O último faraó

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Heloisa Cestari

Imagem: Divulgação
Queda de ditador eclode protestos no mundo árabe. Imagem: Ilustração / Divulgação

Há 5.200 anos, o Baixo e o Alto Egito foram unificados sob o comando do príncipe Ménes. Era o início das dinastias dos faraós, a quem os egípcios atribuíam poderes não só absolutos como divinos. Durante quase três milênios, os faraós reinaram soberanos, cobriram-se de ouro e deixaram sua marca indelével na única das Sete Maravilhas da Antiguidade que resiste até os dias de hoje: as pirâmides do Egito. Depois, os povos do Nilo foram dominados por romanos, bizantinos, turcos e ingleses, até o coronel Gamal Abdel Nasser derrubar a monarquia em 1952 e proclamar a República. Mas a pirâmide social permanecia a mesma, com a grande massa de trabalhadores na base e um único líder, de autoridade inquestionável, no topo. Agora, essa pirâmide se inverteu. Depois de 18 dias de protestos que chegaram a reunir 1 milhão de pessoas na Praça Tahir, epicentro das manifestações no Cairo, deixando saldo de mais de 300 mortos e 5.000 feridos, o ex-ditador Hosni Mubarak, que governava o Egito havia 30 anos, viu-se obrigado a renunciar e recolheu-se com sua família para a casa de praia em Sharm el-Sheik, na Península do Sinai. Foi-se o último ‘faraó’, deposto em uma revolução sem líderes, sem Guevaras ou Bonapartes, articulada na instantaneidade da internet e posta a cabo por uma multidão de ideologias diversas, mas unida pelo mesmo desejo de mudanças.

Ainda que pouco familiarizados aos conceitos de democracia e de uma liberdade que não experimentam desde o êxodo de Moisés pelo Mar Vermelho, os egípcios foram às ruas motivados pela queda de Zine el Abidine Ben Ali, na vizinha Tunísia, e deram a largada para uma onda – ou melhor, um tsunami – de protestos no Oriente Médio e Norte da África  com consequências imprevisíveis.

Ditadores que permanecem há décadas no comando tais quais múmias embalsamadas sob as bênçãos do Tio Sam começam a ver seus sarcófagos ameaçados por uma oposição sem rosto. O mundo árabe entrou em ebulição. As manifestações contra a pobreza e os governos autoritários se espalham por 12 países como um rastro de pólvora.

Enquanto egípcios realizavam a marcha da vitória, depositando voto de confiança na transitoriedade da intervenção militar, a polícia promovia carnificina na Praça da Pérola, no Bahrein, a fim de conter as manifestações contra a dinastia sunita dos Al Khalifa, que governam esta pequena nação do Golfo Pérsico há mais de dois séculos. Até a etapa de abertura da temporada 2011 de Fórmula 1, prevista para 13 de março, teve de ser transferida para outro país.

Na Líbia, a oposição chega a contabilizar 3.000 mortos nos protestos contra Muamar Kadhafi, no poder desde 1969. Mas ninguém sabe ao certo o balanço da repressão, já que os serviços de internet e telefonia foram bloqueados.

Quadros semelhantes, embora com proporções menos ameaçadoras, se repetem no Iêmen, na Argélia e no Marrocos, onde o povo pede o fim dos regimes repressivos de Ali Abdullah Saleh, Abdelaziz Bouteflika e Mohammed Sexto, respectivamente. E até o fundamentalista Mahmoud Ahmadinejad viu sua soberania ser questionada e defendida com sangue nas ruas do Irã.

Os Estados Unidos sempre se mostraram defensores da democracia, mas há décadas têm como aliados países liderados por ditadores e monarcas que governam com mão de ferro e, convenientemente, oferecem certa estabilidade em uma região considerada estratégica para a Casa Branca. Entre os motivos para esse apoio estão o petróleo produzido na região, o combate ao terrorismo e o receio de que um levante popular possa levar a um governo tão antiamericano quanto o do Irã.

E essa não é a primeira vez que o Egito lança moda. Em janeiro de 1952, o país foi um dos primeiros a manifestar sua indignação diante do mando britânico sobre a terra dos faraós. A explosão popular não só pôs fim ao domínio de 70 anos dos ingleses sobre o Egito como  desencadeou uma luta em massa nas nações vizinhas contra o colonialismo europeu.

Desta vez, no entanto, a luta está só começando. Passada a euforia, surgem questões práticas: como será a democracia egípcia? Qual o papel dos militares neste cenário? As eleições serão mesmo em setembro? Qual será o desenho político do Oriente Médio após o exemplo bem-sucedido de mobilização do povo egípcio? Poderá a pirâmide social se equilibrar de ponta-cabeça sem pender para o extremismo islâmico ou se vender ao imperialismo norte-americano? O enigma desta pirâmide só o tempo poderá decifrar.

Confira a seguir a opinião do professor Márcio Scalercio, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ e autor do livro Oriente Médio (Editora Campus).

 

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Márcio Scalercio, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ e autor do livro Oriente Médio (Editora Campus). Foto: Divulgação

DIA-A-DIA – O exército está demorando para esclarecer os próximos passos na reforma da Constituição. Isso pode criar revolta ainda maior?
MÁRCIO SCALERCIO – A expectatica de vários líderes do movimento é de que o Egito tenha uma transição que permita estabelecer um regime controlado por civis. Então, há um elenco de incertezas bastante grande quanto ao desdobramento dessa revolução e sobre como o exército vai conduzir isso.

DIA-A-DIA – Qual seria a melhor medida a ser tomada pelos militares neste momento?
SCALERCIO – Divulgar um calendário de transição claro, determinando o fim do estado de emergência; garantir a liberdade de expressão do povo e da imprensa; eliminar todo tipo de obstáculo à organiza



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