Continuar ou não? Eis a questão

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Dérek Bittencourt

No dicionário o verbo desistir significa “não prosseguir em um intento, abrir mão voluntariamente; abster-se, abdicar, re­nun­­ciar”. No geral, a desistência está atrelada a um último ato, quando não há mais estímulo, vontade ou capacidade para alcançar o objetivo. E o Sob Medida, projeto que parte para o terceiro mês, teve anunciadas as três primeiras desistências oficiais (os nomes serão mantidos em sigilo para preservar os participantes). A Dia-a-Dia conversou com profissionais das áreas de Educação Física e Psicologia, para verificar se tal situação tem a ver com envolvimento e mudança de hábito. Ou a falta de ambos. Desta maneira, abandonar o barco é uma das saídas – não necessariamente a mais fácil, sinal de fraqueza, mas foi a alternativa encontrada. 

Trocar velhos comportamentos e certos vícios por uma rotina de exercícios e alimentação saudável é um desafio enorme. Dentro ou fora do projeto, cada pessoa que se dispõe a iniciar atividades na academia ou adere a uma dieta balanceada tem de se apoiar na força de vontade e adicionar ao vocabulário uma palavrinha mágica: comprometimento. Substan­tivo que tem tudo a ver com empenho, mas mais ainda com obrigação. “Com­p­ro­metimento é a palavra que deve ser bem usada. Quando (os participantes) se dispuseram a entrar no projeto, foi colocado terem de abrir mão de algumas coisas, darem prioridade a outras. É uma mudança de rotina”, diz a psicóloga Simone de Souza. “Res­ponsabilidade é fundamental. Para a pessoa desistir basta sentir uma pressão, se sentir acuada, que já fala ‘não preciso disso, vivi até agora assim, vou tomar remédio e lá na frente eu dou um jeito’. Digo para alunos que cada dia de treino é um dia a menos no hospital”, reflete o personal trainer e consultor em fitness Stefano Pilon.

Diariamente estamos sujeitos às mais diversas situações que nos fazem pensar em deixar o cuidado com a própria saúde em segundo plano. De acordo com a profissional, este é um dos principais facilitadores da desistência. “As pessoas encontram fugas do exercício, da alimentação. Percebo que o problema é sempre de um terceiro, nunca é com elas. Seja porque tem de levar ou cuidar do filho, por causa da rotina da esposa ou do marido que é diferente. Mas aqui, na terapia, identificamos que o problema na verdade está em você mesmo. E é isso que te leva a desistir”, indica Simone. 

Não existe regra ou motivo único que possa ser apontado como o ‘X’ da questão que leva ao abandono dos exercícios físicos ou da alimentação saudável. “Existem situações que envolvem origem, desde o desenvolvimento e constituição, então pode ter ordem emocional, na qual comer é para preencher um vazio de um problema da infância. Outras não têm concepção, consideram que qualidade de vida é o viver hoje, agora, então optam por ter prazeres momentâneos, imediatos, sem se preocupar com amanhã. São diferentes fatores para cada um”, conta a psicóloga.

XÔ, PREGUIÇA

Simone diz ainda que esta situação de dar mais valor aos prazeres de momento é um problema da população no geral. “É claro que a cama é mais gostosa, mais atrativa. Porém, é aquela coisa do imediatismo: é bom para agora, mas e a longo prazo?”, questiona. “Se a pessoa segue à risca uma rotina de trabalho, ela acorda e vai, não importa se está feliz ou não, porque é sua obrigação. Então, quando se compromete a fazer algo para si, também é preciso essa identificação, mas é muito difícil internalizar isso, porque se tratando de mim é sempre possível deixar para amanhã”, analisa. “Cuidar de si não é prioridade na vida. O ser humano é assim, precisa estar em perigo, em situação de privação para que consiga dar valor àquilo que um dia teve”, complementa.

Sendo assim, o indicado é criar estratégias para facilitar a mudança de hábito ou adaptar os exercícios e a alimentação à rotina. “Por exemplo, quem não leva roupa da academia para o trabalho e tem de passar em casa para pegar. Isso é a morte. Leva e vai direto de um para o outro”, sugere Stefano Pilon. “Tenho alunas que comem antes de ir às festas”, cita, indicando quem consegue dispor de um alto nível de empenho para não cair nas tentações que estes tipos de reuniões oferecem, como comidas e bebidas em excesso e nem sempre das mais saudáveis.

“É fundamental o autocontrole, racionalizar sobre a situação, porque está há tantos meses nessa batalha e chega num dia e come de tudo. Então a cabeça não mudou ainda. Só vai mudar quando estiver numa festa, com tudo à disposição e comer o suficiente para você. É preciso pensar, elaborar, usar o cognitivo para mudar o comportamento. É isso que às vezes falta. Numa reunião social está todo mundo comendo, por que vou ser o diferente? É da nossa cultura, não sabe se encontrar apenas para conversar, precisa se reunir ao redor de uma mesa, em situação para comer. Quando se priva desses momentos vai doer também. Não tem problema comer um pedaço de bolo, um pedaço de pizza”, opina a psicóloga Simone de Souza.

Existem, por outro lado, métodos que acabam indo contra a proposta de a pessoa se predispor a iniciar um projeto de perda de peso, como explica a profissional. “Quando acontece de, por exemplo, ‘ah, vou começar a dieta na segunda-feira’ ou ‘vou ter um casamento e preciso emagrecer até lá’, existe um estímulo para começar e uma meta para concluir tal dia, só que com essa mentalidade no dia que atinge a meta você volta a engordar, porque não houve a mudança de hábito, a questão de inserir na rotina a qualidade de vida”, determina.

DISPOSIÇÃO 

No quesito comprometimento talvez nenhum dos participantes do Sob Medida tenha tanto orgulho em demonstrar o quão empenhado está como Claudia Zeber, 50 anos. “Nos finais de semana, quando não estou na empresa, penso ao comer, procuro me alimentar na hora certa e o que é indicado. Costumo dizer que não é que não posso, mas não devo comer o que não me faz bem. Então o comprometimento é comprovado nisso tudo”, diz ela.

Wesley Santana, 26, é outro caso de persistência. Segundo ele, o que o segura no projeto é determinar metas. “Em nenhum momento pensei em desistir. Desde o começo, quando fiquei sabendo do projeto me interessei. Estava acima do peso. Gosto de jogar bola e um projeto desse, com academia, nutricionista, estimula para procurar melhorar o desempenho. Fui atrás e estou focado. Vai da força de vontade mudar a rotina e a alimentação”, afirma.

Mas nem todos encontram tanta facilidade em seguir a proposta do programa como Angelo Verotti, 44. “O esforço maior foi para começar, dar o primeiro passo. Para quem está parado há muito tempo, que é meu caso, fica mais complicado ainda. Não vou negar, pensei em nem começar, mas a minha ideia é ir bem e conseguir bom resultado.” 

Para ver  a rotina dos participantes, aces­­­se www.diaadiarevista.com. br/sobmedida, projeto com apoio da Toledo do Brasil.

Números comparam e comprovam perda de peso e de medida

Ao fim do segundo mês de projeto, os participantes do Sob Medida foram novamente submetidos à pesagem. E, no total, 58,2 quilos foram eliminados. Há quem tenha perdido gramas e há quem tenha alcançado perdas mais significativas, como os quase oito quilos de Anderson Fattori, 34, fruto justamente de um comprometimento com o que foi proposto. Pode até ser que não siga à risca, mas os números não mentem. “A persistência é que vai fazer a diferença de quem consegue atingir o resultado ou não. As pessoas que não conseguem começam a ter frustrações e desistem”, explica o personal trainer e consultor em fitness Stefano Pilon.

O?profissional traça um paralelo de um fato histórico presente no livro O Poder do Hábito (Charles Duhigg, 2012, ed. Objetiva). Conta a publicação que, na década de 1900, o executivo norte-americano Claude Hopkins foi contratado por um velho amigo, que tinha a ideia de lançar o creme dental Pepsodent, para realizar campanha de marketing para a marca com a finalidade de disseminar o uso da pasta de dente ­– o que não era um costume à época. Tal situação não só aconteceu como se transformou em algo corriqueiro e, uma década depois, metade da população dos Estados Unidos tornou aquilo um ritual. “Hoje em dia todo mundo sente essa necessidade, é automático. Virou hábito. Na questão do exercício tentamos fazer com que se torne justamente uma prática corrente, um costume”, compara Pilon.

Um dos artifícios utilizados pelos profissionais de Educação Física é justamente tentar manter o aluno realizando exercício por um período suficiente para que o corpo e a mente peçam por mais e tornem aquilo automático. “Há uma estatística que se uma pessoa consegue fazer (exercício) por três meses, dificilmente vai desistir. Então nossa luta é para que consiga ficar numa academia durante 90 dias, porque depois disso o cérebro entende que vai ter aquilo periodicamente. Fica mais difícil parar”, aponta o personal trainer.

A Drogaria da Coop, mais nova parceira do Sob Medida, realizou blitz da saúde com funcionários do Diário e participantes do programa, com direito a medição de pressão, glicemia e IMC. Profissionais explicaram a importância de cuidar da saúde e indicaram métodos de realizar tal prática da melhor maneira.

 



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