Dois pra lá, dois pra cá

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Miriam Gimenes

Ele tinha um sonho. Corta. Ouve-se um estampido. E um projétil de alto calibre, que acertou o lado direito do pescoço e explodiu sua mandíbula, silenciou ali uma das vozes mais ecoadas – em todos os sentidos – no mundo. Martin Luther King, 39, estava na sacada do quarto 306 do Hotel Lorraine, em Memphis, no Tennesse, quando recebeu o golpe fatal. Bradou seus ideiais pelos direitos civis e igualdade racial até o fim. Na véspera do crime, no dia 3 de abril de 1968, fez seu último discurso no Templo Charles Mason, em solidariedade à greve dos trabalhadores da limpeza urbana. “O homem que não está disposto a morrer por uma causa não é digno de viver.” Tornou-se mártir. Mas foi para mostrar o outro lado pouco conhecido dele, mais humano, que Taís Araújo e Lázaro Ramos toparam encenar o último dia de vida de ‘doutor King’ no espetáculo O Topo da Montanha, em cartaz até dezembro no teatro Faap, em São Paulo.

 
Não pense tratar-se de uma peça trágica. Muito pelo contrário. Embora o desfecho já seja conhecido, surpreende pelos detalhes. E neles, o casal tem uma interpretação certeira. Taís é Carrie Mae, camareira que vai ao quarto de King apenas para levar o café, mas joga ‘em seu colo’ série de questionamentos que até então, talvez, ele não tinha sequer parado para pensar. Arranca risadas em maior proporção do que as lágrimas. Lázaro faz um King um pouco medroso, confuso e até pecador – o que, para um pastor, não é algo muito admissível. Mostra, sutilmente, quem habita na alma do mito. “O bacana do espetáculo é contar a história deste herói como um homem comum, com suas dores, medos e alegrias. Isso aproxima muito mais a gente. Quem conhece o Martin vai aproveitar a peça de um jeito. Mas quem não sabe nada sobre ele vai ver homem que era um grande líder, falava bem, fez muita coisa por uma nação, mas perto de morrer achava que ainda tinha feito pouco”, diz Lázaro.
 
 
Camae, como é chamada por King, torna-se a cereja do bolo na trama. Nas palavras do ator e diretor da peça, ela é o oposto de tudo que ele viveu até então. “Ela traz alegria, luz, é engraçada e vai deixando ele um pouco mais relaxado, apesar de estar em momento de tensão.” Segundo Taís, ela o faz repensar sobre a forma como escolheu viver. “A maneira como lutava era a não violência. Será que isso valia a pena? Ela provoca ele o tempo inteiro e o faz refletir.” E não só o personagem é convidado a pensar.
 
O texto de Katori Hall traduzido por Silvio Albuquerque serve para que o público pense sobre suas dúvidas, bravura e mudança de vida. “Essa peça fala sobre coragem e afeto, antes de qualquer coisa. “Às vezes, parece que só quem é interessado no assunto pode participar do espetáculo, e não! Na verdade, fala sobre como tornar a vida um pouco mais leve, como lutar pelos seus direitos, como ser mais corajoso e afetuoso”, ressalta o ator. King podia temer as ligações diárias de ameaças que recebia em sua casa ou em um quarto de hotel. Nem por isso desistiu de lutar – ainda que não usando a força física – pelo que achava justo e em prol de seu sonho.
 
 
Entre os inúmeros desejos que ele expôs no famoso discurso I Have a Dream (Eu Tenho um Sonho), feito em 23 de agosto de 1963, em Washington, durante marcha que reuniu cerca de 250 mil pessoas, King disse: “Tenho o sonho de que meus quatro filhos viverão um dia em uma nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo teor de seu caráter”. E ele conseguiu realizá-lo? “Claro que não, mas foi um caminho. Ele ainda é um exemplo, uma inspiração, o próprio espetáculo toca neste assunto, sobre onde o mundo foi após a morte dele”, adianta Taís. E ela é taxativa: “Não existe um negro que não tenha sofrido racismo neste País”. “A gente procura fazer nossa parte e acreditamos que autoestima e respeito ao direito do outro podem mudar muitas coisas”, completa Lázaro.
 
 
Em quase todas as entrevistas, ressalta Lázaro, não tem como fugir de perguntas sobre o racismo. “É um cuidado e atenção que se deve ter. Não olhar para a pessoa com aquilo que ela aparenta e vê-la um pouco mais. O trabalho de um ator é representar os sentimentos dos seres humanos. Qualquer ator pode representar qualquer sentimento. O nosso dia a dia e, claro, nossas dores. E o racismo é uma delas, passa pela nossa rotina, mas não é o nosso único tema. E é isso que faz com que a gente alcance aquilo que queremos, a igualdade de ser visto como um ser humano.” E eles conseguiram isso ao longo da carreira. Tais foi a primeira atriz negra a ser protagonista de novela, em Xica da Silva (1996), da extinta Rede Manchete. Lázaro também ostenta o título, com o Foguinho de Cobras & Lagartos (2006), quando contracenou pela primeira vez com a amada.
 
 
Iniciou-se então parceria de sucesso, em todos os sentidos. Com os anti-heróis Foguinho e Ellen (Taís), eles alavancaram a audiência da novela de João Emanuel Carneiro, que chegou a 38 pontos, uma das maiores alcançadas no horário pela Globo.
 
POP STARS
E lá se foram nove anos – dos 11 em que estão juntos. No fim de setembro, Taís e Lázaro encararam um dos maiores desafios da carreira: protagonizar a série Mister Brau, escrita por Jorge Furtado. Lázaro é Brau, um músico de sucesso e milionário casado com Michele (Taís), também sua empresária e dançarina. O casal se muda para um condomínio de classe média alta na Barra da Tijuca e promove festas quase que diariamente. Essa ‘bagunça’ incomoda os vizinhos Andréia (Fernanda de Freitas) e Henrique (George Sauma), que até pensam em se mudar. Embora sejam muito diferentes, os casais acabam se aproximando e assim se desenrola a história, recheada de humor, música e muita confusão.
 
A média de audiência nos primeiros programas foi boa – três pontos a mais que o antecessor Tapas & Beijos – e a repercussão, melhor ainda. Tanto que a dupla ganhou reportagem no jornal inglês The G


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