A insustentável leveza do ser

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Miriam Gimenes

Escrita em 1888, Os Maias é uma das principais obras do escritor Eça de Queirós. Nela, o autor apresenta a falência progressiva de uma família que já foi imponente, contada por meio da história de três gerações de homens. Um deles é Carlos Eduardo da Maia, um belo rapaz amante das ciências, das mulheres e autor da frase que o ator Fabio Assunção –­ que o interpretou na minissérie adaptada do romance português, exibida pela Globo em 2001 – usa para definir a conduta do filho João Assunção, 13 anos, com quem divide pela primeira vez uma cena no filme Entre Idas e Vindas, em cartaz. “O João é muito tranquilo. Não o vejo ansioso, nervoso ou abalado com alguma coisa. Mesmo com o lançamento do filme ele está tranquilo. Isso me ensina muito. É o que o Eça de Queiroz escreveu (e Carlos falou): ‘Correr com ânsia para coisa alguma’. O João tem um pouco isso. As coisas que vão vindo na vida e ele vai resolvendo e fazendo. E com tranquilidade. Não é uma leveza superficial, é uma leveza de ser”, diz o pai cheio de orgulho.

E esse ‘aprendizado’ acontece há tempos. Gravado há dois anos, o filme, dirigido por José Eduardo Belmonte, que mostra os altos e baixos das relações, intensificou ainda mais a proximidade entre os dois. “Essa questão da gente ser pai e filho (na vida real) deve estar impressa no filme, é muito orgânico. O João realmente me surpreendeu muito. Ele chegava no set e eu propunha: ‘Vamos bater o texto?’. Ele: ‘Vamos’. Falava o texto certinho e eu perguntava: ‘Que horas você decorou tudo isso? (risos)’. Queria fazer todos os filmes com ele.” O garoto, por sua vez, diz ter gostado da experiência, mas não sabe se vai seguir na carreira. “Como foi com meu pai foi mais fácil (fazer) do que se fosse com outra pessoa, fiquei mais à vontade na hora de gravar as cenas.” João é fruto do seu casamento com a produtora Priscila Borgonovi e, além dele, Fabio é pai de Ella Felipa, 5, do relacionamento com Karina Tavares.

A cumplicidade com o garoto, corintiano roxo como o pai, é uma coisa que não precisa ser declarada. “Essa é a minha concepção de amor, (a parceria) que a gente tem.” Quem teve a oportunidade de ‘assistir’ a essa amizade confessou ter ficado tocado. “Foi o Fabio mesmo quem sugeriu que o papel fosse feito pelo João e eu acatei na hora a ideia, até porque também tenho um filho que se chama João. Chega a emocionar a relação entre eles”, disse o diretor do filme, Belmonte. É claro que, logo de cara, o garoto virou o xodó do elenco, que conta com Alice Braga, Ingrid Guimarães, Rosane Mulholland e Caroline Abras. “Quando o João ia gravar, Fábio ficava assistindo sempre muito tenso e o João tirava de letra. Era muito bonitinho”, lembrou Ingrid.

O filme vem em um momento ótimo na carreira de Fábio e ele faz questão de dizer isso. Depois de cinco anos ininterruptos fazendo o Jorge, de Entre Tapas e Beijos, o ator interpretou o Arthur, um dos protagonistas de Totalmente Demais, a última novela das 19h da Globo, que foi sucesso de audiência. Embora tenha passado por alguns problemas pessoais durante as gravações –­ machucou o tendão da mão esquerda e, dois meses depois, fraturou o pé e teve de andar de cadeira de rodas – sentiu-se muito satisfeito com o papel. “Estes foram trabalhos mais felizes no sentido de estarem ligados ao humor, à comédia. A novela tinha muita gente jovem, isso tem sido muito legal. Fiz muitos dramas, trabalhos como Os Maias, por exemplo, que são mais profundos. Acho que esses que estou fazendo, inclusive o Entre Idas e Vindas, têm uma profundidade, mas sem que isso seja demonstrativo. A profundidade está exatamente nas relações cotidianas.” Ele, que já interpretou de mocinho a vilão –­ quem não se lembra de Renato Mendes, de Celebridade (2003)? ­– aprendeu a trabalhar com personagens “mais verdadeiros, mais leves mas, ao mesmo tempo, poéticos.” Todos com singular maestria.

