Força e Fé

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Andréa Ciaffone

Palestra do projeto Somar, do Citi, para deficientes que querem crescer na carreira de bancário. fotos Nario Barbosa

Emprego seguro, casa própria, casamento. Essa trinca está na base das esperanças de milhões de brasileiros para o futuro dos seus filhos. Mas, para os pais de crianças com deficiência – sejam elas físicas ou intelectuais –, esses desejos comuns ganham contornos de sonho distante. A boa notícia é que a realidade já mostra que atingir independência financeira é algo perfeitamente plausível para pessoas com algum grau de limitação graças à combinação de escolas com currículo especial, cotas de inserção no mercado de trabalho e a legislação, que determina que as empresas deem oportunidade a essas pessoas.

“Há um ano sou analista de crédito imobiliário no Citibank, faço análises de documentação. Estou há nove anos no banco e pretendo continuar. Sou independente financeiramente. Um dos planos para este ano é comprar minha casa própria. Moro em São Paulo, sozinho, desde os 23 anos. Saí da casa da minha mãe porque casei, mas o matrimônio não deu certo. Estou divorciado há um ano e meio”, diz Alex Oliveira Gomes Soares, 28. O balanço das conquistas desse jovem já estaria acima da média em qualquer cenário, mas ele se torna ainda mais brilhante quando se sabe que é um dos funcionários da cota de deficientes físicos ou intelectuais estabelecida pela Lei 8.213/91, que obriga empresas com 100 ou mais funcionários a contratar trabalhadores com deficiência em percentuais que variam de 2% a 5% do quadro geral de empregados. Mas, para que essas vagas reservadas sejam preenchidas, é preciso ter pessoas preparadas para atender às demandas da atividade profissional.

“Quando surgiu a lei de cotas, a abertura das empresas para a contração de deficientes ainda era muito restrita. Foi nesse contexto que, em 1992, criamos o PTI (Programa de Inclusão Monitorada de Pessoas com Deficiência Intelectual no Mercado de Trabalho)”, diz a diretora geral do Colégio Paulicéia, Carmen Lydia Trunci de Marco, 58 anos. Considerada uma das maiores especialistas em formação de pessoas com deficiência, a paulistana vê o processo de integração como algo basilar para a sociedade em vários aspectos. Assim, o PTI oferece cursos livres que preparam e capacitam indivíduos limítrofes, com deficiência intelectual leve, moderada, severa ou grave, e com dificuldades emocionais ou motoras. “O objetivo é que elas conquistem mais independência no dia a dia e possam se integrar socialmente para conseguir entrar no mercado de trabalho, através da lei de cotas”, define.

Carmen Lydia, do Paulicéia, tem fé nos seus alunos

“Iniciamos com oficinas de produção em que os alunos faziam chocolates, sabonetes e outros produtos artesanais que eram vendidos e a renda, revertida para a associação. Era uma forma de eles começarem a se preparar para a realidade do emprego”, descreve a diretora. “Desde o começo já exigíamos deles a postura profissional; o respeito às regras; a rotina de assinar o ponto, de utilizar uniforme e, aos poucos, foi acontecendo a abertura para os empregos formais.”
A maturação do projeto capitaneado pelo colégio localizado no Campo Belo, em São Paulo, foi lenta, porém inexorável. E se baseia no conceito de inclusão que norteia todo o processo de ensino da instituição. Hoje, o Paulicéia comemora a inserção de mais de 100 alunos no mercado de trabalho e mantém parcerias com grandes empresas, como Citi, New Dog, Droga Raia, Cobasi, Hospital Sírio-Libanês, McDonald’s, Colégio São José da Vila Matilde, Lojas Riachuelo, Planus, Pão de Açúcar, Editora LeYa e Febraban.
Com o passar do tempo, o projeto se ampliou, mas manteve o estilo pragmático na preparação dos jovens. “O programa oferece atividades pedagógicas desenvolvidas de forma integrada e funcional, como leitura, escrita, cálculos, atualidades e uso do dinheiro, além de aulas teóricas de orientação profissional, programas profissionalizantes práticos e oficinas tuteladas para o desenvolvimento da capacidade laboral”, explica a coordenadora do PTI, Emilia Auyagui.

Em 2006, o PTI faz sua primeira parceria com uma empresa, a lanchonete New Dog, que abriu espaço para a contratação de uma aluna do Paulicéia. “A tarefa de integrá-la ao ambiente de trabalho era prioridade. A empresa abriu dois turnos em um dia somente para que nós pudéssemos conversar com todos os funcionários e instruí-los sobre como lidar com essa nossa aluna. Foi muito legal”, diz Carmen. A moça ainda trabalha lá. E por escolha própria. “Ela chegou a ser chamada para trabalhar no Citibank, mas diz preferir continuar na lanchonete”, conta a diretora, que sempre reforça a individualidade em seus alunos, incentivando-os a fazerem suas próprias escolhas.

O convite para trabalhar no banco multinacional veio por meio do projeto Somar, uma parceria entre a instituição financeira e o colégio firmada em 2007 que tem como foco otimizar as possibilidades de sucesso na carreira de pessoas com deficiência. Entre as incumbências do projeto está analisar a expertise do funcionário, determinar quais tarefas ele poderia desenvolver, o perfil da agência e dos gestores. “As orientações são passadas não só para os alunos como também no trabalho, para todos, chefes e colegas. Sempre tentamos resolver os problemas aqui dentro do colégio. Por exemplo, se um aluno não gosta do seu chefe, nós explicamos que tudo bem, não precisam ser amigos fora do ambiente de trabalho, mas têm que manter o profissionalismo. Agora, se o problema se estende, nós chamamos a família para que eles também possam ajudar a resolver a questão”, explica Carmen sobre o trabalho de acompanhamento do projeto.

“Depois que começam a trabalhar, eles continuam com os programas. E para ele se manter no emprego, tem que estar sempre se reciclando, como todos nós. As pessoas não são coisas, não dá para ficar esperando. Se algo não funciona com algum aluno aqui, n&



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