Destinos cruzados

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Raquel de Medeiros

Foto: Fernando Mazza
Acertos e tropeços da história do vôlei confundem-se com a trajetória de Giba. Foto: Fernando Mazza

No País do futebol, as atenções sempre estiveram voltadas aos talentosos passes no gramado. Porém, na metade da década de 1970, graças a uma ação inteligente do então presidente da Confederação Brasileira de Vôlei, Carlos Arthur Nuzman, o vôlei começou a chamar a atenção dos brasileiros. Unindo organização e marketing esportivo, Nuzman inseriu  treinos permanentes para as equipes de base, dando maior visibilidade ao esporte e à formação de uma boa safra de craques. Coincidentemente, nessa mesma  época nascia Gilberto Amauri Godoy Filho, que futuramente seria considerado um dos melhores jogadores do mundo. Giba nem poderia imaginar que faria parte da ascensão do vôlei no Brasil. Porém, as histórias já estavam cruzadas.

Os primeiros resultados expressivos surgiram em pouco tempo. Em 1982, a Seleção, que carregava nomes como Bernardinho, Bernard, Renan, Montanaro e Xandó, chega à final no Mundial contra a União Soviética. Enquanto  a chamada Geração Prata começava a trazer medalhas para o Brasil, Giba crescia e se interessava por esporte. Aventurava-se por todos as atividades que apareciam pelo caminho: natação, basquete e, finalmente, vôlei. “Quando entrei na quadra, logo me identifiquei. Vi que era isso o que eu queria.” No início da década de 1990, colocou oficialmente os pés nas quadras pela primeira vez, no Círculo Militar do Paraná. 

Dois anos mais tarde, em 1992, a equipe de Tande, Marcelo Negrão, Maurício e Giovane transforma o vôlei brasileiro no maior do mundo. A Olimpíada de Barcelona foi inesquecível. “Lembro muito o jogo contra os Estados Unidos. Eles eram bicampeões olímpicos e mundiais e vencemos”, conta Tande. A tensão era tão grande que o  atleta mal podia controlar a ansiedade. “Das oitavas-de-final em diante, eu não conseguia mais dormir.”

Naquele ano, as superstições mais inusitadas foram colocadas em prática pela Seleção. “Eu que estava de barba no jogo contra a Coréia e decidi ficar com ela. Estava dando sorte”, lembra Tande.

Um ano depois, Giba foi chamado para a Seleção Brasileira infanto-juvenil. Bom momento para o ponteiro, que ganhou títulos de melhor jogador e de atacante do torneio. A Seleção arrebatou o primeiro lugar do pódio no Campeonato Mundial da categoria na Turquia. “Pensei: agora é sério. Tenho que pegar como profissão.”

Era o início da fase gloriosa do vôlei, que transformaria o esporte na segunda modalidade preferida dos brasileiros.


Meninos de Ouro
A equipe de Giba, que sucedeu a geração dos Meninos de Ouro, continuou trazendo títulos para o país. A Seleção ganhou nove vezes a Liga Mundial, venceu a Copa dos Campeões, o Sul-Americano e tornou-se bicampeã mundial.

As gerações se misturam quando o assunto é vôlei. E Giba fica entre elas, como um elo. Há 15 anos na Seleção, ele conviveu com craques do quilate de Maurício, Giovane e Tande. “Ao mesmo tempo em que tinha medo de perder a vaga para o Giba, havia uma rivalidade saudável. Tínhamos que treinar mais e todos saíam ganhando”, diz Tande.

Giba mantém relação de cumplicidade com Bernardinho. O bom relacionamento, inclusive, sobreviveu às crises, como quando o técnico decidiu cortar da Seleção o levantador Ricardinho, um dos melhores amigos do ponteiro. O sangue quente do treinador também não incomoda. “Bernardo é diferente dentro e fora de quadra. Dentro é perfeccionista. Fora é supertranquilo, conversa, quer saber se todos estão bem.”

Hoje, Giba também convive com a geração mais nova, funcionando mais uma vez como elo. “Eles cresceram comigo jogando e têm uma forma de me ver com respeito.”


Erros e acertos

Em 2003, a história da Seleção Brasileira de Vôlei Masculino teve um misto de amargura e felicidade. Levou medalha de ouro na Liga Mundial e na Copa do Mundo, mas teve de engolir com dificuldade o bronze nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo. Giba define como a pior derrota da carreira. “Quando perdemos para a Venezuela, depois de ter ganho em Madri contra a Sérvia, ninguém esperava. Mas foi um aprendizado.”

Assim como o esporte, naquele ano a vida do atleta também foi cheia de altos e baixos. Suspenso em 2003 ao ser flagrado no exame de doping por uso de maconha, Giba, que jogava pelo Estense Ferrara, na Itália, ficou fora por oito jogos do Campeonato Italiano.

“Foi uma casualidade que aconteceu na minha vida. Qualquer ser humano está sujeito a passar por isso. Não é porque aparecemos na TV que não temos problemas extra-profissão. Falo sempre que Deus não dá o frio maior que a coberta. Acho que foi uma coisa que me fez aprender muito. Cada tropeço, cada coisa que aconteceu de errado naquela época, só me fizeram crescer como homem.”

Questionado sobre ser a favor ou não da liberalização da maconha, Giba responde que não tem opinião formada. “Apesar de ser uma droga social, é uma droga. Mas existe um conflito de que, se liberam, acabam com o tráfico e, consequentemente, com a corrupção. É uma coisa a se pensar com muito carinho.”

Tanto a derrota no Pan-Americano quanto o resultado no teste de doping, no entanto, foram encarados de forma positiva. “Costumo sempre tirar coisas boas. Aquilo ali é um problema para te testar, saber como será sua reação, para ver se vai simplesmente dizer ‘Ah! Tá bom, não faço mais’ ou se vai  lutar contra aquilo.”

Mas nem tudo foi ruim naquele ano. Foi em 2003 que Giba começou a namorar a ex-jogadora romena Cristina Pirv, por quem tinha admiração desde 1999. No mesmo ano, os dois se casaram. Com uma vida sem rotina, com jogos que o obrigam a se manter viajando por longos períodos – principalmente quando está representando a Seleção –, o sucesso da relação dos dois, segundo o jogador, é a compreensão. “Primeiro de tudo, ajuda muito ela ter feito o que eu faço, porque entende bastante como funcionam as coisas. E também tem a nossa cumplicidade.”




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