Alfaiate de luxo

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Miriam Gimenes

Foto: Andréa Iseki
Estilista Ricardo Almeida começou na carreira graças à paixão por moto. Foto: Andréa Iseki

Dizem que a profissão de alfaiate é mais uma a acrescentar o rol das que devem ser extintas no País. A arte do corte e costura personalizada perde espaço para as produções em larga escala, em que o cliente é que se molda às peças. Mas se depender de Ricardo Almeida, maior referência brasileira em roupas masculinas, este ofício nunca cairá no esquecimento. Ele trabalha tanto para isso que, após duas décadas do lançamento de sua marca, conquistou desde galãs de novela até o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Suas peças tornaram-se sine qua non no guarda-roupa dos poderosos.

Ricardo é tão requisitado que é fácil encontrar figuras conhecidas em seu ateliê. A exemplo, entre os inúmeros adeptos do seu corte diferenciado está  é o apresentador do Jornal da Record Celso Freitas,  que usa as peças de Ricardo tanto no trabalho quanto em eventos.

O atendimento é personalizado. Após rápido cumprimento entre os dois e um pedido de desculpas pelo atraso, o estilista analisa o terno encomendado pelo jornalista. Entre uma medida e outra, ambos conversam sobre sinuca – um dos hobbies de Ricardo – e o estilista verifica o caimento da peça com o auxílio de uma câmera digital. Após mais de meia hora, despedem-se, combinando marcar uma partida de bilhar. É este tipo de relacionamento que Ricardo gosta de criar com seus clientes.  

Para alguns este pode ser um fato extraordinário, dada a notoriedade do cliente em questão, mas para o alfaiate dos poderosos, conhecido por alguns como Armani brasileiro, o episódio é corriqueiro em seu cotidiano, que se inicia às 6h e, quase sempre, não tem hora para acabar. 


TALENTO NATO

Nascido em berço de classe média alta, seu primeiro trabalho foi na loja da família, que vendia produtos de cama e mesa, a Casa Almeida Irmãos, em São Paulo. Aprendeu a negociar, pois fazia de tudo. “Essa experiência uso ainda hoje”, lembra.

A grande paixão de Ricardo era corrida de motocicleta, esporte que praticava e com o qual gostaria de ter tirado seu sustento. Mas como não tinha como manter-se sem patrocínio, foi em busca de uma empresa que investisse em seu sonho. Chegou até uma confecção onde, ao invés de investimento, ganhou o emprego como representante.

Sem saber, a motocicleta o levaria para o caminho do sucesso: descobriu no emprego seguinte, numa camisaria, na Bela Vista, talento para criar peças e comercializá-las de forma singular. “Perguntei (aos donos) se poderia escolher tecidos que eu sabia que venderiam e eles deixaram. Falei assim: ‘também posso fazer uns modelos, mudando isso, aquilo e eles também permitiram. Por quê? Porque eu ia vender mais e se isso acontecesse, por ser comissionado ganharia mais.” Ricardo chegou sem querer no mundo da moda para não mais sair.

 
CRIANDO O ESTILO

Para aprender desde o desenho de uma peça até o arremate final, o estilista teve aulas com o modelista da camisaria onde trabalhava. “É aquela história: já que é para fazer, que seja direito”, pensou. Assim que sentiu-se seguro, saiu da camisaria e montou uma fábrica em sociedade com pessoas que já estavam no mercado. Valeu a pena. Foi nessa época que adotou o estilo dos ternos slim fit (cortados mais rentes ao corpo), sua marca principal.

Não seguiu o rumo das camisarias porque não achava certo fazer concorrência à empresa que o ajudou a crescer profissionalmente e a aprender. Para incrementar suas criações, como à época não existia faculdade de moda no País, comprava livros importados – que são consultados até hoje –, viajava para o Exterior, onde adquiria roupas com cortes diferenciados e as desmontava para aprender as técnicas. Ele é um autodidata.

Após alguns anos de sociedade, montou marca própria. Com a abertura do mercado para a importação de tecidos no início da década de 1990, trouxe materiais diferenciados que seguem até hoje em suas peças e logo abriu a primeira loja no Shopping Morumbi, em São Paulo. Hoje tem outras três – na Daslu e nos shoppings Anália Franco e Iguatemi –, além das recém-inauguradas em Brasília e no Rio. A do Distrito Federal foi aberta para atender melhor aos clientes políticos e, a segunda, aos atores, que não querem encarar a ponte aérea até seu ateliê em São Paulo. 


TOQUE DE MIDAS

Qual o seu diferencial? Como consegue manter-se em um mercado em que ainda há relutância em ousar?  “Tenho noção de proporção que passo para o corte e à modelagem. Consigo deixar o homem mais longilíneo, magro e poderoso.”

O primeiro famoso que atendeu foi o ator Raul Cortez, que na época atuava na minissérie O Sorriso do Lagarto, na Rede Globo. A partir daí o clã artístico conheceu seu trabalho e, no boca a boca, Ricardo tornou-se o queridinho dos astros – entre eles Marcello Antony, Rodrigo Santoro, Murilo Rosa e Fábio Assunção – e dos políticos, como o senador Eduardo Suplicy. Antes, atendia apenas publicitários bem-sucedidos e arquitetos que sabiam identificar o diferente design do estilista.

O boom de vendas veio em 2002, quando Ricardo vestiu o então candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva. “Tinham muitos donos de empresa que pensavam assim: não sou artista, não tenho 1,85 m, tenho barriga e falavam: Ah, não vou no Ricardo. Na hora que viram que atendo a todos, esse executivo começou a aparecer na minha loja.”

Para ele, independentemente do status profissional e econômico do cliente, o que gosta mesmo é de atendê-los pessoalmente e ter relação amigável. Existem, no entanto, os dotados do estrelismo, os quais ele passa para outros funcionários. São poucos.

Outro ponto positivo de seu trabalho, ressalta o estilista, é a confecção artesanal. São feitas cerca de 3.000 ao mês. Uma calça sai a partir de R$ 270 e um terno R$ 2.000. É Ricardo mesmo quem tira as medidas, faz o molde, verifica o caimento e pede para que as costureiras façam os ajustes. Ele preza a qualidade, não  a quantidade.




Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados