O dono da onda

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Marcela Munhoz

Assim como o mar é a vida: profunda e desafiadora. Tem quem esco­lhe seguir até a areia só com o movimento suave da marola, esperando um dia de cada vez para ver como vai estar a maré; mas tem também quem faz questão de enfrentar a fúria das águas para atingir o auge, conquistar o que sonhou, lá do alto da onda mais perfeita, lá do alto da onda mais difícil. Adriano de Souza é desses. Mineirinho, 28, tanto fez que trouxe para o Brasil em dezembro – após quase dez anos na elite do surfe – o título de campeão mundial. “Tenho a sensação de dever cumprido, de enorme peso tirado das costas, de ter conseguido realizar o objetivo de toda uma vida”, declara à revista Dia-a-Dia, em plena lua de mel na Ásia (ele acaba de se casar com a modelo Patrícia Eicke).

 

Literalmente na crista da onda, Mineirinho faz questão de lembrar que o troféu arrebatado por Gabriel Medina em 2014 – que, aos 20 anos, foi o primeiro brasileiro a conquistar tal feito – ajudou a incentivá-lo a não desistir do seu principal objetivo. “Ele conseguiu o que todos nós sempre sonhamos: ser o primeiro campeão. Ele mostrou que é possível e também ‘mostrou’ como chegar lá”, enfatiza. E, com maestria, o Capitão Nascimento, como também é conhecido (“eles falam que é porque sou sério e não desisto fácil”) mostrou em Pipeline, no Havaí, que a chamada Brazilian Storm (Tempestade Brasileira) só está começando. De família humilde do Guarujá, litoral de São Paulo, o atleta contou um pouco mais da fase que está vivendo. Confira:

Para levar o título, você venceu o havaiano Mason Ho na segunda semifinal, mas mandou bem durante todo o campeonato. Quais os principais desafios que teve de enfrentar?

Foi tudo um grande desafio. No campeonato é preciso constância e sorte, e eu consegui ter um pouco de tudo. Resultado de traba­lho intenso que vem desde o fim do ano passado.

Fale sobre o norte-americano Kelly Slater. Ele é seu maior adversário, seu maior ídolo ou os dois?

É um grande adversário, uma grande inspiração e referência de amor ao esporte, de técnica e qua­lidade. Acabamos criando história nos nossos duelos e me sinto feliz em ser considerado a grande pedra no sapato dele.

E o australiano Mick Fanning?

Outro grande cara, tricampeão mundial, que merecia também ter sido campeão após tantas situações difíceis, como o tubarão em J-Bay e a morte do irmão antes de Pipeline.

Vencer o ídolo da casa, Mason Ho, teve gostinho especial?

Mais especial do que vencer o Ho foi ter ficado hospedado na casa do ‘dono’ do Pipeline, o também havaiano Jamie O’Brien.

Você dedicou o título a Deus e a Ricardinho (surfista assassinado em 2015). Por quê? Qual a importância de cada um deles na sua vida?

Deus me ajudou ao colocar as pessoas certas no meu caminho, como meu irmão, o Ricardinho e muitos outros. O Ricardinho me mostrava o valor da vida e a paixão por fazer o que gosta. Aprendi com ele tanto dentro quanto fora das ondas.

‘O mar está mesmo para peixe’ para os brasileiros. Como você explica dois surfistas daqui campeões em tão pouco tempo? Pode citar ‘promessas’ no esporte?

Acredito que nós fizemos por merecer, muitas vezes sem apoio algum. O mérito é todo dos competidores. Da nova geração, temos o Caio Ibelli e o Lucas Silveira, campeões do QS (Qualifying Series) e do Junior. Eles lideram geração que deve dar continuidade à nossa.

Como você vê a ‘base’ do surfe aqui, no Brasil?

Nosso esporte não tem muitos eventos de base, mas acredito que isso deve mudar. Porém, em compensação, sempre existirá a turma de abnegados que nunca deixará o surfe morrer, ainda mais pelo tamanho da nossa costa. Duvido que isso acontecerá.

Todo mundo faz festa quando algum brasileiro consegue um feito tão grande como o seu, mas, na real, quando a adrenalina passa, como é o dia a dia de quem precisa sobreviver do surfe do Brasil?

É muito duro, pois temos a cultura de admirar o produto já pronto e não olhamos para os atletas em formação. Mas, agora com a exposição e a popularidade, as coisas estão melhorando, o que é bom.

Você acha que as crianças estão olhando também para o mar e não só mais para os campos de futebol?

Digamos que o futebol é mais acessível, pois a prancha custa caro, querendo ou não. Mas é tão acessí­vel quanto caso você esteja dando os primeiros passos, pois é possível alugar pranchas, fazer aulas, dar um jeito.

E as mulheres do surfe?

Temos boas representantes, como a Silvana Lima, mas o surfe feminino sofre até mais do que o masculino por exposição.

Como são os bastidores do esporte (patrocínios, empresários, campeonatos, amizade entre os atletas)?

São iguais aos dos outros esportes. Por ser em um clima mais leve (trabalhar olhando o mar tem suas vantagens), não chega a ser tão estressante. Quanto à amizade, fica fora da água, dentro queremos ganhar.

Olimpíadas no Rio de Janeiro sem surfe. É uma decepção para vocês?

É assunto que ainda será muito discutido. É preciso série de fatores para dar certo. Eu adoraria representar meu País nos Jogos Olímpicos, seria algo demais, mas não depende da gente, então vamos aguardar. Sobre o Rio, espero que seja um bom evento.

O Grande ABC tem como um de seus representantes também um Mineirinho, mas o do skate. Curte a ‘prancha com rodinhas’?

Eu e o Mineirinho somos amigos e até ficamos um tempo juntos quando cheguei ao Brasil. Adoro o esporte dele, existe similaridade, mas não arrisco!

Você faz 29 anos agora, no dia 13. Acredita estar em sua melhor fase? A idade interfere muito no surfe?

Acredito sim, com certeza! Sobre a i



Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados