Sindicalismo na veia

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Miriam Gimenes

Foto: André Henriques
 Nobre deixa o sonho de ser engenheiro para se dedicar à classe trabalhadora. Foto: André Henriques

O ano é de 1980 e o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Inácio Lula da Silva discursa para centenas de trabalhadores na frente da Scania, em São Bernardo. Um garoto, 14 anos, olha atentamente o interlocutor que fala sobre a relevância de uma organização para defender a classe. Para o sindicalista, era preciso brigar para que aqueles que trabalhavam na geração de riqueza para outrem não fossem esquecidos.

O episódio e as palavras marcaram tanto a vida do metalúrgico Sérgio Nobre, hoje com 44 anos, que o fez ter consciência à época da importância que o sindicato tinha para a classe trabalhadora. O que ele não imaginava, no entanto, é que 30 anos depois ocuparia a mesma cadeira do tal sindicalista: Nobre é, há dois anos, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o mais importante do País e referência mundial. “Todo mundo que assume aqui (o sindicato) brinca que nós somos apenas vice dele (Lula), dono vitalício da cadeira”, afirma.

Como muitos garotos de sua geração, Nobre entrou na metalurgia por não conseguir pagar uma universidade. Como o pai já era metalúrgico, o incentivou a ingressar no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) – escola por onde Lula também passou – e começou a trabalhar na Scania, onde ficou até 1985. “Embora meu pai não participasse do sindicato nesse período, sempre me disse sobre a importância dessa instituição. Isso nunca saiu da minha cabeça”, lembra. Atendendo aos conselhos citados, assim que saiu da Scania e foi para Mercedes Benz iniciou sua aproximação ao mundo sindical.

É que instituiu-se no mesmo ano as chamadas comissões de fábrica, que consistiam em representantes do sindicato dentro das empresas para defender o interesse dos trabalhadores. “Só que as empresas não queriam que aquilo ganhasse corpo, então reprimiam”, acrescenta Nobre. Por isso, muitos tinham medo de aderir à organização e, para não deixar que a conquista do sindicato caísse no esquecimento, Nobre decidiu fazer parte da comissão.

Sua vontade, no entanto, era ajudar os colegas de trabalho, mas ele vislumbrava outro futuro: queria ser engenheiro. E dizia: “Na hora que consolidar (as comissões) saio e vocês vão tocar a vida.” Ledo engano. Assim como Lula e os demais que escolhem esta opção de vida, não conseguiu sair mais e a faculdade de Engenharia ficou apenas no sonho.

Nobre conseguiu galgar seu espaço dentro da instituição e, em 2002, deixou o trabalho no chão de fábrica para participar da Confederação Nacional dos Metalúrgicos. Conheceu outro mundo. Viajou pelo Brasil e diversos países, sentiu as diferenças e logo se acostumou. Embora ainda seja funcionário da Mercedes – quem vira dirigente do sindicato não perde o emprego e continua ganhando o salário, no caso de ajustador mecânico –, pretende permanecer por muito tempo na carreira sindical.


TEM DE TER PREPARO

Muito se fala que quem vira sindicalista é aquele que não quer trabalhar. Nobre diz ter sofrido este tipo de preconceito, mas faz questão de mostrar que seu cargo exige muito trabalho. Antes de conquistar a presidência, iniciou a faculdade de Relações Internacionais, concluída no ano passado, e muniu-se de muita leitura, uma das exigências da função. “Como presidente você é chamado para discutir todo tipo de tema:  Saúde, Previdência, estrutura de salário, política industrial, problemas da região. Tem de estar muito preparado”, explica.

Suas obras favoritas são do educador popular Paulo Freire, que o ajudou muito desde que assumiu o sindicato. “Quando o dirigente sindical vai fazer uma assembleia na porta da fábrica, ele é isso, um educador. E é uma situação que as pessoas estão lá para aprender”, acrescenta. Outra obra citada por Nobre é O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro, que mostra como formou-se a atual sociedade.

Foi com este preparo e com o apoio da família – Nobre é casado e tem dois filhos, o mais velho também metalúrgico – que o presidente conseguiu diversas conquistas ao longo de seu mandato. As principais? O direito do trabalhador passar um dia remunerado no sindicato para aprender sobre seus direitos e a função da instituição, fato inédito no País, e a TV dos Trabalhadores, cuja concessão saiu neste ano. “Comunicação é uma concessão pública e todo mundo tem o direito de falar. Universidade tem canal, igreja tem canal, político tem canal, por que os empregados não podem ter um?”, questiona.

Para dar andamento a estes e outros projetos, Nobre pretende candidatar-se no próximo ano, visto que o mandato é de um triênio e se possível seguir os conselhos do tal líder sindical e seu ídolo, aquele ouvido há 30 anos: o de solidificar a instituição e de lutar pela sua classe, a dos metalúrgicos.




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