'No teatro não tenho patrão'

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Miriam Gimenes

O homem sempre encontrou uma forma de se comunicar e demonstrar suas vontades. O teatro, por exemplo, ‘nasceu’ entre as primeiras sociedades primitivas, que usavam a dança como forma de exercer poder sobrenatural sobre fatos que auxiliavam a sobrevivência. Coincidência ou não, é com a peça O Homem Primitivo, em cartaz até dia 28 no Teatro Frei Caneca, em São Paulo, que o ator Pedro Cardoso e a atriz Graziella Moretto se expressam artística e intelectualmente, e experimentam a liberdade que só o palco é capaz de proporcionar. “O teatro é muito difícil industrializar. É o encontro momentâneo entre o artista e o público. Por ser artesanal há menos capital envolvido, não há investidor. Se amanhã desaparecer a Lei Rouanet, 80% dos produtores de teatro somem. Vão sobrar os verdadeiros artistas. No teatro não tenho patrão”, diz Cardoso. Sem contrato com nenhuma emissora, ele, ­ que fez durante 14 anos o Agostinho Carrara, de A Grande Família, na Rede Globo ­– e que nunca se furtou de criticar a televisão – é senhor de seu ‘artesanato’, do seu tempo, de sua mente. Com a palavra, o ator, redator, roteirista e escritor:

HOMEM PRIMITIVO

“A peça foi escrita pela Graziella e eu a partir de preocupações que foram trazidas por ela. Demos atenção à essas questões da opressão sexista. Partimos de um fato profundamente traumático, o estupro de uma atriz, que ocorre durante a filmagem de uma cena. A peça faz também ilações sobre economia doméstica e agressão, buscando sugerir a plateia de que há uma injustiça, que se inicia com a desvalorização do trabalho do lar. Toda estrutura econômica que vivemos baseia-se no fato de que o trabalho doméstico tem ou nenhum valor ou um valor muito depreciado. Se o homem tivesse de fazer este trabalho, a economia do mundo ia parar. O tema já tinha enorme atualidade por ser tema eterno, uma vez que essas questões são permanentes, que não dependem da moda. Infelizmente fatos violentíssimos e muito traumáticos tornaram (a peça) pulgente. Sempre foram atuais e agora ficaram urgentes. É quase uma ‘Lava-Jato’ do sexismo. Embora o assunto seja extremamente duro, o espetáculo é colorido.”

POLÍTICA

“Não me arrependo de ter votado em quem votei. Quando votei no Lula e não no Fernando Henrique, a quem admiro e com o passar do tempo admiro cada vez mais, acreditava que o Brasil precisa ter representantes que tivessem se originado da parte da população que mais sofreu as consequências da escravidão e do capitalismo. Essa convicção permanece intacta. Se o PT não conseguiu executar essa tarefa é um drama histórico que está se desenrolando no presente. Mas ele não pode fazer com que me arrependa, a razão que dei aquele voto permanece intacta. Não havia naquele momento nenhuma força política que representasse esse ideal. Se o PT não levou o povo brasileiro ao poder, estou à esquerda dele. Me colocando à esquerda do PT, me coloco também profundamente uma pessoa interessada no aperfeiçoamento da democracia. Nenhuma força política é maior do que a democracia e as imperfeições dela não devem ser pretexto para um regime eventualmente ditatorial. Se ela é fraca temos de melhorá-la e não abandoná-la. O afastamento (de Dilma) é uma aventura política irresponsável. O governo da presidente tem de se cumprir. O impeachment vem de grupos e pessoas que não têm nenhum amor pelo Brasil.”

CRÍTICAS A TV

(Pedro declarou em uma entrevista, há dez anos, que a hegemonia da Rede Globo nos mercados de trabalho e publicitário era negativa para o País) “Não me arrependo de ter dito o que penso. Posso, eventualmente, querer reparar o que disse, mas não tenho essa impressão que preciso reformar meu pensamento. As minhas convicções sobre o panorama da televisão brasileira, a minha insistência na autoridade do ator no processo criativo, elas permanecem totalmente intactas. O dinheiro não deve comprar sua conciência, deve comprar seu trabalho. Não sinto que a TV Globo me persiga pelo que penso. A emissora teve má percepção das minhas capacidades profissionais e desprezou as minhas ideias artísticas. Estão mesmo equivocados. Me sinto esteticamente mal compreendido.”

PROJETOS

“O projeto que a Globo desprezou chama-se Área de Serviço. É série sobre a amizade que se constrói entre um homem muito rico e seus empregados e de que modo isso vai informá-lo de verdade sobre o País. O Brasil precisa se apaixonar por si mesmo. A elite brasileira tem de fazer um esforço muito grande, não é possível viver ainda os ecos da escravidão. Tem de saber que o trabalho vale mais que o capital. Essa é minha convicção e mensagem que gostaria de transmitir amorosamente. Tudo que é gritado não é ouvido, tem de sugerir sua ideia com amor pelo próximo, para que ele possa te ouvir.”

A GRANDE FAMÍLIA

“Tenho saudade de me comunicar com o povo com aquela frequência, mas não posso ter saudade de A Grande Família. Ela terminou em um bom momento. É como ter saudade de um filho que cresceu. Quero que ele fique adulto e ter uma boa memória de quando era criança. Sempre ia gravar com essa alegria de saber que se conseguisse construir um ou dois minutos ia ser compartilhado por muita gente.”

ORGULHO

“Meu avô paterno dizia que uma emoção produzida pela beleza ajuda a pessoa a construir o futuro. Gostava muito (de atuar na televisão), fiquei muito triste (de ter saído). Tem gente que perde o contrato e se sente envergonhado. Qualquer brasileiro que perde o emprego acha que é fracasso pessoal dele. É um demérito da Globo que não esteja trabalhando lá. A pessoa não deve engolir esse fracasso como seu. Tenho orgulho do meu trabalho, se a Globo não teve sensibilidade para qualidade dele o demérito é dela e não meu. O Prince (cantor) era extraordinário porque lutou muito contra a exploração dos músicos e ele dizia isso: ‘Falo tudo com amor, mas falo tudo’ (risos).”

 

 




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