem. Também acho que deve melhorar, principalmente por causa da Olimpíada.”

E se falta reconhecimento, sobra arte no campo em que elas reinam. O futebol feminino ainda apresenta o espetáculo e atrai espectadores ao campo.


VAIDADE

Extremamente vaidosa. Assim Thais se define. Tem duas tatuagens. Uma delas, fez junto com as irmãs. “É um símbolo de amor.”

A goleira da Seleção é sempre a última a sair do vestiário. Fica horas passando os cremes. É creme para os pés, para o corpo, para o rosto, anti-idade etc. “Alguns que eu nem preciso, mas já estou passando. E todo mundo, quando quer alguma coisa, sempre vem atrás de mim.”

Maquiagem leve faz parte do ritual da jogadora antes de qualquer partida. Mesmo que o suor atrapalhe, ela sempre dá um jeitinho de fazer a diferença. “



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