 

Há tempos

Para quem não sabe, Fabio faz questão de dizer: começou sua ‘carreira’ em São Caetano. O ano era de 1989 e o jovem, que já havia feito teatro amador, resolveu se profissionalizar. Entrou, então, na Fundação das Artes, uma das mais antigas instituições dedicadas ao ensino da arte em contínua atividade no Estado de São Paulo. Diz ter sido uma experiência muito boa. “Não era fácil. Tinha 18 anos na época. Quando fiz o teste faltavam dez dias para eu completar 18 anos. Então tive de esperar para fazer a matrícula. Para ir para lá (São Caetano), pegava duas conduções e, para voltar, quatro conduções, incluindo trem, ônibus e Metrô. Foi um ano e pouco que convivi com muitas pessoas diferentes e sempre levei o teatro muito a sério. Ali era minha primeira escola de fato de teatro, estava me educando. Tenho grandes lembranças dessa época.”

Antes de concluir o curso, Fabio fez um teste na Rede Globo. Foi aprovado e escalado para o primeiro papel, Marco Antonio Venturini, de Meu Bem, Meu Mal (1990). “Minha ida para televisão foi muito rápida. Fui para o Rio e minha vida mudou. Nunca mais fui na Fundarte, mas eles já vieram até mim conversar várias vezes. Em datas comemorativas gravo depoimentos.” Ele cita alguns profissionais da instituição, como o diretor Jurandir Diniz Júnior e o professor de expressão vocal Alexandres Dressler, como essenciais para sua formação. “A Lídia (Zózima Sampaio) morreu no início do ano (de câncer de mama). Ela foi ver a segunda peça que dirigi (Dias de Vinho e Rosas) e já estava bem doente, foi emocionante. Tenho grandes lembranças de lá (Fundação), me ajudou na profissão e acho muito importante o movimento cultural que o (Grande) ABC tem. Gostaria de ser mais presente nisso.” E se você se encontrasse com aquele Fabio que entrou na Fundação das Artes há mais de duas décadas, o que diria? “Vai, que vale a pena (risos)”.


Futuro

No alto dos seus 45 anos – completos no dia 10 de agosto –, Fabio parece um garoto. A convivência com os mais jovens, algo que prezou em sua última novela, é um dos elementos que o auxiliam nesta característica. Os cabelos já um pouco grisalhos não amenizam em nada a gana em viver, aprender, ensinar e trabalhar. Tanto que havia acabado de sair de Totalmente Demais e já topou ser o ‘mocinho’ da novela das 21h, que está sendo escrita por Glória Perez: À Flor da Pele, que deve estrear em abril e tratar de diversidade. Embora ele não possa adiantar detalhes da trama, está feliz com a escolha. “Vai ser a segunda vez que vou trabalhar com a Glória e fiquei muito feliz com o convite, gosto do jeito que ela escreve. A direção será do Rogério Gomes, o Papinha, que é um grande parceiro e parece que vem um elenco bem forte”, adianta. Além dele, já foram escalados Paolla Oliveira, Isis Valverde e Débora Falabella.

Da próxima novela ele ainda não pode falar, mas do futuro do País, sim. Na coletiva de imprensa de Entre Idas e Vindas, encerrou dizendo “Fora Temer”, o que arrancou aplausos dos presentes. Questionado da declaração, o ator disse estar cansado do modelo político vigente. “Acho que para falar de política hoje a gente precisa ter muita informação. Estou me informando mais sobre o que está acontecendo. Estamos em um momento de muitas dúvidas, todos nós. De qualquer forma sou favorável a uma reforma política. Não sei se estou julgando errado, mas o que está aí não é uma nova política.” Nada como a maturidade ­com um pouco de leveza, ­não é, Fábio?

 




